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O amor amargo de Melly que está a conquistar o Brasil

19 de Junho de 2024
O amor amargo de Melly que está a conquistar o Brasil
Fotos de João Arraes

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​​Melly disse que não iria ligar a câmera do celular, mas não resistiu. No Rio de Janeiro, a cantora baiana aproveitava a piscina do hotel em que estava hospedada. Antes de ir para o estúdio, ela tirou um tempo da sua pequena folga na agenda para falar via Zoom sobre o seu álbum de estreia, Amaríssima.


Feliz pela repercussão do seu trabalho, a vencedora da categoria Artista Revelação do Prêmio Multishow de 2023, um dos mais importantes do Brasil, estava animada porque logo depois iria para o estúdio gravar um feat e, no dia seguinte, participaria de uma homenagem ao ícone Tim Maia, na cerimônia do Prêmio da Música Brasileira, cantando "Bom Senso", com Raquel Reis e Iza.


“Inacreditável como a vida leva a gente para lugares inimagináveis”, disse. “Estou muito feliz de poder participar desse projeto, principalmente, pelo Tim ser um artista que é minha referência, que eu reverencio desde pequena”.


De voz doce e marcante, Melly ganhou destaque com o single “Azul”, em 2021. Essa carta de apresentação abriu portas e criou oportunidades. Ser premiada confirmou sua potência artística, que é reafirmada neste disco, que para ela “é uma tentativa de evolução, por isso tateia o amargo”. Isso não quer dizer que ele é guiado pela tristeza. 


Sendo uma mulher apaixonada, ela trata do amor, mas sem romantizá-lo. Aborda suas belezas e amarguras de uma forma leve. Mesmo na densidade de algumas composições é possível dançar. Outras podem dar gatilhos. Porém, quando você começa a ouvir é impossível desistir no meio do caminho.

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Agenda cultural

Em 2023, depois do Prêmio Multishow na categoria de Artista Revelação, teve um grande burburinho e vários hates por você ter levado o prêmio e desbancando artistas mais conhecidos e com um tempo maior de carreira.  Aquelas críticas infundadas por não conhecerem o seu trabalho serviu de fortalecimento, teve um sentimento de ganhei mas não merecia - indo para aquele lado de auto-boicote - ou nem ligou para o que disseram? 


Rapaz.. como é que eu posso te dizer isso? Eu nem li os comentários, viu!? Nem li. Eu ganhei meu prêmio, aceitei, peguei... depois eu entendi. É Difícil mesmo a gente ter autoestima pra confiar no trabalho. Mas é tudo um processo... a história e a vida vão mostrando pra você. O tempo mostra o que ele precisa mostrar. Naquele momento, eu recebi aquele prêmio, mas, enfim, a vida não é feita de premiações. Porém, às vezes é bom a gente ter o trabalho reconhecido, né!? É muito esforço que se coloca, e eu amo muito a música. Então, eu só abracei, fiquei extasiada e imensamente feliz por discursar, tendo na minha frente Caetano (Veloso), do outro lado tinha Vanessa da Mata... Podia fazer mais o quê? Estava no céu! Voltei pra casa, levei o prêmio pra minha família. A gente ficou lá, dando risada e abraçando aquilo tudo. E de resto, eu nem ouvi, véi. Não faz sentido pra mim escutar besteira.

O amor amargo de Melly que está a conquistar o Brasil

Na maioria das vezes a gente dá muita importância para aquele único comentário negativo e desconsidera todos os outros que são positivos…


É, velho... tanta gente que eu gosto. Tanta gente que não me conhecia e passou a conhecer... fazer o que, né!?


Depois de vários singles, vídeos, participações e prêmios, você estreia com um álbum. Já no título é possível ter uma ideia do que se pode esperar, algo que está relacionado com amargura... Por que intitulá-lo de Amaríssima?


Eu sempre fui uma pessoa muito melancólica, e apesar de parecer doce, eu gosto muito mais do amargo. Eu não como doce. Eu não gosto muito de nada que seja tão adocicado assim. Aí eu tive uma epifania um dia de querer falar sobre esses processos de como é que eu me reconheço... Enfim, a música sempre foi muito pessoal pra mim. A música é o meu diário, a minha válvula de escape, é o jeito que eu entendo e conheço o mundo. Por isso, achei que no meu primeiro disco tinha que falar sobre o que tenho aprendido até agora. Eu me vejo muito no amargo, me vejo muito no que o amargo proporciona, apesar de ser desconfortável, eu estou sempre tentando me colocar fora da minha zona de conforto para evoluir. E esse disco é uma tentativa de evolução, por isso fala que está tateia o amargo.


Vai naquele lance de que às vezes, por exemplo, quando tem o fim de um relacionamento, quando tem algum tipo de problema, a composição funciona melhor do que quando a gente está num momento legal, desfrutando de várias coisas boas. Mas quando a coisa não está tão bem, tem algo que te machuca, a inspiração vem?


Depende do compositor, do artista. Eu não tenho muito isso não. Acho que tanto na dor quanto no amor, eu gosto de compor. 



"A gente precisa sentir saudade pra, quando encontrar com alguém, aquele abraço ser sensacional"

Melly

Suas composições surgem de momentos específicos ou para fazer Amaríssima, você sentou para escrever especificamente para ele? 


Depois que eu entendi sobre o que eu queria falar, qual a mensagem que eu queria transmitir pro mundo, eu teci uma história, comecei a pensar como que isso seria contado. Muitas das músicas foram feitas durante o processo do disco. Eu fui escolhendo a dedo as composições que eu tinha. E foi muito fluido. Eu já sabia o que eu queria e aí foram aparecendo as composições... aparecia uma faísca, eu pegava, agarrava e desenvolvia.


Ele fala do amor, mas não só do amor romântico. Ele pega várias nuances do amor, dos momentos mais difíceis até os mais legais, porém foca bastante no amargo.


Ele é totalmente amaríssimo, licença poética para virar feminino: amaríssima, completamente amargo.


Mas, apesar disso, você tem uma suavidade na forma que traz essas mensagens, que é complementada com os instrumentais, às vezes dançantes, outras mais densas.


O amargo, não necessariamente precisa machucar, precisa ser triste, algo de baixa energia. Só porque não é tão agradável assim de primeira, não significa que a gente deva descartar ou então achar que aquilo ali é uma coisa a se evitar. Eu tentei tirar o amargo desta caixa... no meu pensamento, a gente precisa passar por certas coisas para poder evoluir a outras. A gente precisa sentir saudade, pra quando encontrar com alguém aquele abraço ser sensacional... a gente precisa terminar um ciclo pra poder iniciar um outro, que talvez seja muito melhor ou muito pior. Nessa abordagem do amargo, eu não queria entristecer. Acho que ele não precisa ser mais triste, né!? Por isso que eu persegui essas nuances que as músicas acabaram se encaixando. De fato, elas não são tão tristes em ritmo, em gênero. Elas passeiam mais ali para algo que até pode transmitir certa doçura, até pode enganar... um agridocezinho ali.


O agridoce sempre me pega também. É bom não ser tão doce e não ser tão amargo. Ter uma mistura das duas coisas, porque traz um outro tempero, um outro significado diferente naquilo que você está saboreando. Às vezes, a gente quer uma coisa muito quadrada, mas é legal pegar várias coisas da geladeira e vamos ver o que sai. É mais ou menos isso?


Mais ou menos isso. A gente precisa sair da zona de conforto, experimentar coisas novas, misturar alguns ingredientes pra ver o que dá. Qual é a receita que vai dar? Amaríssima também é isso.

O amor amargo de Melly que está a conquistar o Brasil

Falando em mistura, ele tem vários produtores. E o disco também traz essas camadas, que passa pelo R&B, mas também vai para o pagode baiano.Traz várias musicalidades da música preta. De que forma você fez a estrutura dessa produção musical?  Acompanhou a produção e direcionou como seria?


Todas as produções foram iniciadas por mim. Eu queria muito, por ser meu primeiro disco, o meu primeiro filho quase, eu cuidei com cuidado (um pleonasmo aí). Eu queria participar de todos os processos. Eu sempre participei na verdade de todos os processos, desde "Azul", eu já tinha participado da produção, da direção... e em Amaríssima não queria que fosse diferente, porque precisava ter o meu pensamento inicial. Depois eu chamei alguns colegas. A vida foi acontecendo, foi fluindo, e acabou surgindo Theo Zagrae, que é um parceiro, um amigo, um produtor excelentíssimo, Deekaps também descolaram para fazer "Bandida" e falar de amor junto comigo. Marcelo Delamare, Ícaro Santiago, que surgiu ao longo do projeto. Mas, inicialmente, sou sempre eu que pego as faixas, penso, e aí eu falo: "ó gente, será que a gente segue nesse caminho, o que vocês acham?" Se gostarem, a gente desenvolve. Mas sobre a diversidade de gêneros, eu sou uma pessoa muito eclética. Não consigo restringir minha musicalidade tanto assim. E eu queria que esse disco fosse pop, popular. Também pintasse um pouquinho para a Música Popular Brasileira (MPB). E aí, foi surgindo essa diversidade de ritmos. Eu nunca deixo a Bahia de lado, né!? Então, claro que apareceu o Pagodão, claro que ia ter a percussividade baiana também, que passei ali no samba reggae, no ijexá, nessas linguagens... também rolou um pouquinho de influência internacional, porque o R&B é o meu rio, né!? É de onde eu tiro minha inspiração, minha fonte. 


E quem te inspira? Teve algum artista que te inspirou nesse processo de produção?


Direcionar o disco ouvindo alguém, eu não fiz não... pegar um artista específico e ficar matutando na linguagem dele... isso aí, eu não fiz não, porque eu queria mesmo que fosse algo meu próprio, mas de influência da vida, eu falo sempre que Amy Winehouse é a minha fonte primeira... é a melancólica que eu mais gosto. Aí tem quem mais? Aqui no Brasil tem (Gilberto) Gil Caetano (Veloso), Elza (Soares), Tim (Maia), Djavan, Novos baianos, Os Tincoãs. Enfim, é uma galera... mas se a gente for falar de artistas atuais, gosto muito de Luedji, Liniker, Yoún, Os Garotin, Flora Matos, Filipe Ret, Karol Conká, Anitta…


Suas playlists então são bem diversas.

Se você pega meu spotify tem uma playlist pra cada coisa.


É legal você citar o Tim Maia e Amy Winehouse porque eles têm essa  melancolia e ao mesmo tempo faz a gente dançar... tipo Gostava Tanto de Você...


É uma música triste. É uma música me mate, mas você está cantando feliz. É tão amargo que é feliz, saudoso. (canta) "Gostava tanto de vocêêê".


Exatamente. Mostra também o poder da música, de compartilhar coisas que são tristes de uma maneira leve, que também faça a galera dançar... porque a vida também não é feita só de tristeza nem só de alegrias. Então, a gente pode misturar os dois.


Tem que ser um pouco dos dois, na medida do possível, né!?

O amor amargo de Melly que está a conquistar o Brasil

E essa conexão com a Liniker e com o Russo Passapusso? 


Foram amigos que a vida me deu. Não foi algo combinado para acontecer, foi acontecendo. Russo se tornou um grande parceiro, lá na minha cidade, Salvador, a gente se conectou... E aí, ele gostou muito de mim, eu gostei muito dele e a gente começou a trocar muita ideia. Ele me deu a chave do estúdio dele, do nada, pra produzir, fazer o disco, abraçou a ideia mesmo. Eu peguei e fiquei lá, a gente convivia. Ele escutou o disco, foi também meu conselheiro, meu parceiro. Antes de todo mundo, dava opinião, falava de tudo. E aí, acabou surgindo a produção de uma das músicas do disco, "Rio Vermelho", que antes se chamava "Deixa"... eu tinha composto no violão, Comecei a produzir, ele viu, ouviu no estúdio, passou, gostou, fez um verso, gravou. Então, falei: Russo, vou lançar essa mesmo, tudo bem? Ele disse tudo bem, bola pra frente. Foi foda, obrigada Russo, sempre... ainda bem que a vida me apresentou a ele, viu!? Liniker, eu não lembro como a gente se aproximou. Eu acho que ela postou "Azul" no Instagram, alguma coisa assim. E eu, né, sempre fui muito fã dela. Inacreditável. Mandei uma mensagem, falando: "Mas rapaz, que desgrama, cantando "Azul". Obrigada, eu fico muito feliz. Você é foda". Aí, ela falou que eu era foda também. Assim nos conectamos, fomos vivendo... Teve um dia, que eu estava tocando violão e saiu uma música chamada "Dez Minutos. Eu peguei, gravei e postei no Instagram despretensiosamente, porque  às vezes quando eu tô querendo desabafar, eu posto no Instagram (risadas)... Ela viu esse story, respondeu dizendo que tinha gostado e pediu para enviar o áudio no WhatsApp. Daqui a pouco, quando eu penso que não, ela me mandou um áudio cantando uma letra que ela tinha feito à capella por cima da minha gravação. Respondi falando: "foda. Vou gravar, de boa? De boa! Produzi, ela colocou a voz e lancei também.O disco todo foi todo muito fluido. Não foi algo armado. Foi bem a vida mesmo acontecendo.


Geralmente as coisas quando flui naturalmente, quando se programa muito, quando se fala: vamos marcar? E nunca marca. Mas quando a gente fala vamos, só vamos. Tem acontecido aquela coisa de alguém que você admira estar ouvindo a sua música, e mesmo você tendo o seu trabalho reconhecido estar num lugar de fã? De pensar: olha onde cheguei!


Oxi, tá rolando hoje. Tipo assim, imagine uma pessoa que você admira muito, chegar pra você e dizer que você é bom, que você é legal. Dá até uma confiança, né!? Você até começa a acreditar que é bom mesmo, que está fazendo alguma coisa certa. Eu sinto agora que estou fazendo alguma coisa certa, porque aqueles que eu gosto, aqueles que eu admiro também estão gostando de mim de volta. Algo está acontecendo. Num ensaio, encontrei com Xande de Pilares,  aí ele falou assim: "Melly, né? Você é foda". Começou a conversar comigo e eu falei: "O quê, você me conhece?" Ele respondeu: "como não". Aí, começamos a conversar. Eu fiquei conversando com Xande de Pilares, tomando vinho, eu falando Besteira...estava eu, ele, Márcio Victor (Psirico), Pedro Sampaio... Não entendi nada, sabe!? É a vida, meu Deus, o que é a vida agora.


Mas agora tem que se acostumar, porque vai ser assim sempre.


Tomara que eu conheça muito mais gente.


Esse é o seu primeiro disco, obviamente vão vir mais pelo futuro, mas você prefere esse processo de parar e se dedicar totalmente ao álbum ou gravar singles?

Velho, eu nunca tinha feito um disco e esse meu primeiro foi uma prova. Meu Deus, foi um teste. Foi como se eu tivesse fazendo o Enem, estudando pra alguma coisa muito importante na vida. É difícil você consolidar um trabalho com fluidez, com pensamento, com estética, com conceito. Quando você quer fazer algo bem feito tem que demorar um pouco. Fazer disco é foda, é massa. O mercado hoje não abraça muito, porque a gente é muito essa geração (a minha geração, que é essa geração desgraçada) é muito imediatista. Então, a gente quer tudo sempre rápido. Lançar um disco, às vezes,

tem gente que pensa que é desperdício, porque às vezes a pessoa entra no Spotify e escuta a primeira e a segunda, mas não escuta o resto. E aí, quando você lança um single é mais fácil de entrar na cabeça de alguém, porque é uma só coisa para a pessoa ouvir, clicar, né!? Mas eu acho Eu gosto mais de disco, EP... eu entendo o pensamento do mercado, eu entendo também o imediatismo dessa nova geração e do mundo, mas eu sou meio velha, minha alma é meio antiquada eu acho, meio ultrajada.


O single é mais rápido, mas também bem fácil de ser esquecido. O disco tem aquela coisa de você poder ouvir tudo ali, voltar e ouvir de novo…


Às vezes tem singles que marcam, né? Eu não tiro a beleza dele não. Se for um single que tenha poesia, ele vai ficar pra sempre ali na história, assim como um disco com poesia vai ser relevante pra sempre. Mas enfim, eu gosto mais de disco... eu tô doida pra fazer o outro. Já estou fazendo outro... na verdade, seja um EP para o final do ano com algumas músicas que eu não consegui colocar nesse por falta de tempo. Mas não sei se pode falar isso não viu...


Tranquilo...

Ah, pode falar. Enfim, talvez eu lance.. bote assim: talvez ela lance, para galera  não ficar achando que eu vou lançar e ficar me cobrando. (risadas) 

O amor amargo de Melly que está a conquistar o Brasil

Talvez hein, talvez. Vamos apreciar Amaríssima, esperar a poeira abaixar e depois a gente vê o que acontece... essas suas músicas são baseadas em fatos vividos, observados ou são criados a partir dos seus pensamentos?


Às vezes é o que eu vivo, e às vezes é o que eu vejo. Mas criar a partir de uma situação assim de um mundo inteligível não. Eu sou muito tátil, aquilo que eu vivencio e experiencio, eu falo sobre porque aí eu tenho ciência, eu consigo falar. Mas se for alguma coisa assim que eu nunca vi, eu prefiro não falar.


Se fosse para escolher uma música de Amaríssima, qual você escolheria?


Você me pegou, hein!? Peraí... eu acho que "Gaveta", é um poema com minha letra... porque ela é meio que um sonho. Um dos meus sonhos na vida, além da música, é ter uma família. Eu quero muito ter uma família. Eu sou uma mulher apaixonada. Aí eu compus essa música mirando nesse sonho. Eu fiquei muito feliz que eu consegui falar sobre isso. É difícil para mim admitir certas coisas, mas quando eu escrevi essa e vi que consegui colocar pra fora, eu fiquei muito feliz. Eu gosto dessa música.

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