"Ser a única negra não era um privilégio, era erro do sistema", Cláudia Oliveira

13 de Dezembro de 2024

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Apaixonada pela escrita, lifestyle, restauração e fotografia, Cláudia Oliveira concedeu uma entrevista à BANTUMEN, onde partilhou detalhes importantes da sua desenvoltura online, desde os blogs pessoais até ao momento em que se tornou fotógrafa gastronómica.


Criadora de vários blogs, foi na culinária e na arte de fotografar alimentos — que chegaram à sua vida há menos de quatro anos — que Cláudia encontrou a sua verdadeira paixão, conquistando um espaço tremendo, não apenas na sua vida, mas também para a sua família. “Eu já cheguei até mesmo a montar um set de fotografia lá em casa. Eles estão lá e adoram ver o set assim montado e, depois, tentam sempre participar, meter a mão e ver como é que fica. É muito giro de ver. Às vezes já os coloco na produção, tipo, ele agarra o tripé.”


Nascida em Itália, em Nápoles, Cláudia Oliveira, de 38 anos, é filha de pais cabo-verdianos. Aos nove anos, mudou-se para Portugal com a família, primeiro porque o pai trabalhava nos barcos e passava muito tempo fora, e segundo devido à criminalidade que existia na sua cidade natal. Para Cláudia, entender essas mudanças foi um grande desafio, sobretudo por não falar português. “Pronto, tinha uma relação muito mais chegada a Cabo Verde do que a estar em Portugal, e foi muito difícil. Nem sabia falar português. Foi horrível.”


Em conversa com a BANTUMEN, sobre o seu trabalho enquanto food stylist, Cláudia revelou que a sua paixão por fotografar comida começou numa altura em que escrevia para o blog. Com o passar do tempo, foi notada por restaurantes e convidada para fotografar pratos. “Com o iPhone, porque acho que é impossível um food stylist ter um Android, foste tentar perceber como tirar a melhor fotografia para o ponto do blog.”


A ausência do pai na sua vida e, mais tarde, o falecimento da mãe fizeram com que Cláudia assumisse responsabilidades adultas desde muito cedo, começando pela sua irmã: “Nós perdemos ali o chão. Eu e o meu namorado, na altura (hoje marido), tivemos de pensar o que é que haveríamos de fazer com a minha irmã.”



Consciente de que a profissão de fotógrafa gastronómica ainda é uma novidade em Portugal, comparada à realidade de outros países como Inglaterra e Itália, onde já é uma profissão reconhecida, Cláudia afirmou: “Em outros países já dá mais. Por exemplo, no Reino Unido, o fotógrafo ganha mesmo muito bem, nos Estados Unidos também, em Itália também. Portugal ainda é uma coisa muito recente.” No entanto, acrescentou que atualmente já há mais procura pelos seus serviços: “Apesar de ainda haver pessoas que não têm noção dessa profissão, está a crescer em Portugal.”


Ainda sobre a desvalorização, questionada sobre os rendimentos obtidos pelos seus serviços: “Há épocas em que acabas por ganhar mais, porque tens mais clientes, tens mais trabalho. Há épocas em que não acontece nada. Depende mesmo, depende mesmo muito. Mas, se tiveres boas bases e boas noções do teu valor — porque isso também é importante —, consegues estruturar-te melhor. Eu, quando comecei, não me dava o devido valor. E também é verdade que aquilo que eu sabia há três anos não é o mesmo que sei agora, mas comecei mesmo com um valor muito baixo.”


Para Cláudia, este ramo da fotografia é muito especializado e detém técnicas que ajudam a valorizar a comida, e a curiosidade esteve na base da sua procura por conhecimento e capacitação. “Nunca tirei um curso de fotografia. Fui aprendendo conforme ia fazendo. Também sou muito prática; aprendo na prática. Tirava uma fotografia de um prato, via como ficava, em vez de tirar só uma fotografia, tirava 10. Tirava de cima, de baixo, do lado, da direita, com luz, sem luz. Fui movida pela minha curiosidade.”


Além de fotografar, Cláudia também tem um podcast, o Nhamy, que surgiu da sua necessidade de dar voz às pessoas negras no mundo gastronómico. Percebeu que o facto de ser sempre a única pessoa negra convidada para fazer reviews em restaurantes não representava um privilégio. “O meu podcast surgiu da minha necessidade de… Repara, eu demorei algum tempo a perceber que o facto de eu ser a única negra em determinado sítio não era um privilégio meu, mas um erro do sistema. Quando percebi isso, decidi que ia tentar mudar, fazer a minha parte. Era convidada para estes eventos, para fazer reviews de restaurantes, mas era sempre a única negra dentro da área da gastronomia. E comecei a questionar: onde estão os outros? Eu não posso ser a única a fazer as coisas bem. Não posso. E então o podcast surgiu mesmo desta necessidade, de querer trazer essas histórias, de querer mostrar que há pessoas negras que estão a mudar a área da gastronomia e que, por uma razão ou outra, não são visíveis.”



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