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Ilça Morena Zego é a atriz cabo-verdiana que dá vida a Glória, no filme A Ama de Cabo Verde, que acaba de estrear-se em Portugal, depois de ter sido exibido a nível internacional e ter passado pelo Festival de Cannes. A BANTUMEN teve a oportunidade de conversar com a atriz - que pela primeira vez interpretou um papel para o cinema - para contar-nos a sua experiência durante a rodagem deste drama francês, que transmite a dura realidade da imigração, emoções fortes e o poder das grandes recordações da infância.
Uma ama é, muitas vezes, um dos primeiros e principais vínculos afetivos de uma criança fora do seu círculo familiar. Na sua maioria, em troca de um salário nem sempre suficiente, são mulheres imigrantes, que deixaram as suas famílias no país de origem ou que vêem os seus próprios filhos apenas à noite, para cuidarem e dedicarem o seu tempo e carinho a crianças de outras famílias.
É nestas histórias que a francesa Marie Amachoukeli se inspirou para contar aquela que é também a sua experiência. A Ama de Cabo Verde, que teve a sua estreia nos cinemas portugueses a 11 de julho, é uma reflexão sobre uma poderosa relação materna não consanguínea que transcende fronteiras e transforma vidas.
A história desabrocha em França e retrata a vida e o amor entre Cleo, uma menina de seis anos, protagonizada por Louise Mauroy-Panzani, e Glória, a sua ama, encarnada por Ilça Morena Zego. A separação entre as duas acontece quando Glória tem de regressar a Cabo Verde para estar perto dos filhos, deixando a pequena Cleo desolada. Antes de partir, Cléo pede-lhe que prometa um reencontro o mais breve possível. Em resposta, Glória convida-a a passar um último verão juntas, na ilha de Santiago, com a sua família.
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Ilça mudou-se para Paris por motivos de saúde, no entanto, a vida deu mais voltas do que estava à espera. Após temporadas a trabalhar como ama e depois enfermeira em espaços de suporte a adultos com deficiências intelectuais e físicas, o papel de Glória aterrou-lhe nos pés e decidiu dar uma chance a um dos seus vários talentos. Apesar desta ter sido a primeira vez de Ilça a atuar a nível internacional, esteve à altura do papel e tem hipnotizado espectadores com o seu talento nato. Tendo na bagagem a interpretação de várias peças de teatro em Cabo-Verde, ao chegar-lhe aos ouvidos que existia um casting para o papel de Glória, a atriz conta-nos que em duas semanas assegurou o papel e não olhou mais para trás.
“Trabalhei em França como ama também mas, antes de começar a gravar o filme, trabalhava somente como enfermeira. Entre o papel de ama, enfermeira ou de atriz, não importa o momento, como pessoa, eu não mudei”, diz-nos durante a entrevista via Zoom. “Mesmo que tenha sido uma jornada muito positiva, sempre tive em teatros e no mundo do palco; por isso, mesmo que o filme me tenha trazido muito mais do que eu estivesse à espera, porque é algo a nível internacional, incluindo a China, a Grécia, a Itália e tantos outros lugares, pessoalmente ainda vivo com os pés bem assentes no chão e com bastante humildade. E não pretendo perder isso”, sublinha sobre a sua vida após a estreia internacional de A Ama de Cabo Verde.
Devido às semelhanças entre o papel de Glória e a sua vida pessoal, Ilça explica que não teve dificuldades na preparação para a sua representação. “Eu sabia o que vinha com o papel; deram-me umas quantas dicas durante as filmagens mas, em geral, a minha experiência de vida, ao trabalhar com crianças e a minha formação como enfermeira, garantiu que decorresse tudo levemente. Estas experiências permitiram que eu pudesse trabalhar plena e tranquila neste papel. A equipa em si também ajudou imenso porque me deram um senso de serenidade, confiança, calma e sem qualquer pressão”, indica a atriz.
Sobre o que para si é o verdadeiro significado de ama, explica: “A palavra ama, em si, reflete exatamente isso - amar. Neste caso, é amar e cuidar de uma criança que não é tua biologicamente mas a quem estás disposta a dar um amor e carinho incondicional, embarcando assim num papel materno.”
Ao recordar os bastidores, “todos os momentos foram memoráveis para ser sincera. O trabalho em si foi muito acelerado devido à transição de espaços de gravação. Mas em contrapartida, no final de cada dia, era sempre um momento de comemoração acompanhado de muita alegria”, relata enquanto solta um sorriso. A atriz confessa que o que mais a surpreendeu foi o último dia de gravação, visto que não estava à espera que chegasse tão rápido. “Nesse dia, tínhamos acabado de gravar e eu ainda com o microfone e a câmera ainda a gravar, sem me aperceber - o que acontecia várias vezes - falava com alguém com quem contracenava sobre algo não relacionado com o filme. Ou seja, quando me disseram que tínhamos acabado, foi aí que me apercebi que estava a ser gravada o tempo todo! Foi hilariante. Histórias de vida, relatos sobre namorados e muitos mais para que todos pudessem ouvir”, recordou alegremente.
https://www.instagram.com/p/CxAYvONose6/
Em relação a momentos desafiadores ou gratificantes durante as filmagens, existe algo que marcou Ilça e que a fez ver o seu papel através de uma lente totalmente diferente. Além de as filmagens terem passado pelo Tarrafal, o que a atriz considera excepcional, o drama é inspirado por uma história verídica. “Mesmo tendo a história sido adaptada para encaixar um pouco nas minhas próprias experiências, particularmente de imigrante Cabo-Verdiana, o maior desafio foi saber que isto é uma história verídica. E que é a historia da realizadora, a Marie Amachoukeli. Foi uma grande responsabilidade porque é a vida dela”, desabafa.
Inevitavelmente, Ilça questionou-se várias vezes se estaria à altura de tal representação porque, ao fim e ao cabo, se estivesse a gravar a vida de uma outra pessoa, acha que não teria sido tão intenso. “Porém, o facto de ter tido alguém que experienciou esta vida para além de mim, tornou este filme num desafio único. Marie deixou-nos muito à vontade e aconselhou-nos a que déssemos asas à nossa imaginação. Para mim, foi muito gratificante porque não esperava este sucesso todo e em tão pouco tempo. Tanto que me lembro de mencionar à Marie que o filme iria a Cannes e ela chamou-me de maluca e explicou-me o quão difícil é chegar até lá. E olha para nós hoje”. O filme abriu a Semana da Crítica do Festival de Cannes em 2023.
Sobre representação e cultura, esta obra explora tópicos sensíveis, que nos prendem intrinsecamente entre a saudade do passado, a ansiedade do presente e a incerteza de um futuro.
Com projeções a nível internacional, o continente africano também não ficou para trás. Em Cabo Verde entre o Tarrafal, a Assomada e o Palácio presidencial, na ilha de Santiago, Ilça diz-nos que o feedback tem sido bastante positivo, onde quer que se encontrem. “Apresentámos o filme em Cabo-Verde, fomos recebidos pelo Presidente da República na festa de 5 de Julho [Dia da Independência do país], com casa cheia e bastantes aplausos”, descreve a artista. “Foi muito bom poder representar Cabo-Verde. Fiquei sem palavras e é algo memorável que levarei para sempre comigo. Este momento não tem preço. E espero que [artistas cabo-verdianos] tenham espaço para muitas mais obras assim no futuro, porque temos bastante talento mas faltam-nos as oportunidades”.
No que diz respeito a reflexões e impacto do filme, a artista garante-nos que a mensagem principal que gostaria que os espectadores levassem do filme é que consumissem e reconhecessem o amor e a ligação genuína que pode existir entre estrangeiros e nativos. “Não interessa origem, cor ou credo, podemos amar-nos uns aos outros para além das nossas fronteiras e das nossas histórias de vida”.
Sobre o futuro e entre as suas várias facetas, mesmo sempre de pé atrás, porque é bastante supersticiosa e prefere deixar as coisas acontecerem no seu tempo, Ilça confessa que tem dois novos projetos a caminho - uma peca de teatro e uma curta metragem, em que terá o papel de argumentista, produtora e também atriz. Ilça quer continuar no mundo da atuação porque sente que é o seu propósito. Se pudesse escolher que tipo de personagem ou em que tipo de filme atuaria no futuro, a artista desata às gargalhadas, enquanto forma uma pistola com os seus dedos e assegura à BANTUMEN que seria definitivamente um filme de ação devido às aulas de Karaté que tanto amava enquanto criança e ao impacto que grandes estrelas de Hollywood tiveram na sua infância. De Chuck Norris a Bruce Lee, “acho que vos daria uma ótima bandida ou vilã”, remata.
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