A (Des)fronteirização

20 de Janeiro de 2025
fronteiras artigo de opiniao alimo djalo

Partilhar

Desconfortável estava eu desde o momento em que me disseram: “Com o passaporte, quase não pagas nada.” Na minha cabeça, porém, prevalecia a ideia de que “quanto mais se prepara para o pior e espera o melhor, mais tranquilo e leve se segue o caminho do destino.”
De Bissau a Ziguinchor, basta imaginar para visualizar as paupérrimas infraestruturas, um motivo de vergonha para um país cujo passado foi glorioso, mas que parece incapaz de glorificar o árduo trabalho dos combatentes da liberdade da pátria.


O caminho seguiu-se, entre abanões e balanços, enquanto ouvia vozes dessincronizadas, mas de alguma forma harmoniosas. Cada um “puxava a brasa para a sua sardinha”, tentando atrair passageiros para o seu carro. Ainda na paragem, destinada a diferentes zonas, reinava uma mistura de calmaria e agitação: vendedoras esforçavam-se para escoar os seus produtos e passageiros trocavam argumentos e moedas. Segui o conselho recebido: “Quando te pedirem dois mil, oferece mil francos. Assim, não te chateiam. Mas, caso não tenhas trocado, pode ser mau para ti.”


Enquanto o carro andava, revivi um desejo antigo: explorar o continente africano, partir da minha terra e descobrir o que outras me podiam oferecer. Pelo caminho até à terra senegalesa, uma música ecoava na minha cabeça: “Na kaminhu di Sandomingo-Ziguinjoró, n’odja nha korson na findin só pa ela, didi badjuda bonita ku na peran bah lá.” Ao chegar a Ziguinchor, exausto mas bem-humorado, deparei-me com o mesmo cenário de barulhos e movimentações, talvez ainda mais caótico. Em francês, algumas palavras faziam sentido; em wolof, nada.


“O transporte da mala custa mil e quinhentos francos,” dizia o condutor, que eu pensava ser o ajudante. Logo apareceu outro, o verdadeiro ajudante, repetindo o mesmo valor. “Afinal, é uma roubalheira autêntica,” pensei. Paga-se pela viagem e também pela bagagem, o que seria aceitável no caso de uma grande carga, mas não para uma mala de dez quilos.


Alguém sugeriu em francês: “Diz-lhe que tens só quinhentos francos.” Respondi de imediato: “Por acaso, só tenho mesmo quinhentos francos.” Uma senhora ao meu lado, que entendia kriol, tentou ajudar na negociação, mas sem sucesso.


Foi então que me lembrei de “100 Cabral: A Epopeia de um Simples Africano”, uma banda desenhada sobre Amílcar Cabral. Enquanto lia, um homem idoso, curioso, perguntou-me: “É Cabral?” Confirmei, entregando-lhe o livro. Folheou-o com ternura e partilhou memórias vagas sobre Cabral. Foi este homem quem intercedeu por mim, convencendo os responsáveis a aceitarem os meus quinhentos francos.


Antes de seguir para Kaolack, almocei o típico Thiéboudiène com um vendedor de roupa, que me deu dicas sobre a sua cidade e alertou-me para ser cauteloso com os pagamentos. No restante do percurso, descansei, aproveitando a suavidade das estradas senegalesas.


Cheguei a Diamnadio, uma cidade de movimentos improvisados: carros, pessoas, motos, tudo numa mistura caótica e barulhenta. Questionei-me: será que todas as grandes cidades africanas são assim? De onde surgem tantas pessoas? Como sobreviver num espaço tão apertado, com lixo espalhado por toda a parte? Estas perguntas exigem um pensamento mais estruturado.


Após dois dias de introspeção e descanso, regressei à Guiné-Bissau. No caminho de volta, recordei as experiências da ida. Na fronteira, indaguei: “Será sempre assim? Não me vão cobrar mais à frente?” Um agente respondeu: “Vai preparado, porque nunca se sabe.” Ao entrar no Senegal, um agente exigiu dois mil francos sem justificar. Revoltei-me ao ver outros passarem sem pagar, mas percebi que este sistema, montado há anos, dificilmente será alterado.


Tanto na ida quanto no regresso, paguei por tudo e por nada. Bagagens eram revistadas incessantemente. Apesar da necessidade de segurança, a prática parece desvirtuar os ideais pan-africanistas de unidade, mobilidade e partilha cultural. Em vez disso, perpetua-se um sistema neocolonial que divide povos e territórios, desvalorizando os princípios africanos de harmonia e convivência saudável.


As dinâmicas fronteiriças são uma negociata sustentadora de opressão. Falta uma visão progressista que possibilite uma mobilidade segura, capaz de enriquecer os países africanos através do comércio e das trocas culturais. Sem isto, continuaremos a dar tiros no próprio pé, mantendo a lógica colonialista que ainda assombra o continente.



PUBLICIDADE

MREC RAHIZ

"Os artigos de opinião publicados na Bantumen refletem exclusivamente as perspetivas dos seus autores e não representam necessariamente a posição editorial da plataforma."

Relembramos-te que podes ouvir os nossos podcasts através da Apple Podcasts e Spotify e as entrevistas vídeo estão disponíveis no nosso canal de YouTube.

Para sugerir correções ou assuntos que gostarias de ler, ver ou ouvir na BANTUMEN, envia-nos um email para redacao@bantumen.com.

bantumen.com desenvolvido por Bondhabits. Agência de marketing digital e desenvolvimento de websites e desenvolvimento de apps mobile