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A liberdade segundo o “jazz rap” de Jonathan Ferr

Jonathan Ferr © Renan Oliveira
Jonathan Ferr © Renan Oliveira

“Na verdade, o que é liberdade?”, pergunta Jonathan Ferr. Antes que eu responda, ele já adianta que a resposta não é simples. “Tem vários significados, porque existe liberdade a partir da lógica filosófica, a partir do direito, a partir da ciência, a partir da percepção pessoal de cada um, de como ela se vê. A gente pensa muito em liberdade para fora, né!?”

Depois de três canecas de café para aliviar a ansiedade da chegada do seu terceiro álbum, “Liberdade”, nas primeiras horas do dia 27 de janeiro, o pianista explica qual é o conceito desse substantivo feminino que ele pretende compartilhar através do seu jazz. Diferente dos anteriores, “Trilogia do Amor” e “Cura”, este faz um mergulho profundo no rap e reflete o estado de libertação que o artista se permitiu atingir. Fez sua movimentação, porque na visão dele “quem não se movimenta, não percebe as correntes que o aprisionam”.

A partir de anotações, conversas e diálogos consigo mesmo, potencializados pela Ayohasca, hoje uma de suas medicinas, Ferr teve revelações e insights. Assim, iniciou uma busca espiritual por algo que ainda não sabia exatamente o que era. Só queria entender quais seriam as perspectivas com as coisas que o atravessavam naquele momento.

📷: Renan Oliveira

“Aprendi ouvindo as músicas que a liberdade é pra dentro. Eu me emancipo por dentro, porque se eu não estiver livre dentro eu não tenho liberdade pra fora”, observa. “Talvez o cara que está numa prisão seja mais livre do que alguém que está pegando voo toda hora, andando pra lá e pra cá, fazendo um monte de coisa. Uma filosofia iorubá que eu aprendi nesse processo diz que você flui como a água e acende o seu sol para brilhar para o outro e brilhar para si mesmo. Acho que essa obra nasce com um Jonathan diferente artisticamente. Nasce um novo Jonathan para o mundo e pra mim também. Me sinto parindo-me”.

“Quem não se movimenta, não percebe as correntes que o aprisionam”

Jonathan Ferr

Nesse processo de emancipação, o músico experimentou outras possibilidades, que vão além das teclas do piano. Cantou e tocou todos os instrumentos que acompanham os samples feitos por diversos beatmakers. Tudo isso representa mais um passo na evolução artística dele, porque explicita elementos explorados anteriormente, mas que estavam em segundo plano. Esse é o caso do próprio rap, o R&B e o eletrônico, que apesar de servirem como referências não se fazem tão presentes em toda a estrutura. 

Agora, o jazz serve de guia e essas outras texturas são as condutoras. Isso já acontecia nos palcos, porém havia a necessidade de expandir ainda mais o alcance. Jonathan também tinha o desejo de tornar mais “visível” o quanto o hip hop o libertou, o fez descobrir-se como homem preto, dando consciência política de quem é e como se movimenta e se posiciona nas coisas que acontecem na sociedade.

📷: Renan Oliveira

“Sempre falo que faço música para mim, não faço música para os outros. Eu faço música para eu me conectar e se as pessoas se conectam fico super feliz, obviamente. Eu quero que as pessoas se conectem porque alegra o nosso espírito”, observa. “O hip hop sempre esteve comigo. O jazz veio junto, trazendo a libertação artística num lugar de solo, de harmônica, de pensar outras coisas fora da caixinha. E quando eu falo de hip hop eu falo de cultura”.

Para executar suas ideias, Jonathan Ferr foi morar por três meses em São Paulo. A vivência fora do seu quintal, o Rio de Janeiro, contribuiu muito para as experimentações. Na capital econômica do Brasil, ele se juntou a pessoas que foram essenciais para colocar em prática o que ele tinha em mente. “Eu falo que esse projeto tem uma magia muito pesada, a minha maior magia, porque consegui juntar pessoas que são incríveis que tem um processo espiritualista muito alinhado com os meus pensamentos”, afirma.

Dos vários convites que fez, alguns não se concretizaram. Mas os que entraram, tiveram um papel primordial na forma em que o disco foi construído. Esse foi o caso de Luedji Luna, Kaê Guanabara, Stefanie, Rashid, ÀVUÀ, Coruja BC1, Zudzilla, Lossio, Jesuton, Melly, Luna Falcão, Tássia Reis. Foram dessas conexões que as composições nasceram instintivamente, de um jeito fluido, como a água.

 “Não quero ser conhecido por ser um  jazzista de 30 notas por segundo, quero ser conhecido por ser um músico que conecta”

Jonathan Ferr

“Se tem algo mais livre do que a água eu não sei o que é, porque ela passa por qualquer lugar, nada impede a água de passar nem barreiras”, ressalta. “Então, isso é muito bonito e é o que eu trouxe nesse álbum pra poder com essa turma toda trazer o HIP HOP a outro estado, porque hoje o rap está falando muito do dinheiro , de status, de poder e eu queria falar de uma outra coisa. Queria falar de filosofia, buscando um outro caminho de discurso que pra mim fazia sentido, usando essa mesma ferramenta”.

Democratização do jazz no Brasil

O jazz no Brasil virou algo elitista. Isso fez com que o gênero se afastasse das ruas e ganhasse status de classista. Para mudar essa realidade, Jonathan Ferr tem sido um dos linha de frente dessa batalha diária para quebrar uma barreira criada por quem se diz entendido, mas que na realidade não entende nada. Porém, usa o jazz para validar a sua posição cultural na sociedade.

“Conversando uma vez com um crítico, ele falou que o jazz se elitizou, porém a elite não consome jazz. Eu saí de Madureira, bairro da Zona Norte, Subúrbio do Rio, e ia para o Leblon, na Zona Sul, parte nobre da cidade, para poder assistir e ouvir jazz. E sempre me questionei sobre essa coisa de não ter acesso a isso. Porque não pode ter um jazz em Madureira? E sentia que o discurso estava sempre nesse lugar de que as pessoas não entenderiam, não gostariam. Então, o meu processo de querer democratizar essa música parte quase como uma missão de querer levar para os meus amigos mesmo, que quando eu falava de jazz me diziam que era música de elitista”. 

É por isso que Jonathan tem intitulado o seu trabalho como urban jazz, uma forma para se diferenciar e entrar em lugares que de outro jeito não conseguiria entrar. Também serve como afirmação em outro lugar que é mais potente e abundante. Até mesmo de poder falar: “isso aqui existe, mas eu sou um artista preto que toca um jazz preto, por mais redundante que isso seja, e esse jazz é contemporâneo, é atual, ele conversa com o funk, com o eletrônico, com rap””.

Com Liberdade, ele chega a esse lugar que tanto buscava. Não com a intenção de afirmar que sua música é a melhor. Mas para colocar em prática suas vivências e aprendizados adquiridos ouvindo Racionais MC’s e MV Bill, e convivendo com rappers e produtores de beats. “Estou em outros lugares que esses caras não estão vendo, que é de onde eu bebo da minha arte. Onde aprendo, troco ideias, contemporâneo as coisas que estou pensando e ouvindo”, diz Jonathan

Ele diz que anda pensando como seria John Coltrane e Miles Davis em 2023, e o que eles estariam fazendo. Talvez usariam boné aba reta, óculos de cria e o som seria totalmente diferente daquele que os consagraram. Por isso, sempre corre atrás do contemporâneo, do novo, porque sente que está, de alguma maneira, rejuvenescendo um estilo com mais de 100 anos e criando diálogo com os mais novos. “Não quero ser conhecido por ser um jazzista de 30 notas por segundo, quero ser conhecido por ser um músico que conecta”, enfatiza. “Tinha um professor que falava uma coisa muito interessante: quando o Miles Davis dava duas notas, todo mundo sabia que era ele tocando. Esse caminho, eu acho que é um lugar de auto encontro muito interessante”.

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