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Nilsa Carona é uma criadora de conteúdos moçambicana que conquistou o TikTok com as suas receitas que “não podem faltar” em casa. Em conversa com a BANTUMEN, Nilsa fala-nos um pouco sobre como um imprevisto no trabalho despertou a sua paixão pela culinária, e da importância do sentido de lar.
Nilsa nasceu em Vilanculos, na província de Inhambane, em Moçambique. Logo de início, conta-nos que o amor pela culinária sempre esteve presente, desde a infância, em refeições em família ou encontros em comunidade. “Eu acredito que seja um dom. A minha mãe sempre me ensinou a cozinhar, então eu sempre gostei de ver minha mãe preparando as comidas. No início, minha mãe frequentava um curso de uma senhora, uma pastora, que era brasileira e cozinhava muito bem. E minha mãe começou a cozinhar de uma maneira extraordinária lá em casa e eu queria sempre ir lá ver. Mas sabes como são as mães: ‘Não, não mexe no lume senão ainda te queimas’. E mais tarde, eu não sabia que tinha essa paixão pela cozinha", diz.
Aos 24 anos, licenciou-se em Recursos Humanos, área que exerce até hoje. Começou a trabalhar numa reserva em Niassa, no norte de Moçambique, onde os recursos eram quase escassos. Num certo dia, o cozinheiro da empresa adoeceu e, foi aí que o seu dom despertou. “O cozinheiro fica doente, nós tínhamos clientes e lá não tinha ninguém (para o substituir) porque estávamos a 30 km da outra povoação e a 260 km da cidade mais próxima. Então, é muito longe e eu disse assim ao Hugo, ao meu esposo que naquela altura não era meu esposo: ‘Olha, se quiseres, eu dou um jeito na cozinha e os clientes daqui a sete dias vão embora. Eu dou um jeito na cozinha e tu já tens tempo para procurar alguém para substituir o cozinheiro’”. A criadora de conteúdos confessou que na altura não prometeu nada e que estava sem expectativas da reação dos colaboradores. No entanto, após alguns dias, os clientes já pediam para que continuasse na função. “No primeiro dia foi extraordinário, no segundo eram elogios e já os clientes diziam assim: ‘Oh Nilsa, eu acho que é melhor tu começares a exercer essa função de cozinha’ e ficou assim. E nunca mais saí da cozinha”, descreve.
A criadora de conteúdo vive entre Portugal e Moçambique, passando metade do ano num país e a outra metade noutro, porém confessa que se sente mais em casa em Portugal porque é onde a sua família se encontra completa. Em 2020, no início da pandemia, abriu uma empresa onde preparava refeições e fazia entregas. No entanto, teve de parar pois fazia tudo sozinha e acabou por ter um AVC. Contudo, num período onde o uso das redes sociais aumentou, a filha mais velha de Nilsa sugeriu que partilhasse o seu dom com a internet. Por timidez, Nilsa sentiu-se um pouco reticente em fazer vídeos, por isso começou por, primeiro, partilhar fotos dos seus cozinhados no Tik Tok. Em seguida, decidiu gravar vídeos de trinta segundos, mas utilizando apenas música de fundo. Quando ganhou coragem, publicou o seu primeiro vídeo, utilizando a sua “dicção de milhões” como diz e, ao seu espanto, o vídeo atingiu 4 milhões de visualizações. “A minha filha disse: ‘Mãe, as pessoas gostam que tu fales’ e eu: ‘Não, tenho vergonha’. Acho que levei seis meses para gravar e aparecer (nos vídeos). Eu simplesmente tirava só os ingredientes, os resultados e não aparecia. Eu tinha vergonha. Acho que só depois de 25 mil seguidores, eu comecei a sair assim. Tirava um bocadinho o meu braço, depois comecei a tirar a minha cara e foi assim”, afirma a criadora de conteúdos.
Quem assiste aos vídeos de Nilsa, cativa-se pelos “almocinhos” e “jantarzinhos simples”, que para muitos e à primeira vista, não têm nada de simples. “Logo no princípio, comecei por perceber que muitas pessoas, apesar de terem muitos recursos, outros não têm, limitavam-se simplesmente ao prato principal que é simplesmente, por exemplo, fazer um guisado e fazer um arroz. E estava tudo bem, mesmo quando a gente pode fazer mais. E depois eu comecei a perceber que quanto mais eu dizia ‘almocinho simples’ e ‘jantarzinhos simples’, as pessoas mandavam mensagens no privado: ‘Olha Nilsa, fiz um almocinho simples e um jantarzinho simples lá em casa e olha que foi uma maravilha! Coloquei dois pratos na mesa, uma sobremesa, mais uma sopa e a minha família está a adorar a minha nova versão’. E comecei a fazer perceber às pessoas que é mais para a pessoa não se sentir sobrecarregada em ver aquilo tudo. É como ‘Se a Nilsa diz que é um almocinho simples então deve ser um almoço’, uma coisa fácil de se fazer. O que eu trago nas minhas receitas é a facilidade de fazer aquele prato. Porque é fácil. Eu tento sempre procurar uma maneira da receita ser fácil. Se eu faço um prato principal mais elaborado, vais perceber que a sobremesa vai ser uma coisa muito mais fácil de fazer. Por isso eu digo ‘almocinho simples’ e ‘jantarzinho simples’ porque é fácil de se fazer. É claro que os ingredientes não são propriamente fáceis de adquirir, principalmente hoje em dia, mas a elaboração é”.
Hoje, a criadora de conteúdo conta com 1.4 milhões de seguidores e mais de 42 milhões de visualizações no Tik Tok. Embora esteja mais à vontade à frente da câmera, confessa ainda ser uma pessoa muito reservada e estar a habituar-se à reação das pessoas quando a veem na rua. No entanto, sente-se agradecida pelo reconhecimento do seu trabalho e da relação com os seus seguidores. “Eu acho que é gratificante a gente perceber que o nosso trabalho está a ser valorizado e que agrega valor nas pessoas. Uma miúda de Vilanculos onde, vindo à Europa, saio daqui (Portugal), vou à França e sou reconhecida e não sei onde, sou reconhecida. Isso é gratificante. No ano passado, eu criei a minha marca, que é a ‘Não Pode Faltar’. Ela já está registrada, cá. Com esta marca eu já posso lançar vários produtos, tanto os azeites ou eletrodomésticos, só que as pessoas não sabem. E é com o TikTok que eu aprendi que a gente pode fazer um negócio”.
Porém, nem todas as reações foram positivas. Infelizmente, as redes sociais também tornaram-se num sítio de julgamento, onde os vídeos de Nilsa foram alvo de críticas pela maneira como apresentava a sua rotina. No entanto, Nilsa diz não ter sido difícil lidar com os haters: “Não foi difícil. Não foi difícil porque as pessoas estão simplesmente do outro lado. Não me conhecem. Então, quem me conhece pode dizer perfeitamente que não faço isso pelo marido. Faço isso pelo amor. Faço isso pela minha família. Por aqueles que estão comigo e que gostam de mim. Então, os haters…Mesmo que a gente faça a coisa ruim ou a coisa boa sempre vão estar lá”.
“Por exemplo, quando eu comecei no Facebook e Instagram, no ano passado, comecei a ganhar mais seguidores moçambicanos, porque na minha plataforma do Tik Tok não tinha muitos moçambicanos. Eu fui perceber que eu tinha muito mais críticas dos próprios moçambicanos. Eu acho que eles estavam espantados. Já perdemos o sentido do lar. O sentido de viver juntos, de compartilhar a casa. De compartilhar as tarefas. Parece que já não vivemos neste mundo. Vivemos em realidades e valores totalmente diferentes. Então, para mim, eu sei que eu faço por amor. Eu sei o que o meu esposo faz por mim então eu não me deixo abalar. Pelo contrário, me deixou com mais força de mostrar às pessoas que quando a gente comunga ou quando a gente vive na mesma casa, compartilhamos os mesmos desejos. Todas as partes têm que fazer as atividades diárias, a parte doméstica, mas tem que existir quem é a base. Porque se não existir quem é a base, quem o faz, quem conhece propriamente o trabalho, nada acontece. É o mesmo que se tu quiseres contratar uma colaboradora para vir te ajudar na tua casa, se tu não sabes o que fazer, é lógico que ela não vai saber o que fazer como tu queres. Porque tu não vais exigir alguém que faça aquilo que tu queres se tu, a própria dona de casa, não sabes fazer aquilo que tu queres. Então eu lidei muito bem com isso, não me preocupei com os haters acerca disso. E, principalmente porque, quando descobriram os moçambicanos que eu estava casada com uma pessoa muito mais velha, então era 'Ah, ela está lá, com ele porque ele financia ela. Ela não faz nada. Ela simplesmente senta em casa e faz aquilo. Ela simplesmente é uma empregada, não é a esposa'. As pessoas não sabem o que é que se passa dentro de uma casa. Eu simplesmente gravo um vídeo de três ou dez minutos. São dez minutos, não são 24 horas. As pessoas não sabem o que se passa".
Nilsa Carona também menciona a falta de valorização pelo seu trabalho e de outros criadores de conteúdo PALOP e reconhece a dificuldade de crescer como criador de conteúdo em Portugal, como uma pessoa de cor. “O que eu acho é que valoriza-se muito a futilidade. Se eu fosse alguém com polêmicas, de criar intrigas, eu estaria em alta. Eu estaria em muitas páginas. São poucas páginas - vou falar dos PALOP - que falaram de mim. Em Portugal, já vou percebendo como é que as coisas funcionam. Mas já sabes, é muito complicado. Não sou filha de… não sou conhecida. Em Portugal não sou conhecida”.
Ainda assim, no final da entrevista, diz que o seu objetivo é focar-se em lançar a sua marca. “Mas o meu negócio mesmo é lançar a minha marca, fazer o meu estúdio e ter cadeias de restaurantes. Se vierem publicidades está tudo bem porque, por enquanto claro que eu ganho alguma coisa pela internet mas eu tenho o meu trabalho, eu tenho a minha empresa. Que não tem nada a ver com as redes sociais. Por isso talvez ainda não vou muito atrás das publicidades”.
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