Como saber se sou uma pessoa criativa?

Querida Déborah, é uma coluna de cartas para criativos em crise.

Envia a tua pergunta para deborah@bantumen.com, menciona os teus pronomes, contexto e como queres ser chamado. Todas as perguntas são respondidas anonimamente. 

Nunca fui uma pessoa que se destacou em actividades artísticas. Nunca tive habilidade para desenhar, pintar ou escrever. E sempre acreditei que a expressão artística e a criatividade eram talentos naturais que já nasciam com a pessoa, o que nunca foi o meu caso. 

Sempre segui caminhos mais lógicos e práticos, onde a criatividade era algo secundário. No entanto, de uns tempos para cá, fui sentindo uma vontade crescente de explorar algo novo, de cultivar a criatividade em mim. Procurei workshops e aulas, mas sinto-me bastante insegura, pois sei que não sou capaz de fazer algo realmente criativo e tenho também vergonha de errar.

Querida A.,

Muito obrigada por me escreveres.

Vou começar por revelar-te um segredo: a criatividade não é algo adquirido, mas sim uma habilidade humana que existe em todas nós. Durante a maior parte da tua vida, e desde muito cedo, acreditaste que não és criativa, que nunca foste e que nunca serás. Fizeste questão de evitar actividades criativas, deixando isso em segundo plano, o que reforçou essa ideia de que a criatividade não é para ti. Mas o facto de essa vontade de explorares algo novo estar a desabrochar em ti, demonstra o contrário; e apesar de não teres escolhido a criatividade, parece que ela te escolheu. 

Então, respondendo à tua pergunta, sabes que és criativa porque tens vontade de o ser, ponto. É importante lembrares-te que as pessoas excepcionalmente criativas são aquelas que, normalmente, aprimoram tanto a sua habilidade que ela acaba por se tornar a sua profissão. Enquanto outras, a maioria na verdade, usa a criatividade como uma fonte de lazer, para se divertir e relaxar. 

Eu não sou cantora, mas canto porque me faz sentir bem. Não posso comparar a minha habilidade vocal, por melhor que ela me soe enquanto limpo e arrumo a casa com uma pessoa que tem a música como profissão — seria no mínimo injusto comigo. Não só porque eu não tive treino profissional nessa área, mas também porque nem de longe me dediquei a aprimorá-la como uma pessoa que hoje se profissionalizou. 

A criatividade é uma qualidade humana, todas as pessoas a têm. Ela é fundamental para o nosso desenvolvimento cognitivo e pode-se manifestar de inúmeras maneiras, por essa razão, cada uma de nós, com as suas particularidades e complexidades tem o potencial de a explorar de forma única. 

Ser uma pessoa criativa começa com o pensar de forma diferente, o famoso “pensar fora da caixa” e isso de certeza que fazes diariamente, quer seja para resolver problemas do dia-a-dia ou para te comunicares com alguém. 

Ser uma pessoa criativa envolve também a forma como nos expressamos, seja na maneira como te vestes, como organizas ou decoras o teu espaço, ou até na receita que escolhes confeccionar semanalmente. A criatividade está presente nos grandes feitos e nos pequenos detalhes do teu dia e isso, felizmente, não depende da produção de algo grandioso ou de ter um talento espetacular. 

Então, ao invés de focares na tua “falta de talento”, presta atenção ao processo criativo. Não há certo ou errado, o mais importante é-te divertires enquanto experimentas. E tal como qualquer experiência científica, errar, aprender e acertar são etapas desse processo. Se a pintura for o teu campo criativo de escolha, não foques no resultado, mas sim na combinação de cores que agradam os teus olhos. Se a escrita for o teu campo de escolha, não foques no resultado, mas sim em como a estória que ganha vida no papel te faz sentir. Se a música for o teu campo de escolha, não foques no resultado, mas sim na sonoridade que te prazer ouvir. 

A confiança na própria criatividade, vem com a prática. Mas acredita, mesmo com horas e horas de prática, treino profissional e até textos publicados, o medo, a insegurança e a vergonha que mencionaste na tua carta, ainda se manifestam — e olha que escrevo com conhecimento de causa!

Um dos meus maiores medos no meu trabalho, com pessoas que procuram ser mais criativas e escritoras iniciantes, é ser aquele alguém que vai fazê-las sentir que a escrita ou, pior, que a criatividade não é para elas. Prezo muito pela compaixão e pela leveza com os outros, mas, principalmente comigo. Sendo uma pessoa pessimista, medrosa e perfeccionista sou muitas vezes a minha maior crítica. A experiência e errar mais vezes do que consigo contar nos dedos dos pés e das mãos, ensinou-me a lidar e a domesticar essa parte de mim.

Ao longo destes anos, entendi que foi ao permitir-me criar sem medo de errar ou até de “passar vergonha” que descobri o meu estilo de expressão artística e criativa. Além disso, ao errar, o máximo que pode acontecer é receber um não de alguma editora ou revista e ficar com um texto que precisa de ser melhorado. 

Então, querida A, descobre por ti mesma. Eu posso dizer-te mil e uma coisas sobre a criatividade, apresentar-te estudos, teorias e factos científicos, mas se tu não experimentares por conta própria de nada adiantará. 

Termino esta carta com um desafio: dá-te a chance de descobrires a tua expressão criativa; deixa que a criatividade se manifeste em ti, pois o único requisito para seres uma pessoa criativa é seres curiosa e estares disposta a começar. 

Com carinho, 

Déborah

Se estas cartas te têm ajudado, conta-me como. E se tal como A. estás a passar por uma crise criativa, envia a tua pergunta para deborah@bantumen.com. Não te esqueças de mencionar os teus pronomes, contexto e como queres ser chamada. Todas as perguntas serão respondidas anonimamente.