Tutu Sousa, um artista que criou uma galeria a céu aberto, em Cabo Verde

22 de Abril de 2025
tutu sousa entrevista
Tutu Sousa

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Em Cabo Verde, quando se fala de cultura, quase sempre se pensa em música. É o que nos diz Tutu Sousa mas, a verdade é que, num exercício simples de lembrar referências nacionais, os primeiros nomes que nos ocorrem pertencem, quase inevitavelmente, ao universo musical. Tutu Sousa, artista plástico de 50 anos e que há mais de duas décadas tem dedicado a vida à promoção das artes visuais no arquipélago, tem desafiado essa lógica, ocupando o espaço público com cor, traço e identidade visual.


Fundador da Galeria de Arte homónima e idealizador do projeto Rua d’Arte, uma galeria a céu aberto naTerra Branca, Cidade da Praia, Tutu acaba de celebrar oito anos da sua galeria física e prepara-se para levar a arte cabo-verdiana além-fronteiras, com participações confirmadas em feiras internacionais no Dubai e em Viena. Ainda que o seu nome seja uma referência, o seu percurso foi e continua a ser marcado pelos desafios. “Em Cabo Verde, a sociedade não foi educada a consumir artes plásticas”, afirma, numa entrevista exclusiva à BANTUMEN. É com esta frase que resume o grande desafio de manter uma galeria de arte no país.


Enquanto a música cabo-verdiana já conquistou o mundo e o imaginário popular, as artes visuais ainda enfrentam resistências e falta de apoio estruturado. “Falar da cultura cabo-verdiana é quase sempre falar da música. Nós, artistas plásticos, temos de fazer um esforço dobrado para criar esse espaço e educar o público. A minha resposta foi criar a Rua d’Arte, uma galeria a céu aberto que funciona como uma aula permanente sobre o que é arte plástica”, explica.

A galeria física, inaugurada há oito anos e situada na mesma rua da Rua d'Arte, tornou-se num polo de intercâmbio artístico, onde já expuseram artistas de Portugal, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe e, mais recentemente, França. “A galeria serve a arte no seu todo. Não se resume à arte cabo-verdiana, é uma

galeria para o mundo”, reforça. Mas o universo criativo de Tutu não se esgota nele próprio. A sua casa é também um espaço de arte, literalmente. A sua mulher, Cláudia Sousa, e os filhos, Junior e Marco Sousa, são igualmente artistas. Unidos pela criação e pela vontade de transformar a realidade através da expressão visual, a família representa uma geração de talentos que projeta a arte cabo-verdiana dentro e fora do arquipélago.


"Há empresas e instituições que dizem não ter dinheiro para apoiar um artista, mas depois aparecem a patrocinar eventos que custam milhões"


O trabalho de Tutu Sousa já lhe valeu convites para algumas das maiores feiras internacionais de arte e moda. No mês de maio, o artista marcará presença na View Fashion Week, no Dubai, e, ainda este ano, deverá regressar à Feira de Arte de Viena, onde já participou anteriormente.


Estas participações, no entanto, continuam a ser asseguradas com muito esforço pessoal. “Para esta viagem ao Dubai, tenho uma despesa de cerca de 1.500 contos. Metade do valor sai do meu bolso. A outra metade estou a tentar reunir através de apoios institucionais”, conta. Apesar de já ter conseguido algum suporte, Tutu denuncia a falta de consistência no financiamento da cultura: “Há empresas e instituições que dizem não ter dinheiro para apoiar um artista, mas depois aparecem a patrocinar eventos que custam milhões. Isso mostra que dinheiro há, só não há prioridade para as artes visuais.”


Apesar do seu percurso consolidado e reconhecimento internacional, Tutu não esconde a frustração com a burocracia e a falta de estrutura que dificulta a vida dos artistas cabo-verdianos. “Levei dois anos a legalizar a minha galeria. Dois anos a correr atrás de papéis. Há um sistema muito pesado para quem quer formalizar a sua atividade artística. O artista não tem tempo para estar no ateliê e, ao mesmo tempo, a tratar da papelada do INPS, do número fiscal, dos seguros”, afirma. Por isso, para o artista, é urgente que o Ministério da Cultura e outras entidades criem um sistema simplificado e facilitador para integrar os artistas no tecido económico do país. “A sociedade reconhece os artistas, mas o Estado ainda exige provas burocráticas para que sejamos reconhecidos formalmente. Isso leva muitos colegas a desistirem ou a manterem-se na informalidade.”


Entre os planos para este ano, além das exposições no estrangeiro, Tutu Sousa quer continuar a reforçar a importância das artes visuais em Cabo Verde e a expandir o acesso à cultura através de iniciativas comunitárias. No horizonte, está ainda o sonho de criar um museu privado com peças antigas e artefactos que contem a história do país, um espaço de memória, educação e valorização da identidade cabo-verdiana. “Estamos a reeducar o país para olhar para a arte. Não é fácil, mas é possível. E esse é o nosso trabalho todos os dias.”



Nascido na ilha de São Vicente, a 16 de dezembro de 1974, Tutu Sousa mudou-se ainda criança para a Cidade da Praia. A sua formação passou por workshops com artistas senegaleses e uma especialização em Edição Electrónica para Artes Gráficas em Lisboa, em 1996. Influenciado por nomes como Picasso, Dalí e artistas cabo-verdianos como Kiki Lima, construiu uma identidade visual marcada por traços coloridos, mulheres africanas, símbolos marinhos e elementos do quotidiano crioulo.


É também o criador da Galeria de Arte Tutu Sousa, que para além de exposições, promove atividades de dança, teatro e música, reforçando a ideia de arte como um todo. Em 2017, foi nomeado Embaixador Urbano pela ONU e eleito “Homem do Ano” na Gala Somos Cabo Verde. Dois anos depois, recebeu o prémio “África is More”.

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