Depois de ter sido cancelada em 2020, devido ao reconfinamento em França, a feira dedicada à arte contemporânea africana Also Known As Africa (AKAA) regressou a Paris, com menos stands e público e com um renovado espírito de resiliência, a mensagem subjacente à edição deste ano.
138 artistas de 40 países estiveram presentes no certame, de 12 a 14 de novembro, no emblemático Carreau du Temple, no terceiro bairro de Paris.
Do lote total, destacamos os trabalhos de 14 artistas da África lusófona, presentes através das galerias Perve, Movart e This Is Not A White Cube.
O fotógrafo santomense José Chambel, além de ter um acervo de mais de 30 anos em exibição no stand da galeria Perve, esteve também em destaque com uma nova série de estúdio, intitulada O Ministro, que ocupou o espaço Lounge VIP da feira.
“A obra dele foi produzida ao longo dos últimos 30 anos e, agora, desenvolveu uma série chamada O Ministro
, que é como uma conclusão e que toca uma série de temas. Desde logo são fotografias distintas, porque são fotografias de estúdio, encenadas. O ministro aparece com uma gravata, que é uma corrente, uma canga, e isso leva-nos a pensar na nova escravatura contemporânea, o aprisionamento dos povos em África por via desta figura do ministro ou o ministro ser também escravo de alguma coisa”, explicou Carlos Cabral Nunes à agência Lusa.
Esta exposição a solo, nessa área reservada da feira, foi acompanhada por uma performance do artista, que fotografou os visitantes “presos” pela canga, entregando as suas obras em formato físico ou digital, através de NFTs – a moeda digital do mundo da arte – tornando-se no primeiro artista dos PALOP a utilizar este ativo digital único e que tem ganho cada vez mais popularidade junto do grande público.
Da mesma galeria, há ainda a destacar a exibição de obras dos moçambicanos Malangatana, Ernesto Shikhani, Mário Macilau, Reinata Sadimba, do cabo-verdiano Tchalé Figueira, do santomense Valdemar Dória, além do portugês Cruzeiro Seixas (com obras que remontam à sua passagem por Angola entre 1950 e 1960) e do senegalês Soly Cissé.
No espaço lusófono, existe uma grande carência“,
Graça Freitas
Sem uma estratégia de investimento que fomente a promoção e divulgação da arte africana lusófona dentro da própria CPLP, estes artistas encontram neste tipo de eventos a possibilidade de potenciarem a sua visibilidade a uma esfera internacional, que por consequência gera valor e reconhecimento à escala nacional e comunitária.
“Começa a haver uma presença importante, mas há um espaço desigual. O espaço francófono e anglófono, desde há muito que do ponto de vista académico e político, existe uma agenda na promoção destes artistas e um investimento. No espaço lusófono, existe uma grande carência, o investimento é pouco e são as estruturas que vêm a este tipo e feiras que acabam por ir rasgando caminho”, disse Graça Rodrigues, diretora artística da galeria This is not a White Cube, citada pela Lusa. No seu stand, pudemos observar as obras de Alida Rodrigues, Francisco Vidal e Luis Damião, de Angola, e de Barbara Wildenboer, da África do Sul.
Por sua vez, Janire Bilbao, fundadora e diretora da galeria Movart, presente em Luanda e Lisboa, também acredita que o mercado francófono, cuja dimensão ultrapassa em larga escala o lusófono, é atrativo e está interessado nestes artistas dos PALOP e menciona também a facilidade na exportação dos trabalhos. “Adoramos Paris porque atualmente é um sítio com menos burocracias como Londres, devido ao Brexit, temos aqui muitos clientes e contatos”.
Esta galeria levou até à AKAA as obras do artista são-tomense Kwame Sousa, do moçambicano Mário Macilau, do angolano António Olé e ainda da angolana Keyezua, com uma série de fotografias que representam as mulheres africanas, The Great Mamaaan.
Nas conversas tidas entre a BANTUMEN e os representantes das galerias, ficou também patente a necessidade de ainda existirem eventos específicos dedicados à arte africana por esta ser ainda, em parte, marginalizada nas esferas europeias e norte-americanas.
Embora haja cada vez mais artistas a conseguirem penetrar nestes mercados, como é o caso de Malangatana, António Olé ou Bertina Lopes – cujos trabalhos estiveram recentemente em leilão em Nova Iorque, pela Bonhams -, este é, muitas vezes, um trabalho espinhoso e solitário por parte das galerias. Muito trabalho há ainda por fazer no que toca à estruturação de iniciativas de promoção e divulgação a nível das instituições públicas afetas aos ministérios da Cultura de cada país e da própria CPLP e, enquanto não ecistirem medidas efetivas nesse sentido, artistas e galerias vão traçando os seus caminhos nos mercados mais abertos e interessados no contributo africano à arte contemporânea global.