Caldo de Chabéu, tradição, sabor e empoderamento feminino na Guiné-Bissau

9 de Abril de 2025
Caldo de Chabéu Guiné Bissau

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A Guiné-Bissau, com a sua notável diversidade étnica - mais de 25 grupos culturais distintos que convivem num mesmo território - apresenta uma riqueza gastronómica que reflete a mistura de histórias, tradições e influências culturais. Entre os inúmeros pratos que se destacam, o caldo de chabéu surge não só como uma receita tradicional, mas também como símbolo da identidade e da memória coletiva do povo guineense.


O chabéu é o fruto da palmeira-de-óleo (Elaeis guineensis), uma planta nativa da África Ocidental e central, com um papel relevante na culinária da Guiné-Bissau. Este fruto é apreciado tanto pelo seu valor nutricional (é rico em vitamina A, vitamina E e outros antioxidantes, ómega 6 e ómega 9, além de ácido esteárico e ácidos graxos, como o ácido palmítico) como pela sua versatilidade.


Tradicionalmente, a sua preparação envolve a cozedura para que se possa remover o caroço e extrair a polpa que, depois de moída, confere ao caldo uma textura espessa e um sabor intenso.

Mais do que uma simples combinação de sabores, o caldo de chabéu representa um ritual culinário. Em pequenas panelas, o fruto é cozido e moído para separar a polpa do caroço e da pele. Este molho pode acompanhar frango ou peixe (tradicionalmente bagre) ou há até quem goste de o acompanhar apenas com arroz. Se o acompanhante for peixe, o preparo inclui ainda um molho à base de peixe, cebola, limão, tomate, caldo de galinha e malagueta.


Na Guiné-Bissau, a culinária vai além do ato de alimentar-se: é uma celebração da vida e da cultura. O caldo de chabéu é frequentemente associado a momentos de reunião familiar e festividades locais, sendo um prato que une gerações e reforça os laços comunitários. Através desta receita, preserva-se não só o paladar, mas também os rituais e as histórias que contam a origem de cada família e comunidade.


Sustentabilidade e desafios da palmeira-de-óleo


Apesar da palmeira-de-óleo estar, a nível global, frequentemente associada a problemas ambientais como desflorestação e perda de biodiversidade, o contexto da Guiné-Bissau é bastante distinto. No país, o cultivo do chabéu ocorre sobretudo em pequenas parcelas agrícolas familiares, muitas vezes de forma tradicional e integrada com outras culturas. Este modelo, de baixa intensidade, tende a ter um impacto ambiental mais reduzido e pode até representar uma oportunidade de desenvolvimento sustentável para as comunidades locais.


Estudos recentes apontam que, em países como a Guiné, o cultivo da palma por pequenos agricultores está correlacionado com menores níveis de pobreza e insegurança alimentar. Quando praticado com técnicas agroecológicas e acesso a informação climática e formação, este tipo de produção pode inclusive reforçar a resiliência local às alterações climáticas. Ainda assim, é fundamental que este cultivo continue a ser feito de forma equilibrada, para que os benefícios sociais e económicos não se sobreponham à necessidade de proteger os ecossistemas nativos.


Um exemplo marcante dessa tradição viva é a história de Mole Cabral da Cunha, empreendedora do Bairro de Enterramento, em Bissau. Ao servir o caldo de chabéu no seu bar, Mole revela como a gastronomia pode ser um veículo para a afirmação e independência das mulheres. Nas suas próprias palavras, a procura pelo prato nos finais de semana é um claro indicativo de que a culinária tradicional é reconhecida e valorizada, não apenas pelo seu sabor, mas também pela sua capacidade de transformar vidas. “Quando eu cozinho o chabéu, a comida não sobra. Lembro do primeiro dia em que este prato foi servido no meu bar. Foram mesmo os clientes que chamaram os outros para provar o sabor do chabéu”, disse à BANTUMEN.


Mole aproveita ainda para deixar uma mensagem às mulheres do seu país, encorajando-as a não dependerem exclusivamente dos seus parceiros e a apostarem no autoemprego, mesmo enfrentando estigmas: “Muitas pessoas pensam que quem vende comida é porque não tem nível académico, mas essa teoria está errada. Eu faço este trabalho com muito prazer e gosto para não depender do meu marido a cem por cento.”


Apesar de todas as questões sociais e ambientais relacionadas à produção do óleo de palma e que deve ser levantadas -, o caldo de chabéu é também a materialização de uma história cultural rica, que celebra a diversidade étnica e, neste caso, a autonomia das mulheres.

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