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A bolha dos festivais está estourando no Brasil, o BATEKOO foi mais uma vítima

8 de Novembro de 2024
batekoo diversidade apoios
Batekoo 📸 Jeff ©caodenado

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Diversidade. Essa palavra serviu de passe no mercado publicitário para mostrar que marcas estavam comprometidas em ter pessoas diversas em seus quadros. Isso se intensificou após o assassinato de George Floyd no dia 25 de maio de 2020. Quem não lembra da trend das imagens pretas publicadas no perfil das mais diferentes personalidades, empresas, instituições, gravadoras, ONGs. Todo mundo entrou na onda. Porém, a pluralidade que foi impulsionada emergencialmente, para que o teto de vidro não fosse quebrado, tem deixado de ser prioridade. Passou igual uma trend de TikTok, que foi superada por outra mais interessante.

Depois que a poeira baixou, as políticas de inclusão e diversidade foram colocadas na gaveta.  Olhando com uma visão mais ampla: isso já era perceptível. A maioria fez a movimentação no calor do momento por mero oportunismo e para não serem tachadas de racistas.

Agora, em 2024, no Mês da Consciência Negra, novembro, enquanto personalidades negras são contratadas para falar sobre a causa e tirar o peso das costas de quem as contrata, a BATEKOO teve de adiar a edição de 2024 por falta de verba (patrocinadores). O anúncio veio a menos de um mês de ser realizado (em 23 de novembro), pegando geral de surpresa.  Considerada a maior plataforma de entretenimento, cultura e educação voltada para as comunidades negra e LGBTQIAPN+ no Brasil,  a BATEKOO afirmou (em comunicado à imprensa) que o adiamento foi “devido à falta de patrocínio”, e que “a decisão expõe o racismo estrutural que ainda guia o mercado publicitário, revelando nuances do real compromisso com a diversidade e a inclusão”.

Se considerarmos o conservadorismo brasileiro, não é surpresa nenhuma que as mais de 100 marcas e plataformas nacionais procuradas pela organização decidiram não investir - conforme informado. Porém, esse pode não ser o principal nem o único problema. Depois da pandemia, a produção de festivais triplicou no Brasil. Só em 2023 aconteceram quase 300 festivais, mapeados pelo Mapa dos Festivais. Se colocarmos nessa conta os que não entraram no radar do Mapa, e distribuímos diariamente, aconteceu quase que 1 festival por dia ao longo do ano. A bolha cresceu tanto, que sucumbiu. 

Tratando-se de eventos identitários, direcionados a públicos específicos, isso fica ainda pior. Existe a falta de investimento não somente de empresas privadas, que já separa uma parte do bolo cultural para os grandes festivais, mas também de órgãos e programas públicos de fomento à cultura. Um exemplo foi o cancelamento do apoio que a festa/festival Bicuda teria da Secretaria Municipal de Cultura de Campinas. O motivo principal para a suspensão, e abertura de uma comissão processante instaurada para investigar a vereadora Paolla Miguel (PT), que destinou verbas para a festa, foi a constatação de supostas apresentações contendo "cenas de nudez e simulação de sexo" no evento voltado para a comunidade LGBTQI+. 

Essa não é uma desculpa isolada dos defensores da família tradicional brasileira apenas para esse tipo de evento. Aqueles que estão fora do eixo Rio-São Paulo também sofrem com a falta de captação de recursos. 

Outro ocorrido foi em 2021, quando o Festival de Jazz do Capão, na Bahia, teve a captação de recursos via Lei Rouanet negada por não estar de acordo com os preceitos técnicos e religiosos da Fundação Nacional de Artes (Funarte). Parte do parecer dizia que “o objetivo e finalidade maior de toda música não deveria ser nenhum outro além da glória de Deus e a renovação da alma”, diz. "Por inspiração no canto gregoriano, a Música pode ser vista como uma Arte Divina, onde as vozes em união se direcionam à Deus”. (em 2023, o Jazz do Capão também não conseguiu financiamento público) Se o jazz não for espiritual, qual música é?

Por essas e outras, é necessário mudar a estratégia para entrar pelas frestas do sistema. Não que tenha que deixar o posicionamento de lado [jamais], mas é preciso pensar com a cabeça de quem está direcionando a verba e aprovando os projetos. Tem que vender o peixe do jeito que o cliente pretende ouvir, mas deixando as letras miúdas por ali. Igual fazem nas propagandas. É a tal da malandragem.

A problemática não atinge exclusivamente as consideradas comunidades minoritárias. O DJ DJ Zegon publicou isto aqui no Threads:

“Essas semanas, um time que eu trabalho direto apresentou um projeto nosso pra uma marca gigante, o projeto que já teve mais de 10 edições de sucesso, sempre sold out, alguns dos maiores Djs da nossa cena, vários legends (todos sabem quem são), sem citar nomes. O que a diretora de marketing disse? “Esses Djs são todos muito velhos! Como o projeto vai conversar com a Geração Z?” obviamente a diretora também Geração Z, não sabe nada e tem zero respeito pela nossa cultura. Etarismo descarado”.

Obviamente quem está contratando observa os números, mas somente eles não basta. Tem que falar com um determinado tipo de público, classe social e posicionamento político. Nem todas as marcas (mesmo as mais “progressistas”) querem associar seu produto a um tipo de discurso ou comunidade. Nós, negros, já vimos (e estamos vendo) isso acontecer todos os dias. Basta uma voltinha no shopping, e logo você verá que não é bem-vindo(a) ali. Precisamos aliar as pautas que acreditamos com uma visão mercadológica, porque as causas relacionadas à raça e gênero foram colocadas em segundo plano. 

Como escreveu a Juliana Castro (Mapa dos festivais) no Linkedin, esperava-se que “as empresas que se engajaram na pauta antirracista em 2020 estivessem agora unindo o “útil ao agradável” e investindo em festivais de cultura preta como parte da sua construção de identidade e impacto social”. Esperava-se. Mas agora existem outras prioridades. 

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