Procurar
Close this search box.

8 mulheres, deste e de outros tempos, que desafiam a história

Qualquer momento é um bom momento para criar visibilidade para uma das franjas da sociedade global mais invisibilizadas: a mulher negra. Ainda sobre o Dia Internacional das Mulheres, preferimos não falar sobre os números da equidade que envergonham a escala do tempo que nos trouxe até ao século XXI. Queremos antes recordar ou dar a conhecer a vida e obra de oito personalidades femininas, do universo lusófono e global, deste e de outros tempos, que têm os seus nomes inscritos numa História muitas, demasiadas, vezes ingrata e deserdada.

Tututa Évora – Pianista/Instrumentista – Cabo Verde

A palavra extraordinária poderia ser sinónimo de Tututa. Nascida num tempo onde a mulher sub existia, Dona Tututa inspirava e expirava arte. Nasceu em 1919 e em 31 já participava em récitas teatrais mas foi a música que levou o seu nome mais longe. Depois da morte do pai – a única pessoa que a impedia de atuar sem ser no circulo familiar ou de amigos -, Tututa deu uso às aulas de piano que teve na infância e, na década de 1960, foi tocar profissionalmente no famoso Café Royal, no Mindelo. Na ilha de São Vicente foi a primeira mulher a atuar nas noites de serenatas e tocatinas mindelenses e desafiava a crítica ao misturar a música clássica com a tradicional cabo-verdiana. Apesar do talento, só aos 47 anos – depois de ter sido mãe de trigémeos e gémeos – gravou o seu primeiro e único disco: Rapsódia Tututa & Taninho (1966). As músicas que gravou foram reeditadas pelos maiores nomes da música de Cabo Verde, como Cesária Évora, Bana, Humbertona e a sua filha Magda Évora. Falecida em 2014, com 95 anos, a vida e obra de Dona Tututa – cujo nome de registo é Epifânia de Freitas Silva Ramos Évora -, foi homenageada ainda enquanto viva. O seu nome foi atribuído à Escola Municipal de Artes do Sal e o realizador João Alves da Veiga retratou a sua história no documentário biográfico Dona Tututa. Em 2019, Lourdes Pereira (conhecida como MiIu) lançou um livro com as recolhas que efetuou e organizou com as partituras e letras de 18 composições da mãe.

Nina da Hora – Cientista – Brasil

Nina da Hora é uma “cientista em construção e uma hacker antirracista”, como a mesma se autodenomina. Brasileira, de 27 anos, Nina é cientista da computação e trabalha para garantir que o nosso mundo digital e da robótica é seguro e justo e nas questões da inteligência artificial. Ela testa e treina algoritmos com o propósito de estes não reproduzirem “comportamentos” enviesados, sobretudo pelo racismo. Além disso, produz o podcast Ogunhê, onde fala sobre esse universo e dá a conhecer outros afrodescendentes que trabalham na mesma área. Um dos seus objetivos principais é criar caminho para outras mulheres negras sentirem que a tecnologia é um mundo onde também pertencem.

Paulina Chiziane – Escritora – Moçambique

Paulina Chiziane é um dos nomes da literatura em Português mais aclamados a nível global. A escritora moçambicana escreve sobretudo sobre o universo feminino e uma das suas citações mais populares sobre a sua obra é: “Dizem que sou romancista e que fui a primeira mulher moçambicana a escrever um romance, mas eu afirmo: sou contadora de estórias e não romancista. Escrevo livros com muitas estórias, estórias grandes e pequenas. Inspiro-me nos contos à volta da fogueira, minha primeira escola de arte.”

Filha de um anticolonialista, Chiziane nasceu em Manjacaze, Moçambique, em 1955. O seu livro mais conhecido é o romance Niketche: uma história de poligamia (2022), com o qual venceu o prémio José Craveirinha, da Associação dos Escritores Moçambicanos, em 2003. O romance passa a clara mensagem de união, que sendo “mais amigas , mais solidárias” é a melhor via lutar uma batalha comum de independência e de amor justo e leal. 

Em 2014, foi agraciada pelo Estado português com o grau de Grande Oficial da Ordem Infante D. Henrique. Em 2021, recebeu o mais prestigiado galardão das letras lusófonas, o Prémio Camões.

Rosetta Tharpe – Artista fundadora do Rock n’Roll – EUA

O Rock n’Roll não tem pai. Tem mãe e é uma mulher negra. Nos anos 30 e 40 do século passado, Rosetta Tharpe aventurou-se numa época onde a segregação imperava nos EUA e as mulheres, sobretudo as negras, não tocavam guitarra e menos ainda a solo. Excepto Tharpe. Através da sua popularidade no gospel, foi uma das primeiras grandes artistas – entre homens e mulheres – da música soul e percursora da “guitarra do rock’n’roll”. Em 1944, foi a primeira artista gospel no top 10 da Billboard. Com a sua capacidade inventiva e autenticidade, Tharpe mesclou a música gospel com a guitarra elétrica, dando vida ao que hoje chamamos de rock’n’roll. Tornou-se numa referência para grandes nomes do género musical como Chuck Berry, Muddy Waters, e Elvis Presley. Entre algumas homenagens que recebeu nas músicas de diferentes intérpretes, Robert Plant, vocalista dos Led Zeppelin, dedicou-lhe o tema: “Sister Rosetta Goes Before Us” (A Sister Rosetta apareceu antes de nós, numa tradução literal para português).

Tereza de Benguela – Líder Quilombola – Brasil

A História quis apagar o nome Tereza de Benguela mas, sobretudo devido ao cada vez maior levantamento do feminismo negro, a biografia da rainha do Quilombo do Piolho, no século 18, persiste e resiste na memória da sua descendência. Líder do quilombo, depois do assassinato do marido, José Piolho, por soldados do Estado, Tereza coordenou a defesa e o desenvolvimento social da sua comunidade, através de um parlamento. Tereza liderou a estrutura política, económica e administrativa do quilombo, mantendo um sistema de defesa com armas trocadas com os brancos ou roubadas das vilas próximas. O título popular de Rainha Tereza surgiu por aparecer frequentemente ao leme de embarcações pelos rios do pantanal acima. O quilombo resistiu até por volta de 1770, altura da sua morte, cujas versões apontam o suicídio por ter sido capturada e ou assassinato ordenado pela capitania do Mato Grosso. No Brasil, dia 25 de julho é oficialmente assinalado como o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra.

Amabélia Rodrigues – Epidimiologista – Guiné Bissau

Grande parte da vida e percurso profissional de Amabélia Rodrigues foi e continua a ser em prol da ciência. Epidemiologista de referência na Guiné Bissau, como no universo lusófono, Amabélia Rodrigues é licenciada em Saúde Pública. Foi do pai que herdou o amor pelos livros. No seu percurso escolar, por diversas vezes era citada no quadro de honra. Em 1993, um ano depois de ingressar no universo profissional da medicina, começou a estudar os dados sobre a SIDA na Guiné-Bissau. Nessa mesma altura, recusou-se a apenas acatar as recomendações da Organização Mundial de Saúde sobre os procedimentos a adoptar para prevenir e tratar a cólera, que fustigava o país, e decidiu, juntamente com o Projecto de Saúde Bandim, começar a investigar os fatores de transmissão específicos na sua terra natal, que poderiam precisar de uma resposta adaptada. Em 2020, a epidemiologista liderou na Guiné-Bissau, e em conjunto com outras instâncias lusófonas e a Universidade do Sul da Dinamarca, um projeto de investigação na área da resposta à pandemia COVID-19, onde se procurava observar se a vacina do bacilo Calmette-Guérin (BCG) contribui para diminuir a incidência ou a severidade dos casos de coronavirus.

Dona Simoa Godinho – Aristocrata do século XVI – São Tomé

Apesar de escravocrata, a história da aristocrata quinhentista Simoa Godinho mal passa nas entrelinhas da História. Num universo muito reduzido de africanos livres na Europa do século XVI, o seu nome está retratado em parcos parágrafos da História lusófona como uma proprietária de fazendas em São Tomé e benemérita da Misericórdia de Lisboa. Cinco anos depois da sua morte, nas memórias de viagem do alemão Jakob Cuelvis à Península Ibérica, em 1599 e 1600, Dona Simoa é descrita como uma mestiça “fidalga, mulher nobre negra, muito rica, natural da ilha de São Tomé”. A aristocrata mandou erguer a capela da igreja da Misericórdia lisboeta. Através do seu testamento é possível atestar que Simoa herdou dos avós e dos pais avultados bens, pertencentes à família há várias gerações (entroncada numa provável relação entre um português e uma natural de São Tomé – não estando documentada a natureza dessa relação). A sua abastada fortuna, alimentada pelo trabalho de pessoas escravizadas na sua terra natal, sobretudo na produção e exportação de açúcar, permitiu-lhe registar em seu nome várias propriedades imobiliárias de prestígio em Lisboa e arredores. Ali, ficou também conhecida pelo seu filantrópico, através de inúmeras obras de solidariedade, nomeadamente junto da Misericórdia e sua influência na sociedade lisboeta da época.

Maria de Nazaré Ceita – Historiadora e Antropóloga – São Tomé

Maria de Nazaré Ceita é doutorada em Desenvolvimento Socioeconómico, Mestre em História de África e especialista em Etnografia e Antropologia. O seu trabalho como investigadora e ativista social tem-se focado sobretudo num compromisso pessoal em documentar e retratar a história do seu país, com especial realce no papel desempenhado pelas mulheres ao longo do tempo. “De serviçais a funcionárias rurais: Estudo sobre a Participação e Trabalho femininos na economia agrícola santomense nos anos de 1950 a 1999” foi o título da sua tese de doutoramento e a sua dissertação de mestrado resultou na publicação do livro “A Curadoria Geral dos Serviçais e Colonos (S. Tomé e Príncipe 1875/1926)”, pela Editorial Novembro. Nazaré Ceita ocupou, entre outros, os cargos de Diretora Geral da Cultura (1995-2010), Diretora da Biblioteca Nacional (2010-2014), membro do Conselho de Administração da Escola do Património Africano de Porto Novo/Benim (2007-2009) e foi Consultora da UNESCO para a salvaguarda do Património Imaterial nos PALOP.

Relembramos-te que podes ouvir os nossos podcasts através da Apple Podcasts e Spotify e as entrevistas vídeo estão disponíveis no nosso canal de YouTube.

Para sugerir correções ou assuntos que gostarias de ler, ver ou ouvir na BANTUMEN, envia-nos um email para [email protected].

Recomendações

Procurar
Close this search box.

OUTROS

Um espaço plural, onde experimentamos o  potencial da angolanidade.

Toda a actualidade sobre Comunicação, Publicidade, Empreendedorismo e o Impacto das marcas da Lusofonia.

MAIS POPULARES