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O que começa como um simples som pode tornar-se memória. E quando a memória pulsa no ritmo certo, torna-se linguagem universal. É isso que Raízes, o novo álbum colaborativo de DJ Satélite e DJ Gálio, vem confirmar. Com lançamento marcado para 24 de abril, o projeto é o terceiro e último capítulo de uma trilogia iniciada com Horizonte e Caminho, e representa o ponto de maturação de uma ideia estética e emocional: fazer do afro house um lugar onde a ancestralidade e a contemporaneidade dialogam, em pé de igualdade.
“Quando chegámos ao Raízes, encontrámos o som que nos identifica”, diz DJ Gálio, com o tom de quem já trilhou um caminho longo, mas necessário. “É como dizer: estou aqui há dez anos. E agora sei com clareza o que estou a fazer.” Se Horizonte foi o início, ainda hesitante, e Caminho o espaço da procura, Raízes chega como afirmação e também como celebração. “No início, a gente estava a empurrar. Agora não. Agora estamos a solfejar”, descreve, com a segurança de quem já conhece a estrada e os seus atalhos.
A viagem começou em Angola, mas o mapa rapidamente se expandiu. Com 28 faixas, o álbum traz participações de artistas de três continentes, como Afro Wav (Zimbabué), Riwo (Nigéria), Lilly Randy e Sokhana (África do Sul), Drunky Daniels e Jéssica Gaspar (Brasil), Aristoteles Jorge (Angola/Canadá), e nomes consagrados como Kaysha e Boddhi Satva. Dos PALOP, surgem colaborações com Alex Kasion, Edlasio Alves, Leriggo, Kelly Gomez, Peter Rodrigues, Danny Boy ou Melvi. Cada nome traz uma textura própria, mas todos orbitam em torno da mesma pergunta: o que é fazer música com raiz?
DJ Gálio e DJ Satélite 📸 BANTUMEN
Para Satélite, essa resposta não se traduz só em percussão ou samples e sim em sensibilidade. “A nossa batucada tem uma energia diferente. Ela traz-nos paz. E tu consegues senti-la dentro do kuduro, do afro house, até do semba”, explica. Essa vibração vem, muitas vezes, de rituais e experiências enraizadas em infâncias marcadas pela tradição. Gálio lembra-se bem e faz uma ligação direta entre a sua música atual e as vivências da infância, no norte de Angola, mais especificamente em Cabinda, uma região rica em tradições musicais e rituais comunitários. “Sou do norte de Angola, mais propriamente de Cabinda. Lá temos ritmos como a maringa, e práticas culturais como o Cumbe, que marca a transição da menina para mulher. Cresci a ouvir isso, a ver as mamãs a dançar com os paus, com os kotas nos batuques. Está tudo cá dentro. Sempre esteve.”
É por isso que Raízes não soa a um álbum que tenta soar africano, soa porque é. Porque vem de dentro. Porque os dois produtores recusam imitar o que está “na moda” e preferem construir a partir do que os formou. Isso não significa fechar-se ao mundo. Muito pelo contrário. A visão de Satélite e Gálio é global e aberta, e o disco comprova isso ao reunir produtores e vozes de Angola à América do Sul, passando pela Europa e África Ocidental. “Nós já trabalhamos com música há muitos anos, então já sabemos o que queremos. Não vamos atrás do que os outros acham que se deve fazer. Vamos atrás da nossa verdade”, diz Gálio.
A narrativa de Raízes é também uma crítica subtil ao estado da cena afro house angolana ainda com pouca representação vocal e artística local, apesar da influência global que o país já teve. “É muito difícil encontrar artistas angolanos a fazer afro house ou a cantar dentro desta sonoridade. Há poucos”, afirma DJ Gálio. “E talvez por isso mesmo seja tão importante este álbum. Estamos a dar palco a quem normalmente está no backstage.”
credits
“Muita gente pensa que música electrónica africana é só batida. Mas não. É identidade”
DJ Satélite
Mas se o álbum nasceu da vontade de criar um som com identidade, ele também carrega o desejo de partilha e de comunidade. “Chegámos a um ponto em que tínhamos tantas músicas boas que era impossível deixá-las paradas. Tínhamos que lançar. E entrámos numa onda tipo: ok, vamos meter um som assim, outro assim, e pensar o que faz sentido. Já não era apenas criação por impulso, era curadoria”, conta Satélite. Esse processo foi possível porque os dois já vinham de um primeiro disco conjunto (Horizonte) que, apesar de ter tido impacto, foi feito num registo mais experimental. Agora, dizem, “já entrámos no eixo”.
E é nesse eixo que cabe tudo: tradição e electrónica, nostalgia e visão, beats africanos com soul europeu, house com frevo, maringa com synth. “Muita gente pensa que música electrónica africana é só batida. Mas não. É linguagem. É identidade. É até política. E o que fizemos aqui foi mostrar isso com uma estrutura profissional, com cuidado na produção, no storytelling, na forma como tudo se liga”, explica Satélite.
Os dois recordam ainda os caminhos distintos que percorreram até este ponto. Satélite, com mais de 20 anos de carreira, foi responsável por marcos como Estado Maior do Ku-Duro dos Lambas (2006), que vendeu 10 mil cópias em seis horas e revolucionou o mercado angolano, ou Batida Única de Bruno M (2007), que definiu a sonoridade do kuduro por uma década. Pelo meio, colaborações com Smal do Arraso, Pai Diesel, Agre G, e participações na banda sonora de I Love Kuduro (2013), de Coréon Dú, documentário internacionalmente aclamado. Fora de Angola, lançou Drums of Luanda (2012), recomendado pelo Boiler Room, e Louro & Sal - Vol. 1 (2024), o seu primeiro álbum a solo, muito elogiado por fundir percussão orgânica com paisagens electrónicas densas.
Já Gálio começou no rap, passou pelo kuduro e estabeleceu-se no afro house. De Luanda à China, onde atuou em 2013, até à assinatura com editoras como Offering Records e Seres Produções, tem vindo a marcar passo firme em palcos e estúdios da diáspora. Em 2022 lançou Quibuala, disco que o levou ao palco da Enchufada, em Lisboa, a convite de Branko (Buraka Som Sistema).
E se há algo que ambos concordam, é que Raízes não é apenas um fim, é também um novo começo. “Este álbum é para se ouvir com tempo. Para perceber camadas. Para valorizar agora, não daqui a 30 anos, quando alguém vier dizer que isto era bom. É agora que tem que se reconhecer”, diz Satélite.
A festa de lançamento de Raízes está marcada para o dia 24 de abril, no Duro de Matar, em Lisboa. Um encontro que se promete íntimo, mas cheio de força. Tal como a música que Satélite e Gálio fazem: construída com batida, alma e visão.
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