Humor, identidade e imigração: O percurso de Miro Vemba e Scaitt em Portugal

27 de Abril de 2025

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Prestes a subirem ao palco em Angola, a 3 de maio, com o espetáculo Ministério da Piada, Miro Vemba e Scaitt são dois humoristas angolanos com trajetórias distintas, mas com um objetivo comum: consolidar o seu lugar na cena humorística em Portugal. Entre o microfone do stand-up e os palcos da televisão, os dois artistas partilham reflexões sobre o percurso, os desafios e as dinâmicas que atravessam o humor negro em território europeu.


“Quando cheguei, comecei a sentir que eles [os portugueses] têm uma estrutura que nós, enquanto angolanos, não temos”, diz Scaitt, ao comparar os circuitos de comédia nos dois países. Em Angola, segundo relata, o humor surge muitas vezes como segmento de festas ou eventos generalistas, sem um espaço próprio. “Cá, eles têm, por exemplo, o palco da comédia, coisa que nós não temos. Sai o kudurista, entra um humorista”, descreve.


Ambos reconhecem que o humor pode ser um espaço de resistência e crítica social, mas que essa ousadia ainda provoca desconforto. “Os portugueses estão habituados a ver pretos a gozar com a situação que eles próprios criaram”, afirma Miro Vemba. Contudo, a provocação e o questionamento nem sempre são bem recebidos: “Quando estás tu para provocar ou questionar alguma coisa que eles fazem, ainda cria constrangimento”.


Apesar disso, os dois sentem que o cenário está a mudar. “Já temos africanos aqui a fazer bem aos portugueses. É uma construção saudável”, acrescenta Miro. O crescimento de artistas negros no panorama mediático português é visível, mas continua a levantar interrogações sobre a forma como a sua presença é enquadrada.


Miro Vemba ganhou visibilidade junto do público português ao participar no Big Brother Famosos, da TVI, em 2022. “Conheceram o Miro, mas não o artista. Não conheceram o Miro, o ser humano”, recorda. Para si, a experiência foi “mais importante do que promover a arte”: permitiu mostrar “que nós [africanos] não somos só os confusos, os que gritam”. Irmão do também humorista Gilmário Vemba, Miro não esconde o impacto do laço que os une. Embora reconheça que inicialmente isso tenha gerado pressão e comparações, vê a ligação como uma “bênção” e uma “alegria”.


É como o rap, uma arte coletiva. Ninguém rouba o teu lugar porque cada um traz o seu texto, a sua visão

Miro Vemba


Scaitt, por sua vez, encontrou no Got Talent Portugal uma alavanca para o seu percurso artístico. Chegou às meias-finais e descreve o programa como “um catalisador da carreira”. Revela que, desde então, está a #+”receber convites, a marcar outros passos”. Ambos reconhecem, no entanto, que a presença mediática também traz responsabilidades. “Quando apareces num vídeo que se torna viral, já não estás só a representar-te. Estás a representar a tua família, o teu país, a tua cultura”, diz Scaitt.


A ideia de competitividade entre humoristas africanos não faz sentido para os comediantes. “É como o rap, uma arte coletiva. Ninguém rouba o teu lugar porque cada um traz o seu texto, a sua visão”, explica Scaitt. Os dois lamentam a falta de união entre artistas africanos em Portugal e criticam a fragmentação que enfraquece a criação de uma indústria sólida. “Cada um cria a sua base e não há troca. Unidos conseguimos romper mais barreiras”, afirma.


Defendem que o humor africano em Portugal deve ser transversal, e não restrito à sua própria comunidade. “A arte não tem casa. Até a arte é imigrante. Vai para todo lado”, sintetiza Scaitt. Para Miro, a integração plena implica naturalidade: “Quero que seja normal ver um humorista preto num palco. Não quero que seja uma surpresa.”


Um dos temas que mais atravessa o discurso dos dois humoristas é a falta de uma cultura de consumo de espetáculo dentro da própria comunidade africana em Portugal. “Ainda não temos aquele hábito de ir ver espetáculo, sentar sem ter uma bebida”, aponta Miro. Acrescenta que, por vezes, os eventos africanos não enchem por falta de hábito ou por questões socioeconómicas. “Os brancos são os que pagam bilhete. Vamos ser claros.”


Ao mesmo tempo, os artistas alertam para a ilusão da fama associada à emigração. “É possível ter sucesso e não ter dinheiro. Como é possível ter dinheiro e não ter sucesso”, afirma Scaitt. A sua presença em Portugal é também um processo de crescimento pessoal. “Hoje, eu já dou valor a cada cêntimo que ganho. Este país educou-me financeiramente”, conta.


Apesar de falar português, Miro ressalva que a adaptação à linguagem portuguesa não foi simples. “O grande erro que nós cometemos era tentar ser português. Mas o português não quer que tu sejas português. Ele quer que tu faças a tua cena, sendo tu”, diz Miro. Para ambos, o segredo está em manter a perspetiva e a essência africana, mesmo quando é necessário ajustar o vocabulário ou o ritmo.


E mesmo com o crescimento na cena nacional, subsiste a desconfiança. Scaitt admite que, no início, achava que era convidado “só para preencher cota”. Mas hoje, afirma: “Sei que me convidam porque sou bom”.

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