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Énia Lipanga Leva "Palavras são Palavras" ao Brasil

11 de Agosto de 2024
Énia Lipanga Palavras são Palavras Brasil

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Pronta para a sua primeira digressão internacional, a poetisa e ativista social Énia Lipanga embarca para o Brasil, onde irá apresentar "Composta de Ti(s)", uma tournée que une poesia, ativismo e intercâmbio cultural. Em entrevista à BANTUMEN, Lipanga falou sobre a criação do projeto "Palavras são Palavras" e a expansão da sua carreira.


A digressão, que decorre em agosto e setembro, passará por São Paulo, Rio de Janeiro, Florianópolis e Boa Vista. Em São Paulo, Énia será recebida por poetisas feministas brasileiras e participará numa roda de conversa com a União de Mulheres, além de replicar o sarau "Palavras são Palavras" com poetas locais. No Rio de Janeiro, destacam-se o sarau "E Quando Me Tornei Corpo" e um encontro com a escritora Conceição Evaristo. Em Florianópolis, a artista ministrará uma palestra na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e, em Boa Vista, encerrará a digressão com uma conversa sobre a sua obra e a Moçambicanidade.

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Agenda cultural

Énia, o que nos podes contar sobre ti e sobre este teu projeto que espalha a palavra de outros poetas como tu?


Eu, Énia Lipanga, sou uma voz da periferia. Devido às dificuldades da vida, comecei a escrever como um escape, mas também para dar a conhecer as lutas, sobretudo das mulheres em situação de vulnerabilidade. Ao criar este projeto, queria também um espaço para que minha voz fosse ouvida e para perder o medo dos palcos. Hoje, sou conhecida internacionalmente, tendo saído do meu próprio palco, declamando em plateias abarrotadas e expandindo meu nome através das redes sociais. Quando lancei meu livro, percebi a dimensão do meu impacto, pois o livro esgotou no dia do lançamento, e fui agraciada com a presença de artistas que cresci a admirar. Atualmente, fui apadrinhada através do movimento Incluarte, pelo escritor Mia Couto, o ator Abdil Juma, a banda Kakana, a cantora Sizaquel, e outros artistas renomados. Tenho o privilégio de dividir não apenas o palco, mas a sensibilidade do movimento de arte inclusiva. O palco do "Palavras São Palavras" é, com certeza, o lugar onde a minha carreira foi lançada. 



O que te motivou a criar o projeto "Palavras São Palavras"?


Há 14 anos, havia poucas opções e espaços para expressão livre em Maputo. Existia o "Noites de Poesia", liderado pelo meu mestre e amigo Feling Capela, mas considerava-o um palco elitista, reservado apenas a artistas consagrados. Isso criava uma barreira para novos artistas, especialmente para aqueles de bairros periféricos, que não encontravam um espaço acolhedor para se expressarem. Eu queria criar um sarau onde o artista pudesse se apresentar despido desses rótulos, permitindo que tanto o mais antigo declamador quanto o aspirante recebessem o mesmo tratamento. O objetivo era que todos, independentemente da experiência ou reconhecimento, tivessem uma oportunidade igual de partilhar o seu trabalho e as suas vozes.


E o "Palavras São Palavras" é hoje esse espaço?


Com o tempo, este projeto evoluiu e se tornou num verdadeiro palco de expressão livre, acolhendo especialmente novos artistas que escrevem e declamam poesia. Muitos desses artistas vêm de bairros periféricos e enfrentam dificuldades financeiras significativas. Para teres uma ideia, alguns ainda lutam para arcar com os custos de transporte para participar dos eventos. Em diversas ocasiões, fazemos contribuições para ajudá-los, garantindo que a falta de recursos não seja uma barreira para a participação e expressão artística. O "Palavras São Palavras" tornou-se num espaço onde a arte é democratizada, onde as vozes emergentes podem ser ouvidas e onde a comunidade se reúne para apoiar e celebrar a criatividade de todos os seus membros. É um projeto que transcende a mera performance, tornando-se um movimento de inclusão e empoderamento através da arte e da palavra.

Énia Lipanga Palavras são Palavras Brasil

Énia Lipanga

Énia Lipanga Palavras são Palavras Brasil

credits

Sentes que o projeto está a crescer?


Cresceu bastante e sofre transformações diariamente. No passado, eu produzia o evento praticamente sozinha, sem uma estrutura definida e acontecia esporadicamente. Essa falta de estrutura fazia com que o sarau fosse um evento menos frequente e com menos alcance, muitas vezes dependendo exclusivamente do meu esforço pessoal para acontecer. Há uma década, isso mudou radicalmente. Juntei-me ao grande produtor cultural e meu sócio, Hamilton Chambela. Juntos, demos um novo rosto ao sarau, tornando-o mais organizado e consistente. Com a parceria, conseguimos realizar o sarau "Palavras São Palavras" uma vez por mês, trazendo uma regularidade que antes não existia. Essa organização e consistência permitiram que o evento se estabelecesse como um ponto de encontro fixo para artistas e a comunidade em geral, criando um espaço onde as pessoas sabem que sempre haverá uma oportunidade para compartilhar e apreciar arte. Cada edição do sarau agora acolhe cerca de 400 pessoas. Esse aumento na participação é um indicativo claro do impacto positivo que estamos a ter. A presença de tantos jovens é particularmente gratificante. Muitos deles, durante o nosso evento, ficam distantes das drogas e de outras influências negativas, encontrando no sarau um ambiente seguro e inspirador. O "Palavras São Palavras" não é apenas um evento cultural, é um espaço de mudança político-social. Os temas abordados nas apresentações são urgentes e relevantes, refletindo as questões mais prementes do nosso país, com temas apresentados de diversas formas artísticas, e que promove a reflexão e o debate. Através da arte, estamos a conseguir criar um ambiente onde os jovens podem se engajar em discussões importantes, sentir-se parte de uma comunidade e encontrar inspiração para se afastarem de caminhos prejudiciais. Essa transformação diária e o impacto contínuo são testemunhos do poder da arte e da palavra para mudar vidas.


A iniciativa é tua ou de um coletivo de artistas?


Embora a iniciativa seja minha, o "Palavras São Palavras" não existiria sem o coletivo que se formou quatro anos após o seu surgimento. Poetas como Elcidio BilaCândida NdambePoeta MilitarFazilaMestre Tchaka, e o rapper Rage, que era meu parceiro como MC do evento, foram fundamentais. Mesmo sendo a mentora, o sucesso do sarau deve-se ao apoio e colaboração de muitos artistas talentosos, que permitiram que o "Palavras São Palavras" crescesse e se tornasse o que é hoje.



E que conquistas podemos atribuir ao projeto?


Vários nomes já se destacam e consideram este palco a sua casa, é um lugar onde têm asas para voar e onde podem pousar sempre que necessário. Alguns exemplos são Obedes Obadias, Ivandro Sigaval, Neide Sigauque, Marlen Deyse, Nataca Socre, o músico Vale Valentão, Ema de Jesus, e Lorna Zitha. São poetas que, de forma independente, criam seus próprios saraus, fortalecendo ainda mais a arte e o espaço de declamação de poemas. Somos também os precursores da cena do Slam em Moçambique, com a criação do Moz Slam, a primeira batalha de poesia falada em Moçambique. Este é um palco de voz ativa que ecoa pelo mundo, com representações de slammers moçambicanos em diversos lugares. Anualmente, temos representação de Moçambique no slam mundial em Paris, e temos-nos feito sentir no Brasil, Botsuana, entre outros.

Falar de inclusão não significa apenas adaptar o evento para receber alguém com limitações, mas organizar o evento para acolher todos

Énia Lipanga 

De que forma o "Palavras São Palavras" carimba a sua intervenção inclusiva e porquê?


Lidero o movimento Incluarte, que inclui artistas com deficiência, como Rafael BatamArgentina LuisElisa Gordo, e vários poetas e declamadores surdos. Ao trabalhar com pessoas com deficiência, notei que existia uma lacuna no sarau. Falar de inclusão não significa apenas adaptar o evento para receber alguém com limitações, mas organizar o evento para acolher todos, independentemente da sua condição, com elementos de inclusão, como textos em braille, lugares confortáveis para pessoas com deficiência assistirem ao evento e tradução em língua de sinais. Acolhemos a Mirrely, nossa intérprete residente e coordenadora de advocacia do Incluarte, para que fosse a nossa intérprete residente, e o "Palavras São Palavras" passou a ser um evento de acolhimento e promoção dos direitos humanos das pessoas com deficiência.


Para terminar, o que gostarias de dizer aos jovens que estão a começar as suas próprias aventuras no universo da poesia?


Nunca desistam do rebelde que existe dentro de vocês. Ser jovem é ter a capacidade de realizar mudanças, e isso não exige grandes feitos. Comecem onde estão, com o que têm. Façam na vossa zona, assim como eu declamava na adolescência pelas ruas de Luís Cabral. Juntem amigos, escrevam uma ideia e façam-na acontecer, mesmo que pareça não ter todas as condições para avançar. Apenas comecem.

Relembramos-te que podes ouvir os nossos podcasts através da Apple Podcasts e Spotify e as entrevistas vídeo estão disponíveis no nosso canal de YouTube.

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