Durante o tempo que vivi e trabalhei em Angola andei sempre ao lado do trabalho da Geração 80. Mesmo cruzando-nos pelos mesmos caminhos, o ritmo da cidade de Luanda e do próprio país não nos deixa parar para observar.
Ainda fui a tempo.
“Para Além dos Meus Passos” ensinou-me do princípio ao fim. Escolhido como filme de estreia do festival, conta a história da resiliência e da dificuldade com que Ana Clara Guerra Marques mantém a Companhia de Dança Contemporânea de Angola e, ao mesmo tempo, a forma como a tradição, a cultura, a memória e a nossa identidade são adaptadas aos nossos tempos.
Pelo olhar de Kamy Lara e a criação da coreógrafa Mónica Anapaz, colei o meu foco em três dos cinco bailarinos desta narrativa. Os irmãos Curti.
Vindos de Cabinda, Benjamim, Daniel e Samuel causaram-me alguns questionamentos. Ao longo da sua história como dançarinos profissionais há um denominador comum além do sangue. Só querem dançar e é incrível a sua entrega. Sente-se que saíram da província mais a norte de Angola com aquele sonho e nem a cadeira de rodas de um deles os fez desistir.
É lindo ver como se vão desenvolvendo e aprimorando as técnicas ancestrais de outras províncias e fazendo de Angola uma só, através da dança com alma. Nem sempre foi assim.
Neste caminho, fui conhecendo o amor destes irmãos pela família, as dificuldades de adaptação a uma cidade tão corrida, a fé através da igreja, mas faltou-me um detalhe. A língua local. Onde estão as línguas locais em Angola e o orgulho de as falar? Essa identidade parece que foi perdida ao longo dos anos com o êxodo para a cidade e nunca é questionada.
A minha avó materna é do Huambo e, até partir, em 2019 aos 94 anos, falava Umbundo com a minha bisavó. Chegaram a Portugal no início dos anos 60, mas nunca perderam a sua identidade. Não nos ensinaram, mas já me prometi que vou aprender!
O meu pai é moçambicano e fala changana que é a língua do sul de Moçambique. Ainda arrasto umas frases dos dez anos que lá vivi e sinto que comunicar a nossa língua local é uma mais valia nos dias de hoje e a perpetuação da nossa identidade.
Mesmo com as novas narrativas que este documentário nos mostra e nos leva a refletir, a língua é a nossa bandeira.
Inspiro-me sempre em Nelson Mandela que sempre uniu a sua nação e nunca esqueceu o Xhosa, uma língua Bantu da província do Cabo Oriental da África do Sul, onde está Cape Town e a prisão onde esteve 27 anos.
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Magda Burity
Comunicadora nata, ativista e antiracista Magda Burity soube, desde cedo, que queria ser jornalista. Com carreira em Moçambique e Angola, é em Portugal que tem desenvolvido os mais recentes projetos dedicados ao Media Coach, digital e empreendedorismo. País onde nasceu e regressou há 4 anos depois de 15 anos em África.