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Em criança e adolescente, além da natural ligação à música (em casa, os meus pais acumulavam VHS, vinis e cassetes, sobretudo de música cabo-verdiana, angolana e congolesa), arte nunca foi uma palavra que me revelasse proximidade. Ir a uma exposição ou a algum tipo de evento cultural também nunca foi uma possibilidade imaginada, nem por mim, nem pelos meus pais, cujo tempo era escravo do trabalho servil e cujos parcos rendimentos tinham destinos estritamente voltados à sobrevivência.
Vivi em Portugal até aos 22 anos e, até então, não me recordo de ter tido a possibilidade de sequer imaginar que visitar uma exposição poderia ocupar o meu tempo livre ou proporcionar-me novas possibilidades de imaginário. Além, claro, das exposições em que tinha participado nas aulas de Educação Visual e Tecnológica, no ensino secundário. A Arte sempre surgiu no meu consciente e inconsciente como algo distante da minha percepção, tanto individual como social. Na escola, falar de Arte era falar de Monet, van Gogh e companhia, o que lhe conferia automaticamente um estatuto de inacessibilidade. Até porque, para poder admirar as suas obras, seria necessário viajar.
Saí de Portugal pela primeira vez aos 22 anos, altura em que já trabalhava e podia dar-me ao luxo de pensar em viajar. Nesse ano, 2007, entrei pela primeira vez num museu: o Louvre.
É curioso como a falta de imaginário e de consciência sobre possibilidades/oportunidades guia, de forma indelével, as nossas experiências sociais e culturais. Sempre tive noção desse lugar inatingível em que a Arte se situava para mim, e lembro-me perfeitamente de quando passei pela primeira vez pelos portões da Fundação Calouste Gulbenkian, em 2005. Por acaso, na altura, estava patente a Looking Both Ways, uma exposição itinerante do Museum for African Art, de Nova Iorque, centrada na arte contemporânea da diáspora africana.
Em 2015, já com 30 anos, com o Eddie Pipocas, lancei-me no desenvolvimento da BANTUMEN, que surgiu para criar um espaço onde pudesse dar palco a notícias e histórias sobre a comunidade afrodescendente que se expressa em português, longe das perspectivas enviesadas e limitadoras habituais dos grandes meios de comunicação tradicionais. A Cultura esteve desde sempre no epicentro dessa iniciativa, sendo que é através dela que acreditamos profundamente ser possível mudar mentalidades, por meio do conhecimento e da empatia em relação àqueles denominados “os outros”.
Arrancamos logo com uma longa reportagem sobre o Little Africa Paris, um guia turístico sobre a arte, moda e empreendedorismo com origens africanas presentes na capital francesa. A fundadora, Jacquiline Ngo Mpii, guiou-nos pela Beauté Congo, Congo Kitoko (Fundação Cartier), uma audaciosa exposição coletiva que retratava quase 90 anos (1926-2015) de arte contemporânea congolesa, entre pintura, fotografia, instalações e banda desenhada. Foi ali que descobri a magia artística de Chéri Samba, mestre da pintura popular, com obras exibidas pela primeira vez em 1978. A crueza e o arrojo de cada pertinente crítica social e política, naquela época e hoje, fizeram-me, pela primeira vez, contemplar e refletir sobre a Arte, no campo das artes plásticas, como um vetor de consciência social e de reflexão crítica.
Lembro-me, como se fosse hoje, de pensar que deveria ter tido acesso a esse tipo de exposição artística em miúda. Mas como? A Linha de Sintra sempre foi o limite da imaginação, e ir a Lisboa só acontecia em comitiva familiar, tal qual evento – ainda tenho registos daquela que imagino ser a minha primeira vez na Praça dos Restauradores, com uns 11 anos, talvez –, para no máximo ver as montras, os barcos a sair do Terreiro do Paço, comer um gelado e voltar para casa.
Primeira edição da feira AKAA, Paris, 2015 ©BANTUMEN
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