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O óbvio ainda precisa ser dito

Padrão dos Descobrimentos em Belém, Portugal | ©Portuguese Gravity

Quando cheguei a Lisboa, em 2017, participei de uma visita guiada pela exposição Racismo e Cidadania, no Padrão dos Descobrimentos, com curadoria científica e investigação de Francisco Bethencourt. Em seu artigo que leva o título da exposição, ele afirma: “A exposição sugere uma reflexão, com base em imagens, sobre a tensão entre racismo e cidadania que caracterizou a expansão portuguesa no mundo do século XV ao século XX.”

No fim da visita abriram para questões do público e eu, recém-chegada do Rio de Janeiro para ingressar no mestrado em Cultura e Comunicação, perguntei se alguém dos grupos ali retratados (judeus, muçulmanos, asiáticos, indianos e, claro, pretos ou africanos) fazia parte da equipe de curadoria, comunicação, investigação ou teria colaborado de alguma forma na organização da exposição. Entre um silêncio constrangedor, olhares de desconfiança e raiva, uma das participantes retrucou: “Eu sou branca e angolana e os brasileiros como você têm que parar com essa ideia de que apenas os pretos podem falar sobre racismo.” Aos berros, ela foi convidada a retirar-se, mas as suas palavras, assim como muitas das imagens apresentadas na exposição, reverberaram em minha mente por muito tempo.

Estando na Década Internacional de Povos Afrodescendentes (2015-2024), determinada em 2011 pela Organização das Nações Unidas, proclamada através da resolução 68/237e suportada pelos pilares reconhecimento, justiça e desenvolvimento, a colocação da participante reforça a ideia de que precisamos de mais vozes para comunicar novos pontos de vista e realidades. Alguns dos propósitos da ONU são “destacar a importante contribuição dada pelas e pelos afrodescendentes para nossas sociedades e propor medidas concretas para promover a sua plena inclusão, o combate ao racismo, à discriminação racial, à xenofobia e à intolerância”.

Venho de um país com mais da metade da população afrodescendente que, desde os anos 1970, celebra o Dia da Consciência Negra e busca a passos curtos reconstruir a história dos povos diaspóricos em solo brasileiro. O 20 de novembro marca o dia da morte do líder Zumbi, que lutou pela liberdade dos escravizados do Quilombo dos Palmares, em Alagoas. Em 2011 foi promulgada a lei federal 12.519/ 2011, que oficializa o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, mas desde 2003 que a data passou a integrar os calendários escolares e a exigir o ensino da cultura afro brasileira, através da Lei 10.639, bem como mudanças estruturais na disciplina de História.

Mais do que uma data comemorativa, o Dia da Consciência Negra, no Brasil, reivindica espaço, reconhecimento, apresentação de novas perspetivas sobre a chegada e permanência de povos africanos e a valorização das práticas culturais destes grupos que resistem até à contemporaneidade. Este movimento de celebração da cultura africana não se restringe a países como Brasil ou Estados Unidos, pois como África do Sul, Anguilla, Argentina, Barbados, Bolívia, Canadá, Colômbia, Chile, Jamaica e Trinidad e Tobago, muitos outros também pretendem preservar ou recuperar memórias.

Além da recuperação da memória e celebração de datas, é preciso que haja ações efetivas, políticas públicas e mudanças de paradigmas para que alcancemos a igualdade, porque apesar dos avanços já feitos, o óbvio ainda tem que ser dito.

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