Paulo Piedade é um cabo-verdiano nascido e criado em Portugal. O design levou-o até Londres, onde viveu e trabalhou durante alguns anos, como Picture Framer, mas foi a cutelaria que o trouxe de volta à base.
Apesar de não ter uma explicação exacta de como foi parar a essa arte milenar, Paulo desde sempre revelou ter pouca propensão para ficar sentado a uma secretária, das 9h às 5h. O que realmente o move e dá-lhe vontade de se levantar da cama todos os dias é chegar ao seu atelier no Parque Empresarial Baía do Tejo, no Barreiro e onde o artista Vhils também está instalado. É ali que, todos os dias, desde as primeiras horas da manhã, as suas mãos manuseiam os materiais e a maquinaria de que precisa para criar facas e cutelos.
Fâca pa txeu kuznher’s, lemos na biografia do seu Instagram e que, traduzido do crioulo, significa facas para todos/as cozinheiros/as. Para chefs ou amadores, cada utensílio desenvolvido na Afiôd é feito com a mesma atenção ao detalhe, qualidade e, sobretudo, paixão.
O gosto de trabalhar as coisas com as mãos foi-lhe passado pelo pai, cozinheiro de navios cargueiros nos Países Baixos e que, nas horas vagas, “trocava a cozinha por uma oficina improvisada para, reparar e construir coisas”.

Numa das folhas de papel, trabalhadas a serigrafia, que Paulo desenvolveu para embalar uma das suas criações sobejamente afiadas, lemos o resto da história da família: “Enquanto ele [o pai] afiava as suas facas ou cortava e montava pedaços de madeira, como se fossem peças de um puzzle, eu observava-o. O tempo parava. O cheiro a construção fundia-se na sala com o da cachupa que avançava da cozinha. A minha mãe cozinhava-a com
detalhados gestos de amor, pronta a partilhar o prato e a casa
com o mundo. Foi o que me levou a desenhar facas, a forjar o aço,
a desbastar a madeira e tentar dar forma a uma história que é nossa, num objeto único.”
Essa ligação com a família e as raizes estão expostas em tudo o que Paulo faz. Seja numa conversa – onde quase tudo serve de ponte para uma viagem às suas recordações – seja na forma como comunica a Afiôd. Começa pelo nome, que significa afiado em crioulo, e estende-se a tudo o resto. No site da marca e nas redes sociais anexas, tudo está escrito em crioulo e algumas partes são traduzidas para português e inglês. E não é por ter optado por comunicar numa língua não ocidental que o seu negócio corre menos bem. A prova são os vários contactos para parcerias e encomendas internacionais que vai recebendo. No final do ano passado criou a coleção Rebencada 5, em parceria com os artistas Mariana Margarida Malhão e Scúru Fitchádu. Atualmente, está a desenvolver novas peças para Tunde Wey, um chef nigeriano que usa a gastronomia do seu país como ferramenta para questionar o colonialismo, capitalismo e racismo.
Quando tudo o que faz na Afiôd parece ser detalhadamente arquitetado, o futuro só o acaso determinará. Questionado sobre onde quer levar a sua marca, Paulo Piedade diz apenas: “Eu quero é vir para aqui todos os dias de manhã”, o resto, o tempo dirá.
A julgar pela forma como inculca história, cultura, luta e resistência em cada peça que trabalha, arriscamos-nos a dizer que a Afiôd terá um futuro auspicioso no mundo do empreendedorismo, do Barreiro para o resto do mundo.
Vanessa Sanches
Escrevo aqui e ali. Gosto de estórias que marcam histórias. Sou de Portugal, com veia cabo-verdiana, dois pés em Angola e coração em França. Africanidade, estilos de vida e música são os temas que me prendem a atenção, mas gosto de me distrair com politiquices e bizarrices.