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Elias Macovela, vinhos que fundem a herança moçambicana com a pureza da natureza

25 de Agosto de 2024
Elias Macovela entrevista
Elias Macovela | 📸 ©Rui Gaudêncio

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Aos 20 anos, quando saiu de Moçambique para rumar a portugal, não consumia uma gota de álcool e assim continuou por mais quatro ou cinco anos. Hoje, é um confesso apreciador, enólogo e produtor. Para desmistificar este seu universo fascinante, a BANTUMEN entrevistou Elias Macovela, que revelou o seu passo a passo na área.


Foi numa adega artesanal e local que encontrou e entendeu o verdadeiro encanto de um bom vinho. Fez amizade com o dono do espaço e, desde então, passou a juntar-se a ele e a alguns amigos para sessões de degustação. “Provávamos vinhos, saboreavamos petiscos e, após cada prova, ele oferecia-me umas quantas garrafas, que eu tinha depois a oportunidade de partilhar com a minha família. Depois de uns anos, o interesse e a curiosidade despertaram. Juntamente com a influência de alguns amigos, incluindo o grande enófilo são tomense Abílio Bragança Neto e um amigo próximo, o [ator] Ângelo Torres, comecei a investir um pouco mais através de eventos, livros, coleccionar vinhos e a educar-me bastante sobre o ramo”, disse Elias à BANTUMEN.


Foi aí que ganhou inspiração para se decidir a criar o blog, “O Vinho é Efémero”. “A habilidade de poderes ter o teu espaço e, com o devido tempo, teres a oportunidade de dissecar o quão valioso é o momento em que saboreias um vinho, e colocares os teus pensamentos, sentimentos e ideias num só lugar, não tem igual”, desabafa o enófilo com um brilho nos olhos. “Publicares esse conhecimento todo, em escrito e simultaneamente poderes colocar as tuas impressões, especialmente sobre vinho, é demais. O vinho tem interpretações muito subjectivas e cada um de nós sente o vinho à sua maneira. E é algo que vale muito a pena explorar. Através do blog, várias portas abriram-se e encontrei-me numa comunidade que vai desde as adegas aos grandes e pequenos produtores de vinho. E foi assim que senti o chamamento da terra e do vinho, em 2014”, avançou. A fase de preparação para começar a investir no setor trouxe consigo várias mudanças. Com o tempo, Elias Macovela teve de apostar na vida no campo por vários meses ao longo do ano e dedicar muito tempo aos estudos.

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Elias Macovela entrevista

 

Foi aí que Elias ganhou inspiração para se decidir a criar o blog, “O Vinho é Efémero”. “A habilidade de poderes ter o teu espaço e, com o devido tempo, teres a oportunidade de dissecar o quão valioso é o momento em que saboreias um vinho, e colocares os teus pensamentos, sentimentos e ideias num só lugar, não tem igual”, desabafa o enófilo com um brilho nos olhos. “Publicares esse conhecimento todo, em escrito e simultaneamente poderes colocar as tuas impressões, especialmente sobre vinho, é demais. O vinho tem interpretações muito subjectivas e cada um de nós sente o vinho à sua maneira. E é algo que vale muito a pena explorar. Através do blog, várias portas abriram-se e encontrei-me numa comunidade que vai desde as adegas aos grandes e pequenos produtores de vinho. E foi assim que senti o chamamento da terra e do vinho, em 2014”, avançou. A fase de preparação para começar a investir no setor trouxe consigo várias mudanças. Com o tempo, Elias Macovela teve de apostar na vida no campo por vários meses ao longo do ano e dedicar muito tempo aos estudos. Entretanto, as vindimas foram-se sucedendo e agora prepara-se para o lançamento dos seus novos vinhos. 


Quando abordamos questões sobre os valores, acessibilidade e comunidade negra em Portugal, os seus vinhos têm um preço médio-alto porque refletem a qualidade e o investimento pessoal e financeiro que tem vindo a aplicar nos últimos anos. “Este é o meu trabalho e tenho que ser remunerado também. De qualquer forma, enfatizo todos os dias que dentro das minhas possibilidades, e sem comprometer o meu negócio, estou disposto a fazer bastante para que possa incluir a nossa comunidade nesta jornada e para que se sintam parte deste mundo”.


Elias nasceu e cresceu em Moçambique e, mesmo estando bem integrado em Portugal, ao ponto de investir na enologia e passar a maioria dos seus dias no campo, o produtor clarifica que tem acesso a diferentes perspectivas das realidades onde se insere. A sua dedicação e ocupação passam também por espelhar Moçambique através das suas garrafas. “Estou a trabalhar para que toda a minha cultura possa ser inserida na minha forma de fazer vinho. E quando digo toda, inclui-se literalmente tudo. De momento, tenho dois vinhos, tinto e branco, com nomes [tradicionais] moçambicanos que serão lançados brevemente. O nome será Milorho’, oriundo da língua Ronga, de Maputo, e significa ‘Sonhos e Utopias’. O vinho para mim é exatamente isso. Sonhamos fazer e esperamos concretizar. Contudo, esse sonho está sujeito a morrer na praia por causas naturais. Por exemplo, este ano, estamos a ter uma pressão enorme de chuva, granizo e doenças na vinha e isto impacta a nossa colheita. Consequentemente, agora com as ondas de calor, podemos finalmente respirar de alívio porque a humidade estará a nosso favor. E, mesmo assim, não podemos baixar a guarda porque virão outros desafios. Então, o sonho pode tornar-se facilmente numa utopia porque choveu muito. E acaba por ser uma corrida contra o tempo e com uma lista interminável de obstáculos”, explicou.

"Agora tenho o poder de alinhar os meus vinhos com a minha cultura"

Elias Macovela

Elias Macovela entrevista

📸 Theo Gould

O produtor também menciona que a sua segunda linha de vinhos inclui o nome ‘Nyeleti’, também em Ronga e que significa estrelas. “O nome surgiu de um momento em que eu fazia os meus vinhos numa determinada adega e ‘vi estrelas’ quando me disseram que teriam de se livrar do vinho. Naquela altura, eu estava fora. Fiz a vindima de um vinho branco e no meio da vindima, parei porque tinha o concurso de vinhos na Alemanha. Enquanto o vinho fermentava, entraram em contacto comigo e disseram-me que o meu vinho tresandava e que estava a contaminar os outros vinhos à sua volta. Recusei-me a aceitá-lo, então eles lá deixaram o vinho à porta. Eu mal chego a Lisboa, é tudo uma correria e enfio-me logo no primeiro comboio que pude para a Bairrada”, conta Elias emocionado. 


Ao chegar à adega, abre a porta, dirige-se directamente ao vinho, cheira, prova e apercebe-se que o vinho estava “simplesmente incrível”. “E é uma história que me orgulho de contar. Agora tenho o poder de alinhar os meus dois vinhos com a minha cultura e aprofundá-los na minha história através de uma das minhas línguas maternas”.  


No que toca a diversidade na indústria do vinho e quais são os principais desafios que observou, Elias admite que tem o privilégio de não ter nada do que se queixar. “Não querendo desconsiderar ou ignorar a discriminação que existe no sector, porque ela existe, no meu caso, eu não me posso queixar porque tenho feito o que quero, sou extremamente bem recebido onde me encontro e isso é realmente uma coisa extraordinária”, exprime. “Todavia, tenho um amigo cabo-verdiano, Pedro Pereira, conhecido por Piduca, que após vários anos de dedicação ao sector, ao estudar enologia, ganhar qualificações e experiência como enólogo, encontrou várias barreiras no início da carreira e foi bastante maltratado. Tanto que ele pensou em desistir. Hoje, mesmo não tendo desistido, ele decidiu explorar além do que conhecia e investiu pelo lado mais técnico do ramo”. Com muitas portas fechadas ou entreabertas, mas perras, Pedro decidiu abrir as suas próprias janelas com o conhecimento que adquiriu ao longo dos anos e fundou uma empresa que presta serviços de estabilização de vinhos, que consiste em recuperar vinhos que se encontram estragados. Assim, mesmo que não se possa queixar da falta de oportunidades, Elias afirma que a realidade é que também nos cabe a todos criar as nossas oportunidades.


Ademais, numa perspetiva comercial, acredita que a indústria vinícola em Portugal ainda não compreendeu completamente o potencial dos consumidores na comunidade afrodescendente, não explorando este mercado. 


Na sua perspetiva educacional, Elias gostaria de ver mais sommeliers, produtores e enólogos negros, pois, atualmente, a proporção é extremamente baixa. Ele espera que o próximo passo da comunidade seja incentivar jovens que estão a terminar o décimo segundo ano a considerar estudar agronomia, enologia, engenharia, ou inscreverem-se numa escola superior de turismo para se tornarem sommeliers. Sejam jovens da Amadora, Sintra ou de qualquer outra localidade, quer que estes sintam-se à vontade para explorar estes cursos. O produtor aconselha os jovens a familiarizarem-se com os vinhos e a terem uma vontade constante de aprender. Isso implica envolver-se com pessoas que partilham a mesma paixão, provar vinhos com elas, dedicar tempo a livros e vlogs, e começar por aí. Comprar vinhos também é essencial. E se o envolvimento se tornar mais sério, recomenda procurar ensino ou formação profissional para moldar bem esse objetivo.

Ao contemplar o poder do vinho como uma ponte para unir pessoas de diferentes origens, o enólogo e produtor realça que é costume em Portugal dizer-se que o vinho junta as pessoas. “E eu acredito bastante nisso. A partir do momento em que me sento numa esplanada e abro uma garrafa sozinho, se aparecer alguém ofereço-lhe um copo de vinho. Logo, é quase garantido que essa pessoa se vai sentir à vontade para falar comigo e experienciar aquele momento em paz. Fica tudo para trás porque, naquele momento, tudo o que interessa é desfrutar de um bom copo de vinho. E é isso o que o vinho faz. O vinho junta as pessoas e faz com que amizades, relações e sinergias se desenvolvam. Sem complexos e dificuldades, acredito que o vinho é uma grande arma para desbloquear situações”, garante. 


Elias acredita que "domar" o vinho, como se diz na gíria, significa adicionar elementos para torná-lo mais palatável ou fácil de beber. Ele opta por não seguir essa abordagem. O saber fazer de Elias é puro, com pouca intervenção e utilização mínima de químicos, sejam eles corantes, descolorantes ou estabilizantes. A única substância que adiciona é anidrido sulfuroso, um conservante natural que previne que o vinho se transforme em vinagre. Mesmo assim, utiliza-o em quantidades muito baixas, quase imperceptíveis, e apenas em raras ocasiões. “Eu não quero domar o vinho mas sim conduzi-lo. Ao fim e ao cabo, quando tentamos domar o que quer que seja, nunca corre bem. Mas quando o conduzimos e agimos de maneira diferente, os resultados são sempre muito bons”, sublinhou.  


Devido às suas inúmeras responsabilidades e carga horária, Elias acaba de sair de um grande projeto no Douro, no qual esteve envolvido desde o início. O proprietário deste projeto é um norte-americano que incumbiu Elias de encontrar um espaço em Portugal para que ele pudesse construir o seu empreendimento. Com o dono a viver nos EUA, Elias ficou responsável pelo desenvolvimento do projeto em Portugal. Ele encontrou o local ideal no Douro, adquiriu o espaço e começou a desenvolver o projeto de vinhos. No entanto, devido à enorme exigência e ao tempo que este projeto requeria, Elias decidiu, no início deste ano, dar um passo atrás e afastar-se para poder focar-se exclusivamente no seu próprio empreendimento. “Trabalho em outras regiões [Bairrada, Dão e Beira Interior], tenho duas filhas e, sinceramente, é muito trabalho. Mesmo sendo separado, as minhas filhas precisam de ter acesso a mim e à minha atenção da mesma forma. Ou seja, dividir o meu tempo entre os três foi bastante difícil e admito que estava quase à beira de um esgotamento porque exigia muito de mim. Agora que tenho mais espaço e tempo, encontro-me mais focado no meu projeto e sei em que tenho de trabalhar”.


Em geral, Elias afirma que aprende todos os dias mas que as maiores lições que teve até hoje incluem saber ouvir e sentir: “Digo isto porque não hesito em ouvir quem quer que seja, porque todos nós temos algo a dizer e, por outro lado, se nos deixarmos sentir, conseguimos perceber tudo o que nos rodeia, incluindo os hábitos da região que eventualmente moldam as características e a personalidade do vinho. Há que saber estar disponível para sentir”. 


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