Racismo Intelectual, uma estratégia de hierarquização do conhecimento

17 de Março de 2025
Racismo Intelectual

Partilhar

Você já se sentiu intelectualmente inferior, mesmo após investir consideravelmente em sua formação? Já viu seu conhecimento ou sua expertise desconsiderados por alguém que mal lhe conhece, mas que presume que você não possui a capacidade intelectual necessária? É provável que você tenha sido confundido(a) com alguém de uma profissão "inferior" por não se encaixar no estereótipo da medicina, do direito, da engenharia ou áreas afins, não é mesmo? Ou talvez tenha perdido uma oportunidade de emprego que considerava ideal para você, simplesmente por ter a cor "errada"?

Saiba que você não está sozinho(a); essas são situações comuns enfrentadas por pessoas negras em diversos ambientes, onde precisam constantemente provar que pertencem ou que são dignas de ocupar espaços que grupos brancos consideram ser exclusivamente deles. Esses episódios são exaustivos, desgastantes e extremamente desagradáveis, e, apesar de sua recorrência, são frequentemente ignorados. Isso tem um nome: Racismo Intelectual.


A psicóloga e teórica portuguesa Grada Kilomba, em sua obra "Memórias da Plantação: Episódios de Racismo Cotidiano" (2019), analisa como o racismo intelectual se manifesta na academia e em outras esferas de produção de conhecimento. Ela investiga como as capacidades intelectuais de pessoas negras são frequentemente descredibilizadas.


O racismo intelectual constitui uma forma de discriminação que, embora menos debatida do que outras expressões do racismo, é igualmente insidiosa e enraizada em nossas estruturas sociais. Ele se revela quando certos grupos são sistematicamente desvalorizados em suas capacidades intelectuais, com seus conhecimentos, saberes e formas de pensar sendo inferiorizados ou invalidados.



Professoar Achille Mbembe | Foto de Chanté Schatz, Universidade de Witwatersrand


O professor e intelectual Achille Mbembe, em sua obra principal "Crítica da Razão Negra" (2013), analisa como a modernidade estabeleceu uma hierarquia racial que associa o "ser negro" à falta de racionalidade e intelectualidade. Ele investiga como o racismo intelectual é uma das manifestações do racismo estrutural. Esse fenômeno não apenas reforça desigualdades históricas, mas também perpetua estereótipos que limitam o potencial de indivíduos e comunidades.


Racismo Intelectual possui raízes profundas no colonialismo e na escravidão, quando a justificativa para a dominação de povos não brancos se baseava na falsa premissa de superioridade intelectual e cultural dos colonizadores. Frantz Fanon, psiquiatra e filósofo, em seu livro seminal "Pele Negra, Máscaras Brancas" (1952), explora como o colonialismo e o racismo afetam a psique e a autoimagem dos povos colonizados. Ele argumenta que a inferiorização intelectual é uma ferramenta de dominação, criando uma hierarquia que desvaloriza saberes e capacidades cognitivas dos não brancos.


A ciência, lamentavelmente, foi utilizada para legitimar teses racistas, como as que defendiam a inferioridade cognitiva de negros, indígenas e outros grupos racializados, conforme Boaventura de Sousa Santos discute em "Epistemologias do Sul" (2014). Ele critica a hegemonia do pensamento ocidental e defende a valorização de saberes marginalizados, especialmente aqueles que emergem do "Sul global". Santos aborda como o racismo intelectual opera ao deslegitimar conhecimentos que não se alinham aos padrões eurocêntricos.


Embora essas ideias tenham sido amplamente desacreditadas nos dias atuais, elas deixaram um legado de desconfiança e desvalorização dos saberes produzidos por essas comunidades, como bell hooks enfatiza em "Ensinando a Transgredir: A Educação como Prática da Liberdade", ao destacar como o racismo e o sexismo se manifestam na educação, marginalizando vozes negras e outras minorias. Ela ressalta a importância de descolonizar o currículo e valorizar múltiplas formas de saber.


Ainda no contexto contemporâneo, o racismo intelectual se revela de maneiras sutis e não tão sutis. Por exemplo, acadêmicos negros ou indígenas frequentemente veem suas pesquisas e temas questionados de maneira mais rigorosa do que os de seus colegas brancos, ou saberes tradicionais são considerados "menos científicos" apenas por não atenderem aos padrões ocidentais de produção de conhecimento. Linda Tuhiwai Smith, em "Decolonizing Methodologies: Research and Indigenous Peoples", uma acadêmica indígena da Nova Zelândia, critica a maneira como a pesquisa acadêmica tradicional marginaliza saberes indígenas. Ela argumenta que o racismo intelectual é uma ferramenta de colonialismo que deslegitima outras formas de conhecimento. Essa hierarquização do saber constitui uma forma de violência epistêmica, que silencia vozes e apaga contribuições valiosas.


Na educação, o racismo intelectual se reflete na escassez de representatividade de autores negros, indígenas e de outras minorias nos currículos escolares e universitários. Quantos de nós tivemos acesso a pensadores africanos, afro-brasileiros ou indígenas durante nossa formação? A ausência dessas vozes não é um acaso, mas um reflexo de uma estrutura que privilegia certos saberes em detrimento de outros.


https://www.instagram.com/p/BPHVIHAFIqP/



Aníbal Quijano, sociólogo peruano, desenvolveu o conceito de colonialidade do poder, que inclui a colonialidade do saber. Ele argumenta que o racismo intelectual é parte de um sistema global que favorece o conhecimento europeu e desvaloriza outras epistemologias.


Além disso, o racismo intelectual impacta a autoestima e a confiança de estudantes racializados. Quantas crianças negras e indígenas internalizam a ideia de que não são "suficientemente boas" para determinadas áreas do conhecimento? Quantas vezes ouvem que suas histórias e culturas não merecem ser estudadas? Essas mensagens, muitas vezes subliminares, têm um impacto profundo no desenvolvimento intelectual e emocional desses indivíduos.


Combater o racismo intelectual requer uma transformação radical na maneira como compreendemos e valorizamos o conhecimento. Precisamos reconhecer que não existe uma única forma válida de saber. Os saberes tradicionais, por exemplo, contêm conhecimentos profundos sobre medicina, agricultura, astronomia e ecologia que têm muito a oferecer à ciência e à humanidade. Da mesma forma, a produção intelectual de pensadores negros e indígenas deve ser apreciada e integrada ao cânone acadêmico e ao conjunto de saberes em geral.


É crucial também promover políticas de inclusão e diversidade nas instituições de ensino e pesquisa. Isso implica não apenas abrir espaço para mais estudantes e pesquisadores racializados, mas também revisar os currículos e metodologias para que sejam mais representativos e inclusivos. A decolonialidade do saber é um caminho necessário para desconstruir as hierarquias intelectuais impostas pelo racismo.


O racismo intelectual se configura como uma barreira invisível para muitos, mas é evidente para aqueles que são injustamente acometidos por ele. Trata-se de uma estratégia de exclusão que limita o potencial de indivíduos e comunidades inteiras. Ele perpetua desigualdades e impede que a sociedade se beneficie da riqueza e diversidade de saberes existentes. Combater esse fenômeno exige conscientização, ação e um compromisso coletivo com a valorização de todas as formas de conhecimento. Afinal, o saber não possui cor, raça ou nacionalidade – é um patrimônio da humanidade, e só se enriquece quando é compartilhado e respeitado em sua pluralidade.


Como sociedade, precisamos questionar: quem define o que é conhecimento válido? E quem é excluído dessa definição? Que tipo de conhecimento estamos consumindo? Estamos privilegiando nossos próprios saberes? A resposta a essas questões pode nos auxiliar na construção de um mundo mais justo e intelectualmente diverso, além de aprimorar nossas escolhas em termos de trocas justas e equânimes.

Relembramos-te que podes ouvir os nossos podcasts através da Apple Podcasts e Spotify e as entrevistas vídeo estão disponíveis no nosso canal de YouTube.

Para sugerir correções ou assuntos que gostarias de ler, ver ou ouvir na BANTUMEN, envia-nos um email para redacao@bantumen.com.

bantumen.com desenvolvido por Bondhabits. Agência de marketing digital e desenvolvimento de websites e desenvolvimento de apps mobile