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Catadores tornam lixo em luxo na maior lixeira a céu aberto de Cabo Verde

A maior lixeira a céu aberto de Cabo Verde tem os dias contados, mas ainda é lá que algumas dezenas de catadores ganham “o pão de cada dia” enquanto aprendem a transformar o lixo em arte de luxo.

Nildo “Tchapa” Moreno e Joselino “Ginkelo” Monteiro têm muita coisa em comum. São jovens, naturais da cidade da Praia e oriundos de famílias carenciadas. E o instinto pela sobrevivência fez os seus destinos cruzarem-se no lugar mais improvável e indesejável da capital cabo-verdiana: a lixeira municipal.

“Vim parar à lixeira através dos meus colegas da minha zona. Para não ficar sem fazer nada em casa, vim à procura de alguma coisa para ganhar o meu pão”, diz à agência Lusa Nildo “Tchapa” Moreno, 23 anos, natural do bairro de Pensamento.

Tchapa estudou até à 6.ª classe e desde criança a sua rotina é a mesma na lixeira da Praia: vasculha todo o tipo de material para vender, desde pedra, plástico, ferro, alumínio. “Dá para alguma coisa”, sustenta, dizendo que às vezes dorme na lixeira, numas barracas improvisadas com alguns paus e panos, frigoríficos e outros eletrodomésticos velhos.

Tchapa diz que os carros de grandes superfícies comerciais descarregam “alguma coisa que ainda dá para comer”, mas felizmente nunca teve nenhum problema de saúde, apesar de estar ainda exposto aos fumos, cheiros, calor e toda a imundície do local. Mas recorda alguns amigos e colegas que ficaram infectados com cólera e morreram. “Nunca nos fizeram nenhuma consulta e quem se sente mal vai ao hospital pelos seus meios”, diz o catador de lixo, recordando-se apenas de elementos da Associação Cabo-verdiana para a Proteção da Família (VerdeFam) que apareceu na lixeira para lhes fazer “alguns testes”.

“É complicado estar na lixeira, mas dá para ganhar a vida”, assume Tchapa, com roupas e sapatos velhos, algumas cicatrizes na cara, herança da dura vida na lixeira municipal da capital cabo-verdiana.

“Não há trabalho, pelo que é aqui que está o nosso pão de cada dia”, completa Joselino “Ginkelo” Monteiro, 22 anos, também natural de Pensamento, e que desde a infância vive na lixeira a ‘catar’ tudo para vender, como comida para porcos, madeira, chapas, fios de cobre. De poucas palavras, Ginkelo destaca a união entre os catadores, salientando que não é a vida que desejaram, mas estão a “trabalhar todos os dias” e a “lutar para avançar”.

Os dois jovens vêem agora uma esperança de deixar a lixeira e construir uma vida melhor, graças a uma formação em reciclagem que estão a frequentar no mesmo local, uma iniciativa da Fundação Abraço Verde (FAV).

“Estamos todos contentes porque é uma hipótese que apareceu e temos de a aproveitar”, diz Tchapa, afirmando que depois da formação quer integrar-se em alguma empresa ou criar o seu próprio negócio para poder “ser visto na sociedade com outros olhos”.

A mesma ambição tem Ginkelo, que espera que todos os cabo-verdianos possam ver as peças de arte que estão a fazer. “A formação será muito útil para nós. Já vi, gostei e continuarei a fazer mais coisas”, disse o jovem, cujos olhos brilham na hora de falar do que tem aprendido.

A formação, de um mês, é uma iniciativa da Fundação Abraço Verde, uma organização não-governamental sem fins lucrativos que pretende contribuir para a educação, proteção e conservação do meio ambiente.

Em declarações à Lusa, José Tavares, da Fundação, diz que o curso é “uma saída” para uma população que está “excluída da sociedade cabo-verdiana” e que passa os dias na lixeira à procura de algum sustento para as famílias.

Num projecto denominado “Reciclar para Incluir”, o responsável diz que outro objectivo é combater a exclusão social e fazer com que a sociedade possa ver que é possível ganhar a vida reutilizando e reciclando e, assim, respeitar os catadores de lixo.

“A ideia é ter uma segunda fase e transformar esses formandos em verdadeiros cidadãos, para que tenham uma forma de ganhar a vida e deixar a lixeira de forma espontânea”, refere.

O responsável associativo explica que as peças serão expostas para venda e que a ideia é criar uma cooperativa de transformação de resíduos sólidos urbanos em arte com todos os catadores de lixo, que no final vão receber um kit de materiais.

A lixeira, que ocupa uma área de cerca de 12 hectares, localiza-se na zona norte da cidade da Praia, mas será desativada para ser transferida para o Aterro Sanitário do concelho vizinho de São Domingos, inaugurado em Maio de 2015 e com capacidade para tratar 1,2 milhões de toneladas de resíduos sólidos de todos os nove municípios da ilha de Santiago.

Segundo dados oficiais, metade dos resíduos sólidos urbanos produzidos diariamente em Cabo Verde, 110 toneladas, têm origem na Praia, que alberga cerca de 30% da população cabo-verdiana.

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