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MIA 2024

Isto vi eu, ninguém me contou

24 de Outubro de 2024
Isto vi eu, ninguém me contou

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Hoje percebi o poder dos meios de comunicação e como manipulam a informação de forma subtil, de modo a que os espectadores tirem conclusões que acreditam ser verdades absolutas e formem opiniões sobre temas externos às suas vidas e realidades. Instigam a polarização em debates televisivos com questões óbvias ou impossíveis de responder face aos dados, e hiperbolizam as ações que decorrem nos terrenos.


Eu sou morador do Bairro do Zambujal há uma década e vivi em vários outros bairros sociais na linha de Sintra. Por motivos profissionais, hoje viajo por todo o país e faço, em média, 100 voos por ano por todo o mundo. Conheço bem a realidade dentro e fora dos Bairros Sociais, e a verdade, de quem esteve presente, é a seguinte:


Odair Moniz, de 43 anos, foi morto pela polícia na madrugada do dia 21. A polícia alegou que o carro onde Odair circulava sozinho era "roubado" (alegação já desmentida pela PSP) e que ele não terá respeitado uma ordem de paragem numa Operação Stop, o que resultou numa perseguição seguida de um despiste e abalroamento de vários carros na rua principal da Cova da Moura. Após ter resistido à detenção e "tentado atacar" os dois agentes presentes com uma arma branca (facto já desmentido pelos dois agentes envolvidos), estes viram-se na necessidade de recorrer à arma de fogo, disparando duas vezes sobre Odair, o que resultou no desfecho trágico.


O sentimento de revolta surgiu na comunidade após a divulgação destas alegações, que contêm informação errada (carro roubado) e duvidosa (atacou os agentes com uma arma branca), cruciais à investigação do caso. A isto juntam-se imagens nas redes sociais que pouco esclarecem a veracidade dos factos apresentados pela polícia. Odair, conhecido por Dá, era referenciado por ser alegre, trabalhador e pacificador, e era respeitado por várias comunidades etnicamente diversas que agora procuram respostas.


Fosse por dor e mágoa, para libertar a frustração de uma sociedade oprimida, por solidariedade ou porque queriam fazer parte do acontecimento, vários jovens fizeram o que acharam necessário para mostrar o seu desagrado face ao acontecimento trágico. Não concordo com atos de vandalismo, mas também não concordo com a violência policial e o abuso de poder que sofremos nos bairros sociais. Triste é dizer que os meios de comunicação vieram até nós e tivemos lugar de fala porque caixotes foram incendiados, e não porque um amigo faleceu.


Antes da intervenção policial no nosso bairro, eu e outros membros da associação de moradores “A Partilha” fizemos questão de trazer para dentro do bairro os meios de comunicação, que não foram mal recebidos, à exceção da CMTV, que teve de se retirar do local. Os depoimentos foram muitos, e os jornalistas tiveram a oportunidade de falar com vários membros da comunidade. Foi-lhes apenas pedido que não filmassem alguns grupos de jovens, o que alguns não respeitaram, causando momentos de tensão entre as duas partes.


A presença dos meios de comunicação protege, de certa forma, a grande maioria da população externa aos distúrbios prepertados pelas forças policiais que, por esta ser considerada uma Zona Urbana Sensível (ZUS), ignoram a necessidade de diferenciar entre os causadores dos desacatos e os restantes habitantes, tratando todos de forma abrupta e agressiva, o que faz com que temam mais a polícia do que o vandalismo.


Sobre as atuações policiais, obviamente necessárias face aos desacatos causados no nosso bairro, existem alguns tópicos que devem ser esclarecidos. Em momento algum houve uma manifestação, e fizemos questão de desmentir essa informação várias vezes. Um grupo de pessoas a gritar em uníssono por si só não representa uma manifestação. É igualmente inaceitável afirmar que se usaram crianças como “escudo”. As crianças nos bairros sociais brincam na rua com outras crianças, como é habitual em aldeias e comunidades pequenas, e naturalmente aproximam-se destes focos de ação. A única pessoa que precisou de cuidados médicos foi agredida pela polícia e nada tinha a ver com os tumultos. A polícia invadiu duas vezes a casa de Odair, arrombou a porta e agrediu pessoas dentro de casa. Na segunda vez, foram forçados a recuar porque estavam na presença de câmaras de televisão e foram abordados por uma advogada, que corajosamente os impediu de avançar.


Resta dizer que o efeito mimético, gerado em diversas outras áreas de Lisboa, é o resultado de um problema comum, causado pela desumanização, segregação e racismo.

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