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“A gente está reaprendendo a entender o que é amor”, Bebé

28 de Julho de 2024
A gente está reaprendendo a entender o que é amor, Bebé

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Bebé lembrou do texto que fiz em 2021 sobre ela e o seu auto-denominado álbum de estreia. Agradeceu pelas palavras. Apesar da pouca idade, naquele momento, a artista já tinha alguns anos de experiência musical. Disruptivo, aquele disco só reafirmou a potência e as possibilidades de onde ela poderia chegar. Mostrava também que Bebé não se limitava e nem queria se rotular, porque funde diversos elementos da música preta para criar algo único, diverso. É verdade que nem sempre as músicas vão pegar qualquer ouvido na primeira vez. Mas quando pega, impressiona. 


Três anos depois, a musicista, cantora e compositora volta ainda mais sagaz com “SALVE-SE”. Via Zoom, ela fala de todo o processo criativo e direcionamentos do projeto que expande seus horizontes e consolida o nome dela na música contemporânea brasileira, que não se limita apenas ao local. Diferente do anterior, esse caminha por universos distintos. É mais ousado na musicalidade e também na lírica, abordando assuntos relacionados ao amor de uma forma diferente do convencional.


"É um disco de 2024, e pelo momento que estou passando como adulta, o lance é esse", diz ela. "Mas também não é só sobre o amor, tem músicas que parecem que é, mas na verdade é uma alfinetada sobre a indústria ou coisas mais políticas, de pessoas ao nosso redor mal intencionadas". 

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Bluay

Vamos falar sobre seu segundo álbum começando pelo título. Por que Salve-se?


O título veio antes do disco de uma brincadeira em relação ao meu sobrenome, Salvego, e eu também tenho meu projeto de DJ salvegod. Só que aí esse nome surgiu, e eu falei: "tá, vamos entender se o disco vai ter essa cara". E aí, conforme as letras foram surgindo... eu estava numa exposição à realidade da vida adulta também... muito corre, vim pra São Paulo... as letras surgiram em forma de refúgio, até como um sermão pra mim mesma. Assim, o nome acabou ficando.


Os seus trabalhos vêm dessa transição de adolescência e juventude para a vida adulta. Você precisou mudar a forma de fazer a sua arte para atingir um outro público ou só manteve o que já fazia?


Eu acho que eu continuei fazendo. A partir do momento que eu quis dar o primeiro passo com essa liberdade, eu sabia que no segundo eu poderia seguir da minha forma... e eu gosto muito desse lance de cada disco ter seu universo, mas ao mesmo tempo segui caminhando e tendo o pé no chão de como eu poderia alcançar um pouco mais as pessoas estrategicamente na comunicação, saindo do meu introspecto e botando as coisas pra fora. Mas acho que essa transição da adolescência para adulta foi interessante observar como eu estava aprendendo a me relacionar com o mundo lá fora, porque são muitas indignações que a gente passa, muitos conflitos, e como equilibrar isso dentro da saúde mental e dentro da minha música. Então, acho que o melhor refúgio foi escrever essas músicas e botar no papel... penso que a gente está num momento… não só eu com 20 anos, mas até pessoas mais velhas estão se reinventando e reaprendendo várias coisas em relação aos relacionamentos.


Justamente, por tudo isso, vem muitas cobranças também...


Tem muito essas cobranças, mas eu meio que ignoro um pouco isso, porque sempre vejo o que me satisfaz. Eu, particularmente, gosto de artistas que a cada álbum traz uma proposta diferente. E aí, eu sempre procuro estar com pessoas que me tirem dessa zona de conforto, porque sei que cada artista tem o seu vício, até na questão de melodia, de flow. Toda vez que ouço as minhas coisas, o meu motivo de coragem é tipo: 'tá, fizemos isso, mas vamos olhar de uma outra perspectiva? Vamos subverter e pesquisar de uma outra forma?' Talvez o que eu estou ouvindo está muito atrás de uma coisa que eu já ouvi. isso é muito interessante porque é bom pra mim, ao mesmo tempo que a gente se sente insegura, por estar meio sozinha... sei lá, se o terceiro disco vier um lance mais canção ou uma parada totalmente diferente, eu me sinto encorajada de fazer, sabe!?



Você geralmente sai do convencional. Obviamente que a indústria sempre vai querer te colocar numa caixa, porque tem que agradar determinados públicos e entrar em certas playlists e lugares, mas tanto no primeiro quanto nesse segundo disco (principalmente nesse), existe uma subversão, fazendo algo totalmente diferente do que tinha feito antes. De que forma trabalha a sua cabeça para pensar como o trabalho será entregue?


 Acho que o principal é ter o Sérgio Machado comigo nesses dois discos, porque a gente trabalha como uma dupla muito boa, e coproduzindo esse disco (principalmente) foi essencial pra mim crescer. A maioria dos fragmentos, samples e produção foram feitos a partir da minha intimidade dentro do software de criação, seja um beat, uma melodia ou uma nova subdivisão de beat. O legal é que o Sérgio olha pra isso e consegue organizar dentro desses universos que até parecem um pouco densos. Ele conseguiu organizar comigo de uma forma que, talvez, a gente conseguisse aliviar um pouco. O meu processo de guia é tudo muito caótico, muito triste... A "Assome", por exemplo, que é o single, a guia era um house arrastado, e eu lembro que o Sérgio falou: "Não, vamos botar pra pista". E é isso, eu consigo desapegar dessa forma, mas ao mesmo tempo é um lance natural. Minha relação com a música acontece desde pequena, e acho que mesmo tentando me aproximar um pouco mais do que é pop, sinto que as pessoas não me botam nessa caixa, sempre vão me botar na outra, sabe!? Isso é muito doido.


Vai ser sempre no alternativo... ah, ela faz uma parada diferente, é pop, mas não é, saí do tradicional, é caótico, é denso... como eu falei, o álbum cabe em diversos ambientes, mas geralmente as pessoas se assustam com o diferente. Elas primeiro vão ver qual é para depois mergulhar um pouco mais. 


Assim, com esse segundo disco eu sinto que está um pouco mais aberto porque acho que consolida um pouco mais o artista dependendo o que ele traz. Eu senti isso no primeiro, por várias questões (ser uma pessoa nova, estar lançando um disco novo), mas assim, é doido porque eu estou na estrada desde os 8 anos, então pra mim não é nada novo. Eu sinto sim essa barreira por N questões… por ser mulher, preta, tem tudo isso que nem preciso dizer. Mas eu sinto que nesse as pessoas estão digerindo um pouco mais. Também vejo que gostam muito do primeiro. Apesar dessas barreiras, a gente vai aos poucos, com muita coragem, furando essas bolhas.


A gente está reaprendendo a entender o que é amor, Bebé

credits

A gente está reaprendendo a entender o que é amor, Bebé

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Acho também que as pessoas vão digerindo, ouvem uma vez, dão um tempo, depois vão ouvir outras vezes pra pegar as mensagens. Porque às vezes você ouve uma coisa pela primeira vez, mas não bate. Aí, escuta novamente e aquilo te prende.


É isso, às vezes você não está com o ouvido pronto pra isso. Por exemplo, a primeira vez que ouvi Frank Ocean, eu não curti (risadas). E é isso também, de incentivar as pessoas a olhar um pouco mais para o nosso território. Tá todo mundo falando de lá fora, né!? E lá fora, a galera usa do mesmo método de coragem pra pesquisar mesmo, e eu acho que aqui o cenário acaba pegando muito o padrão de lá, sabe!? O Brasil bebe de muita coisa, mas não precisa deles pra fazer algo muito mais autêntico. 


A gente tem uma cultura vasta, que abraça vários lugares, mas muitas vezes deixamos de lado essas influências e culturas pra trazer o que é de fora, sendo que os gringos vem aqui e pega o que temos de melhor. Pegando esse gancho, o que você tem ouvido e ouviu quando estava produzindo o disco?


Eu lembro que na época que estava produzindo, eu ouvia muito (e estou sempre conectada) com Cassiano, mas ao mesmo tempo ouço Charles Mingus e depois vou (no mesmo dia) ouvir Slipmami, tá ligado!? Então, é meio que essa vibe de beber de várias fontes do Brasil. Também gosto total de Clube da Esquina... mas dentro do álbum que está um lance mais eletrônico, quando eu escuto sinto até resquícios (dentro da produção) de Egberto Gismonti, Flying Lotus ou de Esperanza Spalding. Tipo, coisas que eu sempre escuto... não são coisas que pontualmente pego um som e falo: 'quero um som parecido com aquilo'. É bastante coisa, por isso é um disco com muita informação, mas de uma forma minimalista.


As composições também foram feitas especificamente para o disco ou teve alguma solta que você encaixou?


Teve bastante coisas soltas, porque olhei para O que eu tinha de rascunho e enfiei no universo do disco. Ainda não fiz nenhum álbum que parei para produzir especificamente. E nesses dois/três anos que passaram depois do lançamento do primeiro, eu estava com muita sede de produzir. Aí, tudo que eu fazia, falava: 'estou fazendo pra nada agora, mas uma hora vou usar'. E o legal foi isso porque a gente teve a opção de escolher qual música iria. Teve música que não saiu e eu estou ansiosa pra lançar, mas tinha que entender qual realmente fazia parte do universo, e teve coisas que a gente adaptou. Tipo, "Eu Quero Viver", foi um desafio de colocar porque ela fazia muito sentido, mas era a música mais orgânica. Porém, a gente entendeu que fazia sentido também ter esse equilíbrio de de repente ter ela no final. 


Você acha que o disco precisa necessariamente ter um conceito, contando uma história, ou ele pode ter várias histórias?


Dentro desse disco tem várias histórias que na verdade são uma história, e às vezes até parece que eu estou falando sobre a mesma coisa. Mas eu mesma ainda não fiz um disco pensando numa história, e acho muito foda isso, tipo: pensar num universo e escrever só sobre aquilo. Acho que o maior desafio é também o lance de ter os pés no chão para organizar esteticamente e entender que tem que ter desapego. Às vezes a pré está muito massa, mas não faz sentido nenhum dentro do disco. Aí, temos que organizar pra que faça, sabe!? 


Chegou a abandonar alguns sons no meio do processo?


Abandonei um som que eu tocava no meu show, que era voz e guitarra, super emo e triste. Faz até parte do universo, mas queria fazer algo sem tristeza… chega. Se estou falando de tristeza aqui é dando um foda-se pra isso... tipo assim: 'estou passando por essa situação aqui, mas isso não vai me fazer baixar a cabeça não'. Tanto que um dos temas é enxergar o amor de uma outra forma. Então, em nenhum momento eu me declaro pra alguém. Expresso alguns sentimentos, mas de uma forma não dramática, como a gente está acostumada a ver o amor nessa forma romântica e monogâmica. É mais uma forma de espaçamento e livramento, de tipo: 'tu tem seu canto, eu tenho o meu e OK'.


Foge do campo tradicional do amor que a gente ouve em todas as músicas, que no final ou ficam super felizes ou tem aquela loucura por causa de uma traição...


Isso! É sempre num lugar muito... eu pensei sobre isso: 'é legal falar sobre o amor, está todo mundo falando, mas é sempre num lugar muito doentio às vezes. Então, eu queria trazer esse lance mais leve porque acho que a gente está reaprendendo a entender o que é amor também. É um disco de 2024, e pelo momento que estou passando como adulta, o lance é esse. Mas também não é só sobre o amor, tem músicas que parecem que é, mas na verdade é uma alfinetada sobre a indústria ou coisas mais políticas, de pessoas ao nosso redor mal intencionadas. 


Mais uma vez você faz uma parceria com o BK. A sua no disco dele é incrível e agora ele participa do seu… e tem um feat com o Dinho Machado (Boogarins) também.


Foi tão prazeroso... porque a gente já estava muito amigo, eu sempre participando no show dele e já queria fazer algo. Mas foi ele que sempre me incentivou. E o que é legal é que ele entrou no universo do som... é legal quando você vê que o feat compra a ideia. Ele cantou mesmo e até imagino que o que ele fala nem é comigo, é a perspectiva da história dele. Foi super natural, não foi estratégico... e eu lembro que essa música, quando eu vi que a letra tinha conexão com duas letras dele, tipo: "eu liguei pra te falar, estou chamando pra me despedir de você com todos os planos". Em relação ao Dinho, ele me mandou uma DM dizendo que a galera estava cobrando um feat, e depois me mandou uma letra que era "Recado Dado". E ele falou: 'termina aí'. Terminei, ele curtiu e falou: 'não vou fazer nada com isso não, se quiser pode usar'. Falei: 'Oloco'. Aí, não tinha como porque ela super entrava no universo do disco.


Não trazer mais feats também foi uma decisão?


Eu tinha alguns nomes em mente, mas não rolou por conta do prazo. Eu estava disposta de lançar o mais rápido possível porque eu tenho um pouco esse lance de ser um pouco perfeccionista. Se eu pudesse nem lançava agora (risadas), mas olhei e falei: 'tá ótimo'. Queria mais, mas essas duas pessoas já se conectam com os dois universos que rolam no disco.

Você é daquelas que fecha o disco, entrega e não ouve mais até sair?


Com certeza. Sou muito dessas, mas também com esse disco aprendi a me desapegar. Tem coisas que até abri mão...


Vai daquela coisa do disco ser um filho e ter que ser tratado com carinho...


É uma responsa também porque vai ficar pra sempre.


Mas depois de lançado, você coloca pra tocar? Porque tem artista que também nunca mais ouve.


Eu super ouço e gosto muito porque ouço com outro ouvido, principalmente depois dos feedbacks das pessoas, dá um alívio. Também ouço pra estudar, porque vou começar a fazer show, vou cantar muito as músicas, então preciso estar dentro desse universo.


Além de musicista, cantora, você também é DJ. De que forma você alinha essas duas personas?


Pra mim o trampo de DJ é um lance mais leve e que alimenta mais o meu repertório de pesquisa, uma vez que eu falo que meu set não são feitos para pista, alguns momentos sim (quando eu quero), porque é mais um momento de imersão e pesquisa do que e com que eu posso mesclar com várias coisas... então, o meu set vai do spiritual jazz à música brasileira e eletrônica. A Bebé tem um lance da imagem, da voz da comunicação e a salvegod tem muito mais um lance de tiração de onda mesmo, no sentido de ficar ali na minha imersão e deixar a galera viajar. É mais de experimentação mesmo. Mas isso agrega porque me faz estudar cada vez mais sobre áudio, máquinas e o que eu posso aprimorar. 


Conversando com alguns amigos concluímos que DJ bom é aquele que toca música que a gente não conhece e tenta descobrir pelo Chazan ou perguntando pra algum. Obviamente, tem o momento dos hits, mas o papel do DJ é também trazer coisas novas...


.. é ampliar o repertório da galera


Se você vai para o rolê na intenção de ouvir o que você gosta é melhor ficar em casa e ouvir na playlist...


... sim, e tem o lance... e não botando muita pressão no ofício de DJ. Mas acho que tem a curadoria que é tão importante da gente ter responsabilidade. Por mais que o público não esteja acostumado e queira sempre ouvir o que conhece, acho que o lance é cada vez mais sair disso para esquentar o repertório de geral. Eu mesma às vezes fico ouvindo um mês o mesmo disco. Tem o vício, mas tem essa coisa de educar os ouvidos, o que é tão importante ter pessoas fazendo.


Fazendo uma conexão de curadoria musical com a internet, você acompanha as trends do Tik Tok e Instagram para ver o que a galera está curtindo?


Uso pontualmente o Tik Tok porque agora estou me organizando. Mas eu uso pra ficar ligada do que está rolando, porque também atinge uma galera da minha idade. É maneiro, mas não tenho aquela intimidade.


Tem que ter paciência também...


Às vezes dá uma saturada, o negócio come a mente (risadas).

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