Tiffany Clarke Harrison: Uma autora improvável, da esclerose múltipla à lista de recomendações de Barack Obama

27 de Dezembro de 2024
Tiffany Clarke Harrison entrevista

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Tiffany Clarke Harrison é uma autora, mentora de autores e uma introvertida intuitiva norte-americana, cuja primeira obra, Blue Hour, entrou na lista de recomendações de leituras de 2023 de Barack Obama. Numa entrevista para a BANTUMEN, a conversa transformou-se numa janela aberta para a alma por trás deste livro que, descrito pelo site de críticas literárias Chicago Review Books,  “em cada palavra, Blue Hour alerta contra o facto de nos contermos: de sermos vistos, ouvidos e compreendidos; de nos perseverarmos apesar das forças que nos tentam destruir; e de expressarmos amor em todas as ocasiões possíveis, antes que as suas oportunidades se esgotem."


Tiffany é uma escritora que faz da coragem e da autenticidade as suas marcas mais profundas. “Sou muitas coisas - complexa, em constante evolução,” começou Tiffany, descrevendo-se com a originalidade que define a sua obra. Com 45 anos recentemente celebrados, a autora refletiu sobre a transição de uma vida regida por regras e aprovações externas para um lugar de liberdade criativa. “Escrever Blue Hour foi a minha forma de me libertar,” confidenciou, explicando que, inicialmente, o livro seguiu os trilhos de uma narrativa forçada, preocupada em cumprir expectativas alheias e comerciais. “Esse estado de espírito definiu muito os meus primeiros anos. Quando comecei a escrever este livro, por volta de 2014 ou 2015, estava muito focada em fazer tudo ‘bem’—o que me garantiria um agente, de acordo com as regras da narrativa. Mas os primeiros rascunhos acabaram por sair muito forçados.” Então, em 2017, a vida deu uma volta de 180 graus. Ao ser diagnosticada com esclerose múltipla, Tiffany cedeu aos instintos que a avisaram sobre a necessidade de priorizar os seus desejos mais profundos.


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Um desses desejos levou-a a inscrever-se num programa de MFA (Mestrado em Belas-Artes), não para aprender a escrever, mas para se rodear de mentes desafiadoras que a ajudassem a refinar a sua visão e o seu dom. O propósito foi “honrar a minha criatividade e viver de forma autêntica”, explicou.


O seu romance, Blue Hour, explora temas como luto, trauma e a complexidade da maternidade negra, inspirando-se nas suas experiências pessoais e em eventos sociopolíticos marcantes, como a morte de Michael Brown e o desenvolvimento do movimento Black Lives Matter. Com uma protagonista que encarna a coragem e a determinação, Tiffany aborda questões delicadas como infertilidade, aborto espontâneo e os desafios de criar filhos num mundo marcado pelo racismo sistémico. A narrativa segue uma mulher que enfrenta uma perda devastadora e se vê a navegar por memórias, emoções profundas e questões existenciais enquanto tenta encontrar um sentido de esperança e cura. A escrita é poética e introspectiva, mergulhando na complexidade dos sentimentos humanos. “A protagonista é como um alter ego meu—uma fotógrafa ousada e intransigente que traça o seu próprio caminho. Queria que ela incorporasse essa coragem que, por anos, senti faltar em mim,” explicou. A inspiração inicial veio de temas como aborto espontâneo e infertilidade entre mulheres negras—assuntos pouco explorados, mas profundamente humanos. Contudo, a história ganhou contornos mais amplos após a morte de Michael Brown. “Na altura, o meu filho estava a fazer cinco anos, e o contraste entre a sua inocência e a dura realidade do racismo sistémico abalou-me profundamente. Lembro-me de o ver a soprar as velas do bolo de aniversário e pensar: ‘um dia, o mundo vai deixar de o ver como este menino adorável e vai começar a vê-lo como uma ameaça.’ Esse medo - o sofrimento de trazer crianças negras para um mundo tão hostil - tornou-se central na história. As questões sobre como proteger um filho do racismo sistémico e se será egoísmo ou altruísmo decidir não trazer uma vida a este mundo são as que assombram a personagem principal de Blue Hour. “Para as mulheres negras e pardas, a decisão de ter filhos muitas vezes carrega um peso extra de medo e reflexão. Quis explorar essa realidade e, ao mesmo tempo, fomentar empatia em leitores que não vivem essas experiências.



“Inicialmente, a história era apenas sobre este casal a lidar com infertilidade e aborto espontâneo. Mas, enquanto escrevia, os eventos reais continuavam a surgir - como a morte de Michael Brown e o crescimento do movimento Black Lives Matter. Esses temas eram impossíveis de ignorar. Também esperava que o livro pudesse fomentar empatia entre leitores que não vivem essas experiências. Durante o meu MFA, houve momentos em que colegas não compreendiam por que a protagonista reconsideraria a maternidade ao ouvir sobre um tiroteio policial. Essa falta de consciência reforçou a importância de contar esta história.”


Ao mesmo tempo, Tiffany não hesita em falar sobre como a esclerose múltipla reformulou a sua abordagem à vida. “Depois do diagnóstico, tornei-me ferozmente protetora da minha energia e do meu tempo. Parei de participar em eventos que não me nutriam e comecei a dizer aos meus filhos: ‘Amo-vos, mas preciso deste tempo para mim.’” Esse cuidado consigo mesma reflete-se também na escrita, permitindo-lhe ser mais presente e autêntica em tudo o que faz. “Acredito firmemente que priorizar o teu bem-estar não é egoísmo, é essencial”, afirma.

O reconhecimento, porém, tem sido uma experiência avassaladora. Quando soube que Blue Hour entrou na lista de leitura obrigatória de Barack Obama, Tiffany descreveu com um sorriso enorme a emoção que sentiu ao receber a notícia. “Estava numa sessão com uma cliente quando recebi uma mensagem. Ao ver a palavra ‘Obama’ no ecrã, entrei em pânico e comecei a gritar: ‘O Obama sabe quem eu sou!’”. Os seus filhos, ao testemunharem o momento, também ficaram extremamente contentes. É impressionante porque este tipo de reconhecimento é algo que toda a gente entende. Até o meu filho adolescente perguntou: ‘Então, vamos conhecer o presidente?’ Tem sido um momento avassalador da melhor maneira possível.”


Para Tiffany, o impacto mais profundo de Blue Hour é o pessoal. “Espero que os leitores ganhem permissão para sentir profundamente, processar lentamente e aceitar que a cura é desordenada e não-linear.” Uma leitora confessou-lhe que o livro a ajudou a perdoar-se por decisões passadas. “Isso significou tudo e o mundo para mim,” disse Tiffany com a mesma vulnerabilidade que transparece na sua escrita.

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Landrick


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