Marcas por escrever
Contactos
BantuLoja
Pesquisa
Partilhar
X
Para Cleo Diára, foi a coragem que a levou a abraçar a carreira artística. A atriz cabo-verdiana, que se destacou nos últimos anos no teatro, cinema e televisão, explica que essa determinação a fez abandonar o curso de Finanças e Contabilidade, onde era profundamente infeliz, para seguir o sonho que a acompanhava desde a infância: estar nos palcos. Cleo afirma que foi necessário reconhecer os seus desejos e sonhos e permitir-se concretizá-los. “Muitas vezes, a carreira artística é apresentada como algo que só acontece aos outros”, comenta. Embora reconheça as dificuldades do ofício, ela acredita que tentar é essencial. “O nosso medo e o receio do que os outros possam pensar, frequentemente, impedem-nos de seguir o que realmente queremos fazer”, observa.
Nascida na Cidade da Praia, em Cabo Verde, Cleo mudou-se para Portugal aos 10 anos. No seu percurso, destacou-se nos palcos, especialmente depois de, ao lado das artistas Isabel Zuaa e Nádia Yracema, ter conquistado a Bolsa Amélia Rey Colaço em 2020 com o projeto “Aurora Negra”. Cleo também se destacou no audiovisual, com participações em filmes como “Diamantino”, de Gabriel Abrantes e Daniel Schmidt, que se destacou no Festival de Cannes em 2018. A atriz integrou ainda projetos como “Verão Danado”, de Pedro Cabeleira, e “Diára”, próximo filme de Pedro Pinho, que ela descreve como um dos trabalhos mais ricos e densos da sua carreira: “Contém muito de mim, foi um processo que fui idealizando e questionando com o realizador”, explica.
Mesmo que muitas vezes esses nomes não estejam inscritos na história ou em museus, e que tentem apagar essas presenças, há arquivos fotográficos que provam o contrário
Cleo Diára
A primeira vez que se viu representada nas telas foi ainda criança, ao assistir à atriz Taís Araújo na telenovela brasileira “Chica da Silva”. Naquela época, o contacto com outras realidades chegava através das telenovelas brasileiras e das fitas VHS alugadas em família. Cleo também recorda pessoas inspiradoras no seu círculo íntimo, como Mário Coelho, que considera um artista genial e uma das pessoas mais importantes no seu percurso artístico. Destaca também a relevância de Isabel Zuaa e Nádia Yracema, descritas como artistas corajosas e inquietas, com quem constrói um caminho repleto de complexidades e realizações.
Refletindo sobre o percurso de uma artista negra em Portugal, Cleo sublinha que outros profissionais já pavimentaram o caminho para as novas gerações. “Mesmo que muitas vezes esses nomes não estejam inscritos na história ou em museus, e que tentem apagar essas presenças, há arquivos fotográficos que provam o contrário. Precisamos de reconhecer que este caminho já vem de longe”, defende.
Selecionar projetos é também uma forma de preparar o cenário artístico para o futuro, recusando papéis que reforcem estereótipos. “Este é um percurso marcado pela resiliência e coragem para dizer ‘não’ a certos trabalhos que não dignificam o nosso corpo. Contudo, nem sempre temos o privilégio de recusar e muitas vezes aguardamos que o telefone toque”, diz.
Diára enfatiza a necessidade de ultrapassar a escolha baseada apenas na cor da pele e focar na humanidade das personagens. “Ainda se pensa primeiro na cor da pele e só depois nas características humanas como mãe, advogado ou amante. Precisamos de humanizar a nossa existência em toda a sua complexidade e magnitude, pois temos contributos a fazer além dos temas de negritude ou racismo”, salienta.
Cleo Diára | 📸 ©FIlipe Ferreira
O projeto “Aurora Negra” celebra a narrativa de corpos negros e surgiu em 2016, quando Isabel Zuaa regressou de uma temporada no Brasil e convidou Cleo e Nádia Yracema para idealizar uma instalação-performance sobre práticas ritualísticas. Após uma pausa por falta de financiamento, decidiram candidatar-se à Bolsa Amélia Rey Colaço em 2019, e o projeto avançou. “Queríamos dar voz aos nossos sonhos, criar utopias, celebrar a nossa existência e ancestralidade, e representar a mulher negra sem estereótipos”, explica Cleo.
Abordando temas como ancestralidade, identidade e memória, o espetáculo exalta a história de mulheres ao redor do mundo. “Queríamos homenagear mulheres negras que foram fundamentais na construção da nossa identidade. Para nós, o racismo não é o tema central do espetáculo; pretendíamos celebrar as nossas vivências e questionar o nosso ‘entre-lugar’ como afrodescendentes que cresceram em Portugal”, relata. O seu nome artístico, “Diára”, que significa “presente”, surgiu após esta jornada.
Sobre a arte como ferramenta de conscientização, Cleo cita Nina Simone: “O dever de um artista é refletir o seu tempo”. Cleo acrescenta que a arte é um lugar onde pode colocar as suas dúvidas e aspirações: “A arte deve ser um espaço onde compreendemos o outro, mesmo que seja diferente de nós, sendo uma ponte de aproximação enquanto humanidade. É o estágio inicial da possibilidade do real”, descreve.
Atualmente, Cleo Diára desenvolve projetos de autoria própria e afirma que deseja continuar a construir histórias que reflitam as suas inquietações. Foi esse desejo que a levou a criar a série “Love Me, Love Me”, finalista do programa Pitch Me, da Academia Portuguesa de Cinema e Netflix. No teatro, estará em espetáculos como “Quando eu morrer, vou fazer filmes no inferno”, na Culturgest, “O dia em que decidi encenar O Principezinho”, no Lu.CA, e “Aquela Canção Sobre o Fim” no São Luiz Teatro Municipal. Em 2025, Cleo integrará ainda o elenco de dois longas-metragens.
Relembramos-te que podes ouvir os nossos podcasts através da Apple Podcasts e Spotify e as entrevistas vídeo estão disponíveis no nosso canal de YouTube.
Para sugerir correções ou assuntos que gostarias de ler, ver ou ouvir na BANTUMEN, envia-nos um email para redacao@bantumen.com.
Recomendações
Marcas por escrever
Contactos
BantuLoja
© BANTUMEN 2024