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Criada no gueto, Adriana Araújo passou a infância, a adolescência e parte da vida adulta no aglomerado Pedreira Prado Lopes, a mais antiga favela de Belo Horizonte. “Era uma vida difícil, com muitas restrições, mas eu sempre gostei, de forma instintiva, das artes”, contou Adriana, que, aos 18 anos, fez dança afro com a saudosa Marlene Silva. A bailarina, coreógrafa, pesquisadora e professora mineira foi uma referência para várias gerações de artistas negros da cidade.
Aos 23 anos, ela cursou teatro e, mais tarde, fez aulas de canto. Infelizmente, como precisava trabalhar num supermercado, a rotina cansativa levou-a a desistir de cantar. “Alguns anos depois, o desejo de cantar voltou com tamanha força que procurei aulas de técnica vocal com o coach vocal Anthonio Marra. Foi ele quem me fez entender, aceitar e aprimorar a minha voz. Sou eternamente grata a Deus e a ele, Anthonio”, relembrou a cantora.
Adriana revela algumas das referências musicais que a influenciaram: “Dona Ivone Lara, Alcione, Beth Carvalho, Fundo de Quintal, Zeca Pagodinho, Só Pra Contrariar, Jorge Aragão, Grupo Raça, Eliana de Lima… São nomes conhecidos nacionalmente. Mas também existem referências regionais – Minas Gerais é um celeiro do samba – que sempre estiveram mais próximas de mim, como Dona Jandira e Dona Elisa. São mulheres fortes em quem me espelho”, afirmou ela.
O racismo e o preconceito estiveram sempre presentes. Infelizmente. “Comecei profissionalmente em 2009, como se diz no mineirês – linguagem típica de Minas Gerais – ‘comendo pelas beiradas’, sorrateiramente, fazendo coro numa banda onde tocava o meu então namorado e hoje marido, até me aceitarem como integrante da banda. Para isso acontecer, foi muito difícil”, lembrou Adriana.
“Falar da minha trajetória emociona-me. Foi difícil, com muitas restrições, dores e humilhações, mas também com muitas alegrias, apoio e companheirismo. O maior desafio foi ouvir palavras duras e desanimadoras que poderiam ter minado os meus sonhos. A maior conquista é diária: não desistir. Ser mulher, preta, retinta e periférica não foi e não é fácil. As dificuldades existem e sempre existirão, mas tenho Deus e os meus para me darem forças e apoio nesta árdua caminhada”, completou Adriana.
Com orgulho, ela fala sobre o seu CD, que leva um nome forte, como ela: Minha Verdade. “Este trabalho começou a tomar forma em 2019, com o processo de seleção de repertório. Em 2020 veio a pandemia da Covid-19. Achei que teria de adiar o sonho de ter um CD, mas Deus é maravilhoso, e conseguimos, por meio da Lei Aldir Blanc de Apoio à Cultura, gravar as 12 faixas selecionadas em meados de 2020”, contou. O lançamento do álbum foi em junho de 2021, já no fim da pandemia. Atualmente, ela e a sua banda estão a trabalhar em três canções inéditas, que serão lançadas em formato audiovisual em breve.
https://www.instagram.com/p/DC1rS3iRYLp/?img_index=1
Para Adriana, é importantíssimo dizer que o samba foi, é e sempre será uma forma de amplificar a voz daqueles que são oprimidos. “Vejo que, através da minha arte, sou a porta-voz de muitos(as). As mensagens que quero passar são de força, superação, resistência e luta. Quero deixar aqui, como inspiração, uma canção que para mim é um hino: Identidade, de Jorge Aragão”, indicou a cantora.
Ainda sobre a cultura negra, ela explica que a religiosidade afro está a entrar tardiamente na sua vida. “Mas sempre digo que tudo acontece nas nossas vidas no tempo certo. Isso não significa que ela nunca esteve presente. Pelo contrário. É ancestral; está no meu sangue, na minha alma. Mesmo que eu quisesse fugir ou desviar-me desse caminho, não conseguiria”, enfatizou a artista.
“O legado da ancestralidade que carrego vem da minha avó materna e da minha mãe, que foram mulheres que lutaram até ao fim pelos seus. Passaram fome, frio, foram abandonadas pelos parceiros e pela sociedade, mas nunca desistiram de cuidar dos seus. Este é o legado que quero deixar: Não desistam nunca de vocês mesmos. Não deixem que nada nem ninguém coloquem os vossos sonhos para debaixo do tapete. Tenham fé.”
https://www.instagram.com/p/DC9VQk4uifA/
Adriana acredita que o legado nunca está pronto, sendo construído ao longo do tempo. Ela busca ultrapassar barreiras e fomentar a consciencialização sobre a importância de manter viva a herança africana no samba e na cultura brasileira. Isso inclui educar sobre a história e as contribuições do povo preto e apoiar artistas não brancos que mantêm a cultura pulsante.
É agindo assim que Adriana acredita poder valorizar verdadeiramente a essência africana do samba e as diversas vertentes da música preta no Brasil, para que quem entre em territórios banhados por essa cultura entenda que o samba é sagrado para o povo preto e que artistas pretos podem viver disso. “Coragem! Acredite em você, na sua capacidade e competência. Sei que o caminho pode ser duro e sofrido, mas não desista. Deus está contigo”, concluiu ela, deixando um chamado de fé e esperança.
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