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Melissa Rodrigues é uma artista visual, curadora e arte-educadora cabo-verdiana, nascida na cidade da Praia em 1985. Com um nome cuja fonética varia consoante as origens de quem a si se apresenta, Melissa também é de Lisboa e do Porto.
Uma artista contemporânea, conectada com o presente e o passado, e, sobretudo, com o que está a acontecer nas diferentes diásporas africanas. “O meu papel, o meu olhar, enquanto artista e também enquanto curadora, enquanto alguém que pensa arte, que escreve sobre arte, que cria arte e alguém que organiza exposições, que faz curadoria no sentido de cuidar de exposições, de cuidar de artistas, é um olhar sempre muito de tentar criar redes, tentar criar ligações, tentar conectar pontos e linhas. Então, para mim, sou essas coisas todas, ou tento fazer essas coisas todas. Tento estar estar nesse lugar de pensar arte contemporânea enquanto um lugar de possibilidade”, explica-nos sobre a sua visão artística, reveladora da sua essência humana.
Licenciada em Antropologia, pela Universidade Nova de Lisboa, e com uma pós-graduação em Performance, pela Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, o seu trabalho artístico centra-se na performance e na imagem, explorando temas como a identidade, memória, colonialismo e representações do corpo negro. É exatamente sobre esses temas que giram à volta desta conversa, tida no bairro lisboeta que a viu crescer, a Serafina.
Melissa falou-nos sobre a relevância de romper com perspetivas individualistas e fetichistas na arte, defendendo que esta deve estar ao serviço da comunidade e funcionar como uma ferramenta de rutura e transformação social. Na sua perspetiva, a arte deve estar ao serviço da sociedade, funcionando como uma ferramenta de rutura e transformação social que vá além do sucesso individual. "A arte tem que estar ao serviço da sociedade, tem que estar ao serviço do coletivo, tem que estar ao serviço da comunidade”, afirmou para as câmeras da BANTUMEN.
"Aprendi a não ter medo porque também já fiz de tudo, também já limpei merda do chão. É preciso muita coragem, é preciso não ter nada a perder"
Melissa Rodrigues
Sobre os desafios estruturais do racismo e a necessidade de coragem e organização coletiva para enfrentá-los, Melissa destaca também a questão do capitalismo e como este influencia a mercantilização do corpo negro, questionando quem realmente beneficia com a “visibilidade” como moeda de troca.
Foi com essa visão, de reforçar ligações e proteção, que a União Negra das Artes (UNA), ergueu-se em 2021, porque as redes e conexões entre artistas e comunidades, potenciam o pensamento coletivo e político. Desde a sua fundação, a UNA tem trabalhado no mapeamento de artistas negros em Portugal, visando aumentar a visibilidade e representatividade destes profissionais nas instituições culturais. “É preciso perceber quem somos, em que áreas trabalhamos e o que estamos a fazer, para depois podermos tratar esses dados. As instituições e estruturas artísticas dizem-nos ‘ah, mas nós não conhecemos artistas negros. Nós não sabemos quem é que vocês são, nós não temos contatos’. Então, nós, UNA, ao ter essa base de dados: ‘está aqui’. Não podem dizer que não existe. Temos 500, 600, 700 pessoas negras [artistas] a trabalhar em Portugal em diferentes áreas. Como é que vocês dizem que não existimos? Como é que vocês continuam a fazer curadorias sem nós? Como é que continuam a falar em racismo e a fazer debates, conferências, conversas, e nós não estamos lá? Estão a falar de nós, sobre nós, sem nós. Então, a UNA vai muito nesse sentido. E vai também no sentido de criar uma comunidade de cuidado. É isso, podermos falar por nós mesmos, podermos criar a nossa arte de forma o mais livre possível dentro das várias barreiras que existem.”
Melissa Rodrigues | 📸 BANTUMEN/Celestino Bastos
Ao longo da entrevista, Melissa Rodrigues reforçou também a necessidade de um pensamento coletivo radical e de uma imaginação coletiva que permita a construção de futuros diferentes para as próximas gerações. Acredita que a arte, enquanto espaço de possibilidade e impossibilidade, é uma ferramenta poderosa para repensar e romper com estruturas opressivas, promovendo novas formas de existência e resistência coletiva.
A curadora questionou ainda quem realmente beneficia da crescente visibilidade de artistas negros e enfatizou que a mudança só será significativa quando as comunidades puderem usufruir dos frutos desse reconhecimento. "Há um mercado muito fetichista, que deseja muito ter o corpo negro. A minha pergunta é: o que é que nós realmente recebemos com isso? E a comunidade? As outras pessoas negras, o que é que elas estão a usufruir com isso?”, indagou. "Temos de saber a quem dar as mãos. A nossa existência é política, por isso é que eu sou ativista”, continuou, reforçando a necessidade de haver consciência coletiva, especialmente nas diásporas.
Ainda assim, é preciso coragem para enfrentar as dificuldades e não ceder ao medo, mesmo em situações adversas. "Aprendi a não ter medo porque também já fiz de tudo, também já limpei merda do chão. É preciso muita coragem, é preciso não ter nada a perder”, concluiu.
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