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Isabel Cardoso-Fonquerle nasceu e cresceu na Guiné-Bissau, filha de mãe guineense e pai cabo-verdiano. É uma mulher com raízes bem assentes naquele país a oeste no continente africano mas foi em França que o gosto, o jeito e a perspicácia em torno do vinho se fizeram brotar.
Um emprego de verão, aparentemente efémero e desfasado de qualquer compromisso mais profundo, escrevia certo por linhas incertas. Lafayette Gourmet, era assim que se chamava a prestigiada adega parisiense em que Isabel descobriu a vontade de se relacionar com o universo dos vinhos. A curiosidade foi-lhe instigada pelo sommelier Bruno Quenioux, que notou em Isabel uma vocação e talento invulgares, tanto como provadora como anfitriã no bar de vinhos e champanhes daquela instituição.
Entretanto, a jovem guineense conheceu aquele que seria o seu futuro sócio e marido, Claude Fonquerle, com quem em 2002 construiu a herdade L’Oustal Blanc, em Livinière, França. São mais de oito hectares onde se prima pela produção auto-sustentável, em agricultura biodinâmica, e cujas práticas garantem a elevada qualidade do vinho mas, sobretudo, respeitam o meio ambiente e o solo em si. Nesta filosofia, Isabel produz quatro vinhos: Tinto K, Branco Naïck, Giocoso, Prima Donna.
Todos os anos, com o aproximar do outono, Isabel e a família acolhem amigos e entusiastas para num ambiente de festa iniciarem as vindimas.
Agora, sozinha na frente do negócio e, apesar de ser um meio ainda bastante masculino e sujeito aos estereótipos, Isabel gostaria de passar o testemunho às filhas e deixá-las um dia gerir o negócio de família, quebrando também outros tabus. “Completamente. É sempre do pai para o filho e nunca do pai para a filha”, diz-nos Isabel. “Quando comecei na área dos vinhos como sommelier, podia contar as mulheres que trabalhavam com os maridos ou sozinhas. Vi muito poucas.”
Todavia, não é só o machismo que ergue muros na resiliência de uma mulher empreendedora negra a viver em França. Também o racismo, demasiadas vezes, se faz presente.
De uma humildade e simpatia genuínas, na conversa via zoom com a redação da BANTUMEN, Isabel contou-nos algumas das situações que observa no seu dia a dia, sobretudo em eventos de degustação.
“Passam em frente de nós, provaram todos os vinhos e vão-se embora. Porquê? Não somos invisíveis. Aconteceu nos Estados Unidos, aconteceu no Brasil, é sempre assim. ‘O que ela faz aqui? Parece que está aqui para lavar os copos, não pode ser produtora de vinhos’. (…) Compreendo, às vezes faz parte da ignorância das pessoas”, contou a empresária.
E porque o racismo, em grande parte implícito, apresenta várias latitudes e facetas, a viticultora e produtora falou-nos sobre uma pergunta feita durante uma entrevista para um meio francês, virado para a Lusofonia, e que a tocou particularmente. O jornalista questionou se Isabel não teve medo de começar este seu negócio. “Para mim, é uma pergunta muito chocante. Mas receio de quê? Nunca me fiz essa pergunta. Nunca. Que na frente dum branco, eu deveria ser inferior, deveria ter medo, nunca me passou pela cabeça.”
Apesar de não se deixar afetar pelo que os outros possam ou não projetar sobre si, Isabel sabe quem é, de onde vem e que legado quer deixar. É com essa premissa que sempre educou as filhas. “As minhas filhas são mestiças. A terceira é loira com olhos verdes. E, quando eram pequeninas, fazia-lhes tranças e dizia ‘vocês são africanas’”.
Essa sua forma aguerrida de ver e enfrentar a vida leva-a a olhar para o continente africano numa perspetiva de futuro. É na Guiné-Bissau onde está agora investida a apoiar novos empreendedores, novas ideias e projetos, e onde quer ajudar a criar uma ONG que fomente o sentido de empreendedorismo e desenvolvimento local. “Sou voluntária para ajudar e participar noutras coisas, sobretudo acerca de África, nisto sou a 100%, sempre fui assim” disse-nos.
A experiência e saber viver de Isabel Fonquerle mereceram uma menção no livro autobiográfico In Vino Femina (Hachette), que conta as tribulações de uma mulher nesse ambiente ainda tão fechado, conservador e muitas vezes machista que é o mondovino.
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