A dias de estrear-se a solo em Portugal, Carlos Andrade fala-nos sobre os desafios do humor em crioulo

21 de Março de 2025

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Carlos Andrade, mais conhecido por Artolash, é uma figura emergente no panorama da comédia cabo-verdiana. Nascido em Cabo Verde, desde cedo descobriu uma afinidade especial com o humor, utilizando-o como meio de conexão com as pessoas ao seu redor. Aos 16 anos, mudou-se para Lisboa, onde adotou o pseudónimo Artolash, inspirado na leitura de "Os Maias" de Eça de Queirós. 


No dia 4 de abril, Artolash sobe ao palco em Lisboa para o seu primeiro espetáculo a solo: "Cabo-verdianos Não Conhecem Limites". O evento, organizado de forma independente, é um passo importante na sua carreira e uma oportunidade para mostrar que a comédia cabo-verdiana pode ter espaço próprio.


Licenciado em Estudos Africanos pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e Mestre em Comunicação, Cultura e Tecnologias da Informação pelo ISCTE, deu os primeiros passos no stand-up comedy num pequeno evento promovido pela Câmara Municipal de Sintra, em parceria com a Embaixada de Cabo Verde em Portugal. A sua carreira ganhou impulso com a criação do personagem Djubensu, apresentado pela primeira vez no evento "Miss 10 Ilhas" em Carnaxide, oportunidade que lhe permitiu levar a sua arte até aos Estados Unidos. Atualmente, dedica-se ao stand-up, à produção de podcasts e a colaborações com diversas marcas.


Apesar do crescimento, não esconde que enfrenta desafios ao fazer humor em crioulo, uma escolha que, embora lhe permita expressar-se de forma mais autêntica, limita o alcance do seu público. "O crioulo permite-me expressar melhor, a minha forma de pensar em comédia é diferente quando é em português", explica. O humorista, que já chegou a atuar em português, assume que a experiência não foi agradável. "Foi o pior momento da minha vida. Estava a atuar para um público maioritariamente branco, e ninguém se ria. Eu olhava para a luz vermelha no fundo da sala e só queria sair do palco", recorda, sem esconder que pretende voltar a tentar, agora mais preparado.

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“Um cabo-verdiano da Latada a atuar em Berlim... Nunca imaginei!”

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Para Carlos, a comédia em Cabo Verde ainda está em desenvolvimento, sem um circuito sólido e com poucos nomes ativos. "Nós não temos propriamente uma cena de comédia estruturada, muito menos stand-up comedy consolidado", afirma. O circuito é escasso, e os nomes que se destacam ainda são poucos. Houve tentativas de criar espaços fixos para o humor cabo-verdiano em Portugal, como o projeto "Espaço Cave" na Pontinha, mas dificuldades financeiras e logísticas ditaram o encerramento. "Estava a correr bem, esgotávamos sempre, mas uma inundação e os custos altos ditaram o fim", recorda. Mesmo assim, continua a acreditar ser possível arranjar um local onde os humoristas cabo-verdianos possam atuar regularmente e expandir a cena de stand-up comedy dentro da comunidade.


Apesar da barreira linguística, Carlos tem conseguido expandir o seu público para além de Cabo Verde e Portugal. "Faço mais espetáculos fora do que cá [em Portugal]. Já atuei na Alemanha, Suíça, Londres e Luxemburgo. Um cabo-verdiano da Latada a atuar em Berlim... Nunca imaginei!", conta. A forte presença da diáspora cabo-verdiana na Europa abre novas oportunidades para o seu trabalho, permitindo-lhe crescer como comediante. 


O seu próximo grande desafio é o espetáculo "Cabo-verdianos Não Conhecem Limites", marcado para 4 de abril, no Centro Cívico de Carnaxide. "É o meu primeiro solo organizado por mim, com o apoio de amigos", explica. Organizar um espetáculo de raiz traz desafios logísticos e financeiros e Carlos está ciente da dificuldade que é encher uma sala, mesmo sendo popular nas redes sociais. "Tenho 100 mil seguidores, mas quando se trata de encher uma sala, a realidade é outra. Temos de contar com uma pequena percentagem desse número, e ainda assim trabalhar muito para convencer as pessoas a saírem de casa e comprarem bilhete."

Carlos Andrade artolash entrevista

Carlos Andrade | 📸 BANTUMEN/Djamir Afonso 



Para além do stand-up, é criador do podcast "Kombersu", um projeto que tem ganhado destaque ao dar voz a figuras relevantes da cultura cabo-verdiana e da diáspora. "Sempre quis fazer algo para os cabo-verdianos, mas sem me restringir. Já entrevistei o Gilmario, o Kikas e outros", diz. O programa tem alcançado uma audiência diversificada, incluindo pessoas mais velhas. "No final do ano passado, em Amesterdão, uma senhora de 70 anos veio ter comigo e disse que adora o podcast. Isso enche o coração!". Para Carlos, criar este espaço de partilha e reflexão sobre identidade e cultura cabo-verdiana é uma forma de valorizar a história coletiva do seu povo. Quer continuar a expandir o projeto, convidando personalidades diversas e alargando o leque de temas abordados.


Recentemente, a paternidade trouxe uma nova perspetiva à sua vida, alterando prioridades e reforçando a responsabilidade de prover a família. "A paternidade é assustadora, mas molda-te. As prioridades mudam, não consigo pensar em mim da mesma forma", admite. "Ser independente assusta ainda mais, porque aos filhos não pode faltar nada." E é exatamente por isso que a responsabilidade acrescida trouxe um novo equilíbrio entre a vida profissional e pessoal. "Ainda sou um procrastinador de primeira, mas agora sei que não posso falhar." O humorista sente que esta nova fase o tem ajudado a encontrar mais estrutura no seu trabalho e a levar os seus projetos com mais disciplina.


Entre comédia e comunicação, Andrade vai desbravando terreno para a próxima geração de humoristas cabo-verdianos e acreditando no potencial do stand-up no seu país de origem. "Cabo Verde ainda está a descobrir o stand-up. Mas vamos chegar lá."

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