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O moçambicano Otis Selimane Remane viveu sua infância em Maputo e se tornou percussionista, baterista, cantor, compositor e educador. Ele conta que não é de família artística. Aliás, é o primeiro artista da família.
Otis iniciou sua caminhada musical cedo, aos sete anos de idade. Transitou por vários instrumentos como piano, flauta, percussão, timbila, bateria e a mbira. Aos 14 anos começou a apresentar-se em shows como músico profissional, tocando em diversos locais em Maputo e festivais dentro e fora de Moçambique. “Meu pai sempre foi muito defensor das atividades extracurriculares. Enquanto estudava, eu fazia também natação, artes visuais, aulas de inglês. Na adolescência, comecei meus estudos em uma escola de música, com aulas de piano, canto, flauta doce, depois instrumentos tradicionais como violas, percussões, até, de fato, escolher o instrumento em que eu ia dispensar mais tempo, que é a bateria. Tive e desde então comecei a trabalhar como músico profissional e não parei mais”, contou.
Em Moçambique, trabalhou com renomados músicos de Moçambique, Jimmy Dludlu, Moreira Chonguiça, Isabel Novella, Cheny Wa Gune, Lenna Bahule, Tanselle, Xixel Langa e outros mais artistas da nova geração. Com um talento que foi se construindo a partir da dedicação pelo ofício, ele se orgulha em contar suas referências musicais. “Eu tive várias, mas gosto de começar aqui por Moçambique. Os músicos que já tinham ousado sair do país sempre me chamaram muita atenção na altura. Tinha o Jaco Maria, o Tukan Tukan, tinha o Moreira Chonguiça, tinha Jimmy Trúvio, Ivan Mazzuzi, Diodat Siki, Orlando Venerec e outros. Também tive muitas referências de música popular, a Orquestra de Marrabenta, o Azinco, o Stuart Sukuma, o Mingas. Antes de chegar à música brasileira, pensando apenas no continente africano, foram várias referências, o Shabona, o Sik Sun. Falando em música brasileira, eu declaro minha preferência ao Djavan”, confidenciou o artista.
Desde 2015 no Brasil, o artista desenvolve diversos projetos artísticos e educacionais ligados à cultura africana e afro-brasileira como o Mbirofonia Duo (grupo de pesquisa que faz releitura de música tradicional do sul de África e mescla com música Afro Brasileira), Mbira solo em “Músicas de Mbira”, seu projeto de música autoral The Otis Project, Grupo de Estudo de Percussão e ministra oficinas pelo país. “Me mudei para o Brasil para estudar. Me formei em Performance Musical na Unicamp, uma renomada universidade no estado de São Paulo. Agora, estou cursando musicologia na Universidade Federal de Uberlândia, no estado de Minas Gerais. Mas desde a minha chegada ao país, venho trabalhando no cenário cultural. Por aqui, me considero um “agitador cultural”, principalmente no que diz respeito às culturas africanas.
Fotografias cedidas por Otis Selimane
Otis é coordenador do projeto de Intercâmbio Internacional, Tuko Pamoja Brasil, uma parceria entre Noruega, Moçambique e Brasil que visa o desenvolvimento de lideranças juvenis. “Eu gosto da diversidade e dos pluralismos que a gente encontra no Brasil, tanto de modos de vida quanto de música. Aqui, você encontra música africana das mais diversas origens, música balcânica, hispânica, árabe, jazz, sambas e afins. Também gosto da variedade gastronômica e me chama atenção a multiplicidade de pessoas. E assim é a minha vida por aqui também. Diversa. Tem momentos em que estou mais fazendo shows, outros em que estou mais produzindo ou escrevendo projetos ou executando-os. Então, ela acaba sendo muito plural”, relata com empolgação.
O show “Tumbuluku” é o show de divulgação do primeiro álbum do The Otis Project, grupo idealizado e dirigido por Otis Selimane Remane. No espetáculo “Tumbuluku” (uma saudação à origem, que é o seu significado em Changana, língua de origem Bantu), Otis apresenta suas composições, norteadas pela idiomática do jazz e por novas tendências modernas de som que misturam sons urbanos como o Rap, Trap e Neo Soul, se inspiram em diversos ritmos como a chimurenga do centro de Moçambique e que se estende para o Zimbabwe, o kwela da África do Sul, a marrabenta de Moçambique, e ritmos do ocidente e norte africano. Sendo maioritariamente instrumental a temática se debruça sob sua visão enquanto africano em diáspora, trazendo para o show questões ligadas a imigração, ao amor, à guerra colonial da qual Moçambique se libertou.
Otis já representou Brasil e Moçambique em Portugal e Finlândia em 2018. Nesse mesmo ano, Otis foi vencedor dos Novos Talentos do Jazz com o The Otis Project, um prêmio que lhe deu destaque e permitiu passar por alguns dos grandes festivais de jazz do país. Em junho de 2019, iniciou uma tour pela Europa onde passou pela Suécia, França, Portugal, Alemanha e Noruega tocando em festivais importantes como o Festival de Sines em Portugal e o Oslo Afro Arts Festival, na Noruega. Além dos trabalhos autorais, colabora com outros artistas no Brasil, como Tássia Reis, Tiganá Santana, Nara Couto, Marissol Mwaba, François Muleka, Dandara Manoela, Curumin, Hodari, Iara Rennó, Sued Nunes, Anelis Assumpção, Luedji Luna, etc. Como produtor e agente cultural no Brasil já produziu turnês de artistas africanos. É fundador da festa voltada aos africanos residentes no Brasil ‘Sons D’África’ e idealizador da XIPHEFU Produções, que é um coletivo africano independente que representa artistas africanos em diáspora no Brasil.
Em 2024, Otis foi indicado como uma das 100 personalidades mais influentes da Lusofonia pela BANTUMEN. Seu trabalho como educador difunde para além das fronteiras do Brasil, a cultura e a música de Moçambique, permitindo às pessoas conhecer mais sobre o país. Já foi convidado para palestrar em várias escolas públicas, universidades e festivais falando sobre Moçambique e África em geral. Dentre cursos, workshops e palestras ele aborda temas como Musicologia Africana, Introdução às temáticas de Universalidades Africanas e Matriz Africana, Ritmos Moçambicanos, Criação Musical a partir das Claves, Afro Dance e Danças Moçambicanas, África na perspectiva dos africanos, Cultura, Arte e Educação em Moçambique e África.
Para ele, a compreensão do continente africano é muito importante não só para o entendimento das populações, suas dinâmicas e culturas, mas também para a correção de referências equivocadas, além do denso conhecimento sobre suas características, realidades que em grande medida corroboram para um maior discernimento da situação atual do Brasil e países que estiveram na rota do tráfico de escravizados africanos. “Muitos fatores de nossa história ficam com interpretações superficiais ou à mercê de visões eurocêntricas pela ausência de informações históricas dadas na perspectiva dos pesquisadores, estudiosos ou mestres nativos. “Eu não consigo pensar em cultura sem pensar em negritude. Eu nasci num país majoritariamente negro, então, tudo que eu conheço desde a infância é inquestionavelmente negro”, explica o artista.
Com o projeto Músicas de Mbira lançou, em 2024, uma série audiovisual convidando vários artistas brasileiros e africanos para colaborarem na produção de Episódios que visavam mesclar a música brasileira com instrumentos tradicionais moçambicanos. Músicas de Mbira é um show intimista, onde Otis navega por músicas tradicionais zimbabweanas e moçambicanas, músicas do universo afrobrasileiro e de músicas populares brasileiras em versões que aproximam o ouvinte de uma experiência sinestésica e mântrica da Mbira Nyunga-nyunga e a Dza Vadzimu.
Sobre sua trajetória profissional, ele relata que não é linear, como a de todo artista. “É sempre um carrossel de emoções e sentimentos, mas observo uma ascensão gradual e consistente. É gratificante quando a gente olha e vê o quanto de trabalho a gente está construindo. Olho para as coisas que tenho feito e fico muito feliz, me faz pensar em novas possibilidades, em alcançar novos lugares. Vou me manter resiliente fazendo música. Meu foco mesmo continua a ser em continuar a buscar, continuar a buscar e continuar a trabalhar”, afirma o artista.
Para 2025, os planos são, finalmente levar seu show para Moçambique pela primeira vez. “Lá se vão dez anos de Brasil, então quero voltar para levar o show do meu primeiro álbum. Este ano também lanço o meu segundo álbum, que é Músicas de Imbira e outros contos bando.
Para encerrar, Otis disse o quanto deseja continuar a trilhar esse caminho, de forma consistente, com trabalho, dedicação às artes, à cultura e à educação, como uma ferramenta de transformação. “Isso é gerar conexões reais e pontos entre a África e o Brasil”, disse.
“Viver da música não é um caminho fácil mas é preciso ousar fazer algo que pulsa na veia, dar voz aos desejos e sonhos. O percurso fica colorido quando a gente se vê fazendo aquilo que realmente o nosso coração pede”, encerrou.
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