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“Quando dizemos que queremos fazer uma exposição, as pessoas pensam no elefante, na girafa, não pensam na arte etnográfica”, Paulino Semedo

16 de Fevereiro de 2022
“Quando dizemos que queremos fazer uma exposição, as pessoas pensam no elefante, na girafa, não pensam na arte etnográfica”, Paulino Semedo

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A Galeria African Arte Lisboa nasceu no número 10 B da Rua Sousa Lopes, em Lisboa, a 21 de dezembro de 2019 e é fruto de uma parceria entre o galerista Seydou Mamadou Keita e Paulino Semedo, Conceição Brito e Jeremias Semedo, três irmãos apaixonados pela arte africana. 

Virtualmente, foi Paulino Semedo quem abriu as portas à BANTUMEN para nos falar do espaço, que é a maior galeria especializada em arte africana em Portugal. 

Semedo é formado na área da Engenharia e Gestão, é um curioso que apaixonou-se pela arte africana “por causa de uma máscara” que viu numa ida ao Porto. Foi naquela cidade onde conheceu Seydou Mamadou Keita e onde está sediada a Galeria African Arte. “Foi ele que me abriu a oportunidade de entrar no mundo da arte africana. Algo que não se vê todos os dias. Sou um curioso. Costumo ir a várias galerias, a vários museus. Não é fácil, às vezes, encontrarmos um espaço dedicado à cultura africana como encontrei na minha primeira visita à galeria do Keita”, relata. 

Desde então, tem estudado “todas as noites, porque a arte africana, a cultura africana é uma cultura rica e temos muito para procurar”, explica. 

Meses antes da inauguração da galeria, Paulino e os irmãos tiveram a oportunidade de fazer algumas exposições de um dia de duração em salas de hotéis alugadas, “para ver a aceitabilidade do público aqui na região da grande Lisboa”, relembra. 

Depois da boa receção do público em várias ocasiões, chegaram à conclusão de que precisavam abrir um espaço físico. Assim, desenhou-se o projeto da Galeria African Arte Lisboa. 

Como está descrita no website, o espaço “esforça-se para garantir a propagação e promoção da cultura da arte africana, dos valores culturais e da civilização, trazendo desta forma o ressurgimento da arte africana e as diversas contribuições do povo africano nas correntes universais da arte.”

A galeria lisboeta dá-nos assim as boas-vindas num espaço enriquecido de estátuas, máscara, artefatos utilitários, bronze, terracota, jóias e panos provenientes de países africanos de língua oficial portuguesa, mas também da Costa de Marfim, de Burkina Faso, do Senegal, da Nigéria. “Temos uma diversidade enorme e queremos demonstrar o que é que o continente africano tem de bom”, sublinha Paulino Semedo.

A Galeria African Arte Lisboa “nem sequer se encontra na rua principal da capital”, mas logo no dia da inauguração “recebemos mais de 500 pessoas e na semana a seguir já tínhamos pessoas a vir da Holanda e da Bélgica. Tínhamos pessoas dos Estados Unidos a entrar em contato connosco para agendar uma visita no ano a seguir, em março .”

Mal abriu portas, a galeria teve de as fechar durante os confinamentos, devido à pandemia da Covid-19, e voltaram a abrir com uma exposição “em junho ou julho de 2020.” Paulino recorda que foram convidados a fazer uma exposição numa galeria em Lisboa e, para ele, foi um sucesso inesperado, porque não estava à espera “de ter tantas pessoas para verem uma exposição, principalmente no período de incerteza que estávamos a viver naquela data.” 

Paulino Semedo diz que a Galeria African Arte tem como foco exposições a nível nacional mas também internacional. No entanto, explica, às vezes, pode ser “extremamente complicado” encontrar espaços municipais para fazer exposições. 

Além disso, a dificuldade também repousa na percepção enviesada que as pessoas podem ter ao ouvirem falar numa exposição de arte africana: “Quando dizemos que queremos fazer uma exposição  de arte africana, as pessoas, por norma, pensam no elefante, pensam na girafa, não pensam na arte etnográfica”, argumenta. 

Para corrigir essa pré-concepção, Paulino relembra que começaram a tirar fotografias de algumas peças que, posteriormente, colocavam em anexo no mail que enviavam aos possíveis futuros visitantes. 

“Quando as pessoas abriam o e-mail e começavam a ver as peças de que estávamos a falar, aí já a percepção mudou em relação à arte africana.”

Totalmente financiada pelo privado e sem ajuda do Estado, a Galeria African Arte Lisboa faz exposições temáticas, trazendo aos curiosos um universo estético, mas também didático, onde se privilegia a consciencialização da “verdadeira arte africana” e conhecimento partilhado.

Cerca de 80 por cento das representações da arte africana são dedicados à mulher e à força do feminino

Paulino Semedo

Destes últimos três anos, Paulino destaca a exposição feita no ano passado no Dia da Mãe, dedicada à maternidade e à importância do ser feminino na cultura africana. 

“Dizem que a mulher às vezes não recebe o valor que recebia, porque existem ainda sociedades muito machistas e nós quisemos mostrar o contrário, ou seja, mesmo na representação da arte africana, cerca de 80 por cento das representações da arte africana são dedicadas à mulher e à força do feminino”, explica.

Fora as exposições, a programação da galeria é simples. É-se guiado, enquanto pequenas histórias sobre algumas peças são contadas.  “Infelizmente, não é fácil assim encontrarmos boas referências bibliografias que falem da arte africana. Existem muitos livros, só que os livros, por norma, têm fotografias e depois só o nome das peças, não têm o conteúdo. Estamos atrás do conteúdo para enriquecer os visitantes que cá vêm”, explica. 

Se o próprio Picasso se inspirou na arte africana para ser o Picasso significa que a arte africana tem um valor enorme

Paulino Semedo

A galeria recebe pessoas desde a idade da pré-primária até à casa dos 90 anos e Paulino diz que fica contente quando vê uma criança dentro do estabelecimento. Principalmente quando se trata de “uma criança africana, porque aquilo que fui constatando nos últimos anos é que, lá está, quando se trata da própria cultura, a nossa cultura passa um pouco despercebida para nós”, lamenta. 

Um outro grande objetivo dos fundadores do espaço, prossegue Paulino, é ter mais pessoas do continente africano como visitantes para que as suas experiências sejam contadas e ouvidas, “porque lá está todas as pessoas têm as suas próprias experiências em relação à arte que vive no seu próprio país e é bom também existir essa troca de experiências.”

“Será que temos medo da nossa cultura, será que não conhecemos o verdadeiro valor da nossa cultura?” São questões que chegam à superfície quando se fala “da percentagem muito reduzida” de visitantes africanos. Paulino acredita que a cultura africana tem de ser mais valorizada, porque “se o próprio Picasso se inspirou na arte africana para ser o Picasso significa que a arte africana tem um valor enorme.” 

Paulino é um entusiasta da arte em si e continua a ir a bibliotecas, museus, galerias e falar com colecionadores que já colecionam há décadas, com o objetivo de consolidar o seu conhecimento para que depois o possa partilhar com os outros. Quando questionado sobre que peça de arte ou artista acha que todos deveríamos conhecer, a título pessoal, diz gostar de Pilar Toguna, do edifício Toguna do povo Dogon da região do Mali, pois “têm uma representação forte e o próprio edifício toguna também tem o seu porquê de existir, mas isso é algo que depois poderão vir cá à galeria que eu explico”, afirma, rindo.

Na galeria, está agora a decorrer a exposição “África e as suas Riquezas” e o que a galeria pretende mostrar é que existem diferentes tipos de riqueza quando se fala da cultura africana, desde terracota, colares às “máscaras, estátuas, tecidos – que, às vezes, passam despercebidos. África tem tecidos lindos, por exemplo, pano di terra de Cabo-verde, o pano de Kuba da República Democrática do Congo, o pano Kente do Gana, o pano bogolan do Mali”, explica.

Na agenda de 2022, para além desta exposição mais alargada no tempo permite que “as pessoas venham sem receio daquilo que estamos a ultrapassar agora”, a Galeria African Arte Lisboa pretende fazer um evento no dia de África e “o resto é segredo.”

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