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Cerveja, uma história negra e diaspórica | Parte III - A década que se foi marca a história negra brasileira

21 de Junho de 2024
Cerveja, uma história negra e diaspórica | Parte III
Glauco Palavra Maltada - Sara Araújo - Sulamita Teodoro para Dogma - Foto Leonardo Ramos

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Não há dúvida de que a agilidade da cerveja na porta da sua casa, em poucos minutos, é algo relevante. Ou, ainda: o preço que cabe no bolso de muitas pessoas é a garantia de acesso. Portanto, eu te convido a pensar junto comigo – é muito provável que o bolo da sua avó, sua mãe ou sua tia tenha uma conexão muito agradável com a sua memória. O cheiro, o gosto, a história... Pensar a cerveja como algo que também conta as histórias de muitos povos, incluindo aqueles que mais se parecem conosco, é permitir interações mais afetivas. Beber pelo sabor da história!



Quando a cervejeira Cinara Gomes produz a Serafina, em homenagem à dona Fininha, uma raizeira e benzedeira, matriarca de uma família de músicos na cidade de Belo Horizonte, são as histórias de uma comunidade que estão em jogo. Memórias vindas pelo paladar ou pelo cuidado de um canto ou de uma reza são as bases que garantirão pesquisas, testes de receitas, diálogos e trocas entre aquelas que estão às voltas com o interesse pela produção cervejeira. A família de Cinara tem um interesse cervejeiro que se inicia pelo irmão, Rafael, mais ou menos entre 2008 e 2009. Fael, esposo de Eulene, naquela época assessora de imprensa de um restaurante alemão na cidade e responsável por reunir no dia 8 de março de 2007 mulheres cervejeiras no mesmo restaurante, começa a conhecer outros rótulos e em pouco tempo está produzindo sua própria cerveja em casa. Cindra, a irmã mais velha também toma interesse e se torna uma das primeiras mulheres negras a atuar no mercado cervejeiro, realizando eventos. Algum tempo depois estuda e passa a ser uma das primeiras sommeliers negras do país. Cinara, a irmã mais nova, que já havia experimentado cervejas diferentes na Europa, torna-se cervejeira e produz o próprio rótulo. 


Cinara Gomes


A Cervejaria Implicantes, vinda do Sul do país, da cidade de Porto Alegre, cria sua marca e se torna em 2018 a primeira cervejaria do país a ser fundada por pessoas negras. Diego Dias, Daniel Dias, irmãos e idealizadores do projeto, Marcelo Pires e Thiago Rosário são os responsáveis pela implicância, como eles mesmo dizem. O uso da palavra é um termo também envolto em histórias: fala sobre duas crianças inconformadas com o mundo à sua volta. Fala também sobre a gênese do negócio: agir na contradição do negócio cervejeiro, que tem a absorção da história dos conhecimentos negro africanos e também tem a ausência de produção de riquezas para esse mesmo povo. Te convido a conhecer os Implicantes, hoje com novos negócios. 



A história gerada em África é a que atravessa o Atlântico e cria novos desejos nos Estados Unidos ou no Brasil. Se, em Ruanda, Fina Uwineza vem criando a Kwenza a partir do envolvimento com a comunidade e em parceria com diversas pessoas de outros cantos do planeta, seja através do compartilhamento de conhecimento ou de recursos, é importante olharmos para o sentido comunitário que a cerveja possibilita. Fina tem de lidar com a falta ou escassez de maquinários e insumos. Então, ela e sua comunidade usam de criatividade e pesquisa e criam a sua própria estrutura.



Leo Sawadogo e Denise Ford Sawadogo


Leo Sawadogo e Denise Ford Sawadogo, ambos de Nova Jersey, criadores da Montclair, têm feito suas cervejas a partir do comunitário. Do prazer em produzir a cerveja na garagem de casa à criação do próprio negócio, foi a relação com a comunidade que permitiu tal existência. É ela também que segue fazendo, como conta Denise em uma de suas entrevistas, com que a experiência de visita ao espaço e a apreciação das cervejas sejam um laço de histórias, cheiros e bons gostos. Leo é da África Central, Denise, de família de jamaicanos. O encontro entre os continentes faz a cerveja ser acima de tudo história. 



Como cerveja não é só produção, mas também o encontro em comunidade que faz o negócio girar, lembro também o Halem Hops, de ​​Kim Harris e Kevin Bradford que trabalham com a comunidade para o fornecimento de cervejas artesanais locais. Na Vila Madalena, em São Paulo, Danielle Lira do Torneira Bar, coloca nas torneiras de seu negócio nomes consagrados, novidades e colaborações como as produções do Coletivo Tereza Benguela Cervejeira – formado pela própria Danielle Lira, Cinara Gomes/Serafina, Dani Souza/Cozinha Omi Odara, Adriana Santos/homebrewer e sommelier (o avô foi paneleiro) e Sara Araújo/Negra Cerveja Sommelier – ou participa ativamente de criações como a cerveja Aliadas, em alusão às pessoas que se colocam como aliadas para a co-existência no mundo cervejeiro em uma produção feita em colaboração com a cervejaria Dádiva, empreendimento fundado por Luiza Lugli Tolosa. 


Teresa de Benguela | Foto Rafa Felix

   

Se você é apreciador das delícias do mundo, eu tenho certeza que ao final da leitura deste texto você tem muitas respostas para aquela pergunta e com certeza vai querer abrir uma cerveja. Então, depois dessa viagem no tempo e nas histórias o que deixo é:


O mundo do negócio cervejeiro foi criado no Brasil por intermédio de uma longa história de saberes. A cerveja viajou entre continentes e entre povos de diversas etnias. Talvez ela seja a bebida mais colaborativa e comunitária: só é o que é porque somos muitas pessoas envolvidas. É fato, temos uma história alemã em nossa gênese, também temos holandeses, belgas, portugueses, americanos do norte, mas temos como fio da descoberta indígenas em diversas etnias, asiáticos do oeste e do leste e muitos africanos. Construir um negócio cervejeiro que dê espaço para que pessoas negras sejam criadoras de receitas, empreendimentos e riquezas, requer valorização das histórias, reconhecimento das trajetórias e principalmente reparo. Há uma década, pessoas negras estão estudando, criando e colocando seus modos de fazer em evidência, com pessoas brancas bem dispostas alargando a estrada, mas ainda assim no modelo “nós por nós”. 



Se no início da indústria cervejeira no Brasil o branco europeu recebeu seus incentivos, é chegada a hora de o negro receber os seus. 

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