“Quando me vires, pergunta de onde sou local. Eu não represento uma nação”. Estas palavras foram expressas por Taiye Selasi, aquando do seu TedTalk na plataforma digital Youtube. Frases essas que são cada vez mais atuais e expressam uma necessidade urgente de estar mais aberto às diferenças culturais da alteridade, que é aquele que difere de nós. Cada vez mais precisamos de ter mais empatia e menos preconceitos relativamente àquilo que julgamos saber sobre o outro que nos rodeia.
Ao se ter interesse pela origem do outro, é erróneo fazer uso de características idiossincráticas desse alguém para justificarmos juízos preconceituosos que possamos ter. Nos dias que correm, é cada vez mais comum conhecer pessoas que passaram por situações em que a ascendência é colocada em questionamento para que certas ideias pré-concebidas sejam corroboradas. Ao falar de pessoas, o grupo restringe-se principalmente àqueles que, pelas suas características físicas, pelas suas componentes genéticas, são logo ligadas e associadas a uma dada região geográfica, designadamente à sua terra. Mas o que é isso de pertencer a um dado lugar ou nação? Será que uma pessoa é realmente representativa de uma unidade social e política, como um país? Claro está que cargos políticos e relações diplomáticas não estão aqui postos em causa. Acontece que identidades não são algo estático, fixo e relativo exclusivamente a um cartão de cidadão que relaciona uma dada pessoa a uma dada região geográfica específica. As pessoas cada vez mais têm múltiplas heranças identitárias, tal como defendeu Achille Mbembe, diretamente relacionadas com o aumento dos fluxos inter-locais e do aumento das conexões, reais ou virtuais, a que vamos todos tendo acesso.
Ter um cartão de identificação logo à nascença cria no bebé necessariamente um sentimento de pertença a alguma dada região do mundo? No meu caso concreto, nasci e cresci em São Tomé e Príncipe durante os primeiros anos da minha vida. Depois, por questões de força maior, passei a residir em Portugal. Li diversos livros com os quais me identifiquei. Viajei através da imaginação, como fisicamente pelo que tive e ainda tenho acesso a uma grande panóplia de culturas outras com as quais continuo a identificar-me. Que identidade realmente é a minha? Assim como eu, várias pessoas estão em constante mudança, contactando cada vez mais com outras localidades que passam também a ser as suas, bem como a tudo a que isso diz respeito social e culturalmente falando: música, cinema, literatura, gastronomia, arquitetura… Eu sou o lugar onde nasceram os meus pais? Seremos nós o lugar onde nasceram os nossos avós ou até outros familiares com origens nos mais diversos locais que possamos imaginar?
Facto é que, cada vez mais, identidade é algo plural, conectado, complexo e de difícil explicação. Podemos ser mormente o nosso local de nascença, tendo-o como a nossa identidade. Assim como podemos ser todos os locais com os quais vamos tendo contacto ao longo da nossa vida. Portanto, e tal como afirmado por Mia Couto aquando de uma conferência de escritores em 2016, “cada homem é uma raça”, na medida em que em cada um nós reside uma tamanha complexidade que vai além dos preconceitos daquele que meramente nos possa ver pelas componentes físicas do nosso ser.
“Quando me vires, pergunta de onde sou local. Eu não represento uma nação”. Estas palavras foram expressas por Taiye Selasi, aquando do seu TedTalk na plataforma digital Youtube.
[Mbembe, Achille. 2015. Afropolitanismo. Áskesis. Tradução de Cleber Daniel Lambert da Silva
Taiye Selasi: Don’t ask where I’m from, ask where I’m a local | TED – YouTube]
Arimilde Soares
Arimilde Sofia Soares. Nasceu em Água Grande, São Tomé e Príncipe e reside em Portugal. Licenciada pela faculdade de Letras da Universidade de Lisboa em Estudos Africanos e mestranda em História de África pela mesma instituição. Com interesse em diversos tópicos relacionados com comunidades africanas nas diásporas, discursos, história, literaturas, racismo, desconstrução do pensamento e discriminação.