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Criminalizar vidas negras para absolver o sistema (carta aberta)

Manifestação, Cláudia Simões, Lisboa | ©Lusa
Manifestação, Cláudia Simões, Lisboa | ©Lusa

No passado dia 25 de janeiro, três anos volvidos sobre as agressões, do agente da Polícia de Segurança Pública (PSP) Carlos Canha, a Cláudia Simões, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu pronunciar Cláudia Simões pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada. Isto é, contrariando as decisões anteriores do Ministério Público (MP) e do Juiz de Instrução, Cláudia Simões não irá a julgamento somente na qualidade de vítima, mas também sob suspeita de ter agredido o agente da PSP.

Já Carlos Canha irá a julgamento por oito crimes que contemplam injúria e ofensas à integridade física agravada, sequestro e abuso de poder, enquanto João Gouveia e Fernando Pereira são acusados de um crime de abuso de poder, pela omissão de auxílio à vítima, Claúdia Simões. Acrescente-se ainda que, nessa mesma noite, no interior da Esquadra do Casal de S. Brás, Carlos Canha agrediria ainda outras duas pessoas, uma das quais havia filmado a agressão a Cláudia Simões. Carlos Canha foi ainda, mais recentemente, citado na reportagem Quando o Ódio Veste Farda (2022) por integrar uma base de dados de 591 elementos das forças de segurança que alegadamente cometem crimes de ódio nas redes sociais.

A decisão do Tribunal da Relação de Lisboa é, em certa medida, inusitada, já que, ao que tudo indica, preferiu ancorar-se no testemunho de uma das pessoas agredidas na Esquadra obtido imediatamente após as agressões, do que nas declarações prestadas pelo mesmo, mais tarde, ao MP, à partida mais fidedignas por não terem sido prestadas num contexto de possível coação. A acusação que pende agora sobre Cláudia Simões parece, de algum modo, legitimar a ideia de que a violência a que todes assistimos foi, afinal, uma consequência dos seus atos. Ou seja, criminalizar a vítima parece servir para desculpabilizar o agressor, trilhando um caminho para a absolvição pública e judicial do agente Carlos Canha, mas sobretudo do sistema.

Assim, ao contrário do que apurou o MP, a história que vai a julgamento não é aquela de uma mulher negra, agredida em frente à sua filha de 7 anos, por um agente da PSP, com formação em artes marciais; mas a história de um motorista e de um polícia que percecionam esta mulher como ameaça, reificando o imaginário histórico de uma mulher negra, corpulenta, descontrolada, agressiva – intimidante.

O uso da “perceção de perigo” como argumento justificativo para a violência policial lembra-nos histórias recentes, como o caso da Esquadra de Alfragide. Aí, também a “perceção de perigo”, da pretensa “invasão de esquadra” por um grupo de homens negros, que terá sido sentida pelos polícias, pesou para atenuar a gravidade dos seus crimes/condenações, como se de uma prova material se tratasse. E, embora a condenação por crimes graves tenha sido, posteriormente, confirmada pela Relação, os agentes continuam inaceitavelmente em funções.

O arrastar deste processo em recursos consecutivos parece ser uma tentativa de retirar a relevância pública e política de um evento que chocou o país e que ocorreu pouco tempo antes da morte de George Floyd às mãos da polícia que aplicou técnicas de imobilização semelhantes sob o pescoço. Pode-se igualmente esperar, seja pela prática corrente dos tribunais portugueses, seja pela postura reiteradamente negacionista dos mais altos responsáveis da PSP e do Governo, que a dimensão racial que atravessa este caso nem venha a ver a luz do dia.

A agressão de Carlos Canha a Cláudia Simões não foi um ato isolado: as pessoas negras e Roma/ciganas na periferia são institucionalmente mais vigiadas e violentadas pelo aparelho repressivo do Estado. A decisão do sistema de justiça sobre este caso não pode continuar a reproduzir a impunidade da violência policial contra pessoas racializadas.

Por tudo isto, cá estaremos – vigilantes, atentes – com Cláudia Simões, por todes nós!

Justiça para Cláudia Simões e para todes es sobreviventes da violência policial!

SUBSCRIÇÕES INDIVIDUAIS

Ackssana Silva (Socióloga)

Ágatha Barbosa (Artes do Espetáculo)

Alexa Santos (Assistente Social)

Alexandra Vieira (Professora)

Allex Miranda (Ato/Encenador/Dramaturgo/Guionista)

Ana Alves (Psicóloga)

Ana Fernandes (Técnica)

Ana Fernandes (Produção cultural e desenvolvimento comunitário)

Ana Marques (Médica veterinária)

Ana Mendes (Designer gráfica)

Ana Nacarino Palma (Nome pessoal)

Ana Rita Alves (Antropóloga)

Ana Sofia Palma (Administrativa)

Ana Vaz (Psicóloga)

Anabela Gomes Lopes Semedo (Direção Ass. Cabo-verdiana no Reino Unido)

Anabela Rodrigues (Artivista)

Anabela Simões Ferreira (Escritora)

Anaísa Lopes (Piny) (Coreógrafa, performer)

Anca Usurelu (Produtora cultural e pesquisadora estudos culturais)

Andrea Sousa (Tradutora)

Ângela Gouveia (Educação)

Angela Guerreiro (Artista independente)

Anizabela Amaral (Jurista)

Antoniel da Costa (Advogado)

António Alves (Ativista)

António Jorge Gonçalves (Artista visual)

António Oliveira (Animador)

Apolo de Carvalho (Estudante)

Ariana Furtado (Professora do 1º Ciclo)

Augusto Neves Júnior (Empresário de Turismo)

Bárbara Góis (Estudante)

Bianca Gomes (Professora)

Bruno Braz (Psicólogo e doutorando)

Carla António (Caixeira)

Carla Costa Gomes (Atriz/Empreendedora)

Carla Fernandes (Jornalista e escritora)

Carla Sanches (Vendedora)

Carolina Coimbra (Doula)

Catarina Soares Barbosa (Designer)

Cátia Pinheiro (Encenadora)

Cátia Semedo (Freelancer)

Cátia Severino (Investigadora)

Célia Paulo (Supervisor)

Célia Pires (Produtora)

Celina Bermudez Vogensen (Ativista)

César Mota (Diretor de Fotografia)

Cheila Collaço Rodrigues (Artista Interseccional)

Cheila Rocha (Psicóloga)

Chiara Bertucco (Zona Franca dos Anjos)

Christine Ayorinde (Tradutoura)

Cibele Ramos Lima (Jornalista)

Cindy Baptista (Designer)

Clara Sandra Borges (Assistente de Call Center)

Cláudia Marques (Investigadora)

Cláudia Vantacich (Fotógrafa)

Claudino Pereira (Músico)

Cleo Diára (Artista)

Creudênia Santos (Psicóloga)

Cristina Roldão (Investigadora)

Daniel Martinho (Actor)

Daniela Santa-Marta (Investigadora social)

Débora Dias (Historiadora)

Diego de Oliveira Gomes (Trabalhador independente)

Dino Santiago (Músico)

Diógenes Parzianello (Sociólogo e ativista)

Diogo Faro (Humorista)

Dora Cruz (Artista)

Dora Filipa Matos (Ativista)

Dori Nigro (Artista)

Edna Tavares (Psicóloga Clínica)

Eduardo Jorge Pereira (Reformado)

Eduardo Rodrigues (Estudante)

Elias Aço (Operador de Assistência ao Cliente)

Elisabete Afonso Lopes (Técnica Superior de Educação)

Elvia Vasconcelos (Investigação)

Erica Acosta (Advogada)

Eugénio Silva (Gestor de Projetos Sociais)

Eunice Nobre (Gerontóloga)

Evalina Dias (Ativista antirracista)

Fabiana Leonel de Castro (Antropóloga)

Fernanda de Brito (Formadora)

Fernanda Gameiro (Téc. Sup. Diagnóstico e Terapêutica)

Filipa Dias (Estudante)

Filipe Mourão (Advogado)

Flávio “Lbc Soldjah” Almada (Artista)

Francesca Esposito (Investigadora)

Gessica Borges (Pesquisadora e Ativista)

Gil Pereira (Educador ambiental)

Gio Lourenço (Ator e performer)

Gisela Casimiro (Escritora e artista)

Gualdina Diogo (Informática)

Hélder Nascimento Lopes (Doutorando/pesquisador)

Helena Vicente (Referential SSI Oficcer)

Inês Beleza Barreiros (Historiadora de arte)

Inocência Mata (Professora universitária)

Iris De Brito (Produtora Cultura e Coreógrafa)

Isabel Maria Fragoso de Castro Silva (Editora e tradutora literária)

Janaína Alves (Gestora Administrativa e RH)

Jessica Coelho (Bancária)

Joacine Katar Moreira (Historiadora e Política)

Joana Borges (Psicóloga)

Joana Ferreira Alves dos Santos (Formadora)

Joana Simões Piedade (Jornalista e mediadora cultural)

Joanadágua (Artista)

Joana Santos (Engenheira)

João Cão Duarte (Animador, investigador)

João Castanho (Eletricista)

João Veloso (Operador de Câmara)

Joel José Ginga (Consultor de TI)

Jorge Fonseca de Almeida (Economista, MBA)

José Abrantes (Trabalhador de call center)

José Baessa de Pina (Dirigente associativo)

José Falcão (Dirigente de Associação Antirracista)

José Nunes (Encenador)

José Rui do Rosário (Músico e Funcionário Público)

José Semedo (Professor/treinador)

Joyce Silva (Operadora de Armazém)

Júlia Mendes Pereira (Ativista política)

Khira (Cantora)

Kitty Furtado (Investigadora)

Laura Brito (Estudante doutoramento)

Leonor Silva (Estudante)

Leopoldina Fekayamãle (Ativista Feminista)

Letícia Gurgel (Designer de interiores)

Lígia Morais (Bancária)

Liliana Correia (Sales Manager)

Luana Pinto Coelho (Investigadora)

Lucas Reis (Investigador)

Lúcia Furtado (Contabilista)

Luís Nuno Barbosa (Ativista e Investigador)

Luis Pinto Lisboa (Professor)

Luíza Gabriel (Dj)

Madalena Galrinho (Estudante)

Madalena Martins (Reformada)

Madalena Moreira de Sá (Tradutora e Facilitadora de Práticas Conectivas em Comunidade)

Magda Burity (Especialista em comunicação)

Maíra Zenun (Socióloga e Artista)

Mamadou Ba (Militante Antirracista)

Manuel L. Dias dos Santos (Sociólogo e Historiador)

Manuel Lopes (Reformado)

Marcus Veiga (Músico)

Margarida Rendeiro (Professora universitária e investigadora)

Maria Azevedo (Contabilista)

Maria do Carmo Piçarra (Investigadora e professora universitária)

Maria Fortes (Trabalhadora fabril)

Maria Gil (Atriz)

Maria Tavares (Ativista)

Maria Vieira (Consultora de marketing)

Mário Lima (Professor universitário, aposentado)

Marisa Paulo (Enfermeira e artista)

Marta Machado (Investigadora)

Marta Pereira (Ativista Ass. Antirracista)

Melissa Rodrigues (Artista, Arte-Educadora, Curadora independente)

Michelle Lima (Doutoranda)

Micol Brazzabeni (Mediadora e antropóloga)

Miguel Dores (Documentarista)

Miriam Pires dos Santos (Psicóloga)

Mónica de Miranda (Artista visual e investigadora)

Mónica Furtado (Estudante)

Naára Saturnino (Artista multidisciplinar)

Nádia Yracema (Atriz)

Nadine Mesquita (Associação cultural)

Nelson Vieira Lopes (Psicólogo Clínico e Psicoterapeuta)

Nilton Mascarenhas (Ativista)

Nina Vigon Manso (Investigadorx-Artistx)

Noemi Alfieri (Investigadora e escritora)

Nome pessoal (Produtora)

Nuno Silva (Jurista; ativista antirracista)

Osvaldo Semedo (Construção Civil)

Otávio Raposo (Pesquisador)

Paola Alves (Estudante)

Patrícia Marcos (Historiadora)

Paula Almeida (Educador Social)

Paula Cardoso (Fundadora do Afrolink)

Paulo Dias (Psicólogo Clínico e formador antirracista)

Paulo Raposo (Professor)

Pedro Ferrão (Professor)

Pedro Luqueia de Santarém (Membro de associação cultural)

Pedro Schacht Pereira (Professor universitário)

Piménio Ferreira (Militante Antirracista)

Raquel Lima (Artista e investigadora)

Raquel Pimentel (Fotógrafa)

Raviliano Fonseca (Programador)

Renzo Rocha (Mestrando)

Ricardo Ayala (Produtor cultural)

Ricardo Gomes – Riça (Guía Turismo)

Rita Cássia Silva (Antropóloga, Artista multidisciplinar)

Rita Nunes Correia (Enfermeira)

Rodrigo Ribeiro Saturnino (Sociólogo e Artista)

Rui Gomes Coelho (Professor universitário)

Rute Lopes (Administrativa Técnica)

Sandra Urceira (Ativista Antirracista)

Santiago Mbanda Lima (Ativista Político)

Sara Neves (Médica)

Sara Serpa (Músico)

Schuma Schumaher (Educadora Social)

Sebijan Fejzula (Investigadora)

Silvia Jorge (Ativista Antirracista)

Sofia Andrade (Recrutadora)

Sofia Ortolá (TORVC)

Soraia Simões de Andrade (Escritora e investigadora)

Stivan Santos (Operador)

Susana Pereira (Psicóloga)

Tê Pombo (Atriz e Produtora)

Teresa Bompastor (Assistente administrativa)

Tiago Jácome (Artista)

Tomás Quental (Organizador comunitário)

Vanda Marques da Silva (Freelancer)

Vanessa Fernandes (Artista)

Vânia Doutel Vaz (Artista de dança)

Varela Kay (Autor, Músico, Empresário)

Vasco Manuel Torres dos Santos (Dirigente Sindical e Partidário)

Vítor Barros (Investigador)

Vítor Borges (Motorista serviço público)

Vladimir Vaz (Jurista)

Welket Bungué (Artista)

Winnie Silveira (Engenheira)

Zia Soares (Encenadora e atriz)

SUBSCRIÇÕES COLETIVAS

Ação Pela Identidade (Associação de Direitos Humanos)

Afrolink (Plataforma que une profissionais negros)

Afrolis (Associação Cultural)

Afropsis (Plataforma de psicólogos)

Batoto Yetu Portugal (Associação cultural e juvenil)

Associação Cavaleiros de São Brás (Associação Cultural e Social)

Aurora Negra (Coletivo artístico)

Bazofo Dentu Zona (Biblioteca comunitária)

Brigada Fernanda Mateus (Coletivo antifascista de Coimbra)

Coletivo Múmia Abu-Jamal (Associação de Solidariedade)

Coletivo Consciência Negra (Coletivo antirracista)

Coletivo Gaio (Coletivo ambientalista)

Coletivo Andorinha (Coletivo em Defesa da Democracia e dos Direitos Humanos)

DJASS (Associação de Afrodescendentes)

EBANO Collective (Associação Cultural)

FEMAFRO (Associação de Mulheres Negras, Africanas e Afrodescendentes em Portugal)

Grupo EducAR (Coletivo informal)

Guimarães LGBTQIA+ (Grupo LGBTQIA+)

Headbangers Antifascistas Portugal (Grupo Antifascista)

Iniciativa Cigana (Veículo de Contrapropaganda)

INMUNE – Instituto da Mulher Negra em Portugal (Associação sem fins lucrativos)

Kilombo (Grupo Informal Cívico)

Letras Nómadas (Associação Cigana)

Marcha Mundial de Mulheres (Coletivo feminista)

MBONGI 67 (Espaço Cultural e Livraria)

Movimento Virgínia Moura (Coletivo Feminista)

Mulheres Negras Escurecidas (Coletivo de Mulheres Negras)

Nêga Filmes & Produções (Coletivo Informal)

Núcleo Antifascista de Barcelos (Ativismo)

Núcleo Antifascista de Guimarães (Coletivo de defesa dos Direitos Humanos)

Núcleo Antifascista de São Miguel – Açores (Coletivo Unitário)

Núcleo Antifascista do Porto (Antifascismo)

O Lado Negro da Força (Coletivo)

OVO PT | Observatório de Violência Obstétrica (ONG)

PADEMA, Plataforma para o Desenvolvimento da Mulher Africana (Associação dos Direitos das mulheres africanas/Afrodescendentes)

PLANO V (Produtora artística)

Saber Compreender (Associação sem fins lucrativos)

SaMaNe Saúde das Mães Negras e Racializadas em Portugal (Associação sem fins lucrativos)

SOS Racismo (Associação Antirracista)

Teatro GRIOT (Companhia de teatro)

The Blacker The Berry Project (Coletivo cultural)

Trees are Water (Design de ecossistemas)

UNA – União Negra das Artes (Associação Cultural)

Vozes de Dentro (Coletivo Abolicionista)

Relembramos-te que podes ouvir os nossos podcasts através da Apple Podcasts e Spotify e as entrevistas vídeo estão disponíveis no nosso canal de YouTube.

Para sugerir correções ou assuntos que gostarias de ler, ver ou ouvir na BANTUMEN, envia-nos um email para [email protected].

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