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#DesculpaMãe. Não batam na minha mãe!

desculpa mãe
Imagem Instagram

Imigrar: verbo intransitivo; entrar num país estranho a fim de nele se estabelecer.

A definição da palavra imigrar no dicionário é cabalmente despovoada de precisão. Imigrar quando se é pobre e deprovido de estudos é, na maioria das vezes, ser empurrado para a marginalização no país que o devia acolher. Depois de se abandonar a terra natal, a família e tudo aquilo que se tem como dado adquirido ruma-se ao incerto, na busca de um futuro digno para si e para os seus.
Nos anos 60 e 70, uma grande vaga de imigrantes oriunda dos PALOP enfiou nas malas o pouco que tinha, gastou as economias de uma vida inteira dos seus pais, tios ou avós, para seguirem viagem em direção ao norte, Portugal, com a certeza de que ali iriam viver ao invés de sobreviver.
Chegados à terra cujos distritos, rios e História conheciam melhor do que a dos seus próprios países – fruto do ensino escolar colonial – viram-se engaiolados nas áreas da construção civil, trabalho doméstico na casa de terceiros e fabril.
Remetidos aos bairros de lata ou sociais, os únicos lugares onde a situação financeira podia comportar um teto, tinham um ritmo diário desesperadamente rotineiro. Levantar às 5 horas da madrugada, apanhar os transportes públicos da periferia das grandes cidades, para regressar às 19, 20 ou 21 horas, consoante o número de horas extra ou de empregos que cada um conseguia acumular.
Enquanto isso, em casa ficavam as crianças pequenas, que tomavam conta umas das outras. Iam e regressavam da escola sozinhas ou em grupo de colegas mais novos e mais velhos. Nos anos ’80 e início dos ’90, ir e vir da escola sozinho aos 7 anos era corriqueiro. Não havia opção. Estas crianças cresceram sozinhas e com a certeza de que os seus pais trabalhavam duro para garantir os únicos luxos que lhes era possível: comida na mesa, roupas demodé e algum material escolar. Hoje adultos, cresceram com a sabedoria do desenrascanso das ruas, com a vontade de terem mais e melhor mas sem nunca lhes ter sido indicado como o poderiam fazer. Muito pelo contrário. Na escola apontavam-lhes o ensino profissional como a melhor saída, tirando-lhes do caminho a meta da universidade. Resultado: menos conhecimento, menos perspectivas profissionais atrativas e bem remuneradas. Cria-se assim um círculo geracional de pobreza financeira e de sabedoria.
Esta introdução serve para esclarecer um décimo da realidade vivida por uma grande parte da comunidade negra em Portugal. Não vamos aqui falar de quem conseguiu escapar a este barco à deriva, mas de quem ainda está lá dentro, sem comandante, nem mapa: as nossas mães.
Na maioria das vezes, quando a comunicação social relata um conflito entre jovens e a polícia em bairros sociais, é comum questionar o tipo de educação que foi dada a estes jovens. Ora, os nossos mais velhos são mestres em boa educação e – culpa de tantos anos de lavagem cerebral colonial – em muitas vezes baixar a cabeça para não contrariar o patrão, a patroa, o senhor polícia, o senhor do SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras), senhor do supermercado, a senhora da padaria, e por aí a fora.
As nossas mães trabalham dia e noite, literalmente, a limpar a merda dos outros, para poderem desenrascar uma vida melhor para os seus filhos. São trabalhadoras, respeitadoras e, muitas vezes, condescendentes com a descriminação que enfrentam diariamente com o objetivo de não darem azo a qualquer tipo de consequências nefastas à sua paz.
E são estas mães que, apesar de todo o esforço que fazem em prol dos seus rebentos, se culpabilizam pelas longas horas de ausência diária em casa, por faltarem às reuniões de pais, por não nos conseguirem comprar aqueles ténis de marca que tanto queríamos, por não conseguirem mostrar amor depois de uma jornada de 10 horas de trabalho árduo, por não conseguirem fazer os trabalhos de casa connosco, por não nos terem ensinado que somos melhores do que aquilo que nos fazem crer.
São estas as senhoras que são selvaticamente agredidas pela polícia quando o único crime que cometeram foi tentar proteger um filho de ser ele próprio agredido. Com ou sem razão, uma mãe defende o seu filho, corre ao seu socorro seja em que circunstância for.

Polícia: nome feminino; instituição encarregada de garantir a segurança pública, os direitos dos cidadãos e o cumprimento das leis, reprimindo as infrações a essas leis. 

Onde estava a polícia quando, neste domingo, no Bairro da Jamaica – o maior bairro ilegal e um dos mais degradados de Portugal -, um grupo de agentes da Polícia de Segurança Pública agrediu desenfreadamente uma senhora de idade, uma mãe, que só queria proteger o filho? Um agente levar uma pedrada é razão para se deter o agressor. Ou a lei denuncia que a progenitora de um agressor deve ser severamente punida por via de um bastão, até perder os sentidos? A progenitora e o progenitor. O pai foi o primeiro a ser agredido. Um pastor que em momento algum teve uma reação violenta contra a autoridade. Os vídeos, que têm sido partilhados pela Internet e por alguns meios de comunicação, não mostram o início do confronto, em que a Polícia alega ter sido recebida pelos moradores à pedrada, mas revela um senhor que tenta afastar um jovem da confusão e é entretanto puxado por um agente e agredido ao soco. Qual foi o crime deste pastor?
Um desacato é indicador do grau de violência que a polícia deve usar indiscriminadamente sobre a população? Onde estão os polícias treinados a lidar com situações de conflito e tensas? Sendo o desacato num bairro onde as casas custam mais de 500 mil euros, teria a polícia reagido da mesma forma com a dona Maria Espírito Santo Bettencourt com um casaco de pêlo de vison e um cabelo incrivelmente alinhado?
Ninguém desculpa o jovem que, alegadamente, agrediu a polícia. Questiona-se apenas a conduta e integridade de alguns membros das forças de segurança.
Depois do famoso caso de Alfragide, em que finalmente se conseguiu expor a brutalidade policial indiscriminada contra os negros praticada pelo organismo que tem como missão proteger o cidadão, seja ele branco, preto, verde ou às bolinhas rosa, é necessário mais ação. Agora que o assunto não pode mais ser tapado com a peneira, que criemos um grupo sólido de poder. Poder nem sempre significa dinheiro. Coesão é poder. Conhecidos e desconhecidos, juntemo-nos. Os artistas começaram a fazer a sua parte. Está por todo o lado nas redes sociais. Divulguem, façam a vossa parte. Instiguem à tomada de consciência. Dêem visibilidade ao assunto. Sejam o microfone do povo que vos oferece o pão que vocês comem todos os dias.
Que se criem fundos de ajuda para se financiar um grupo de defesa legal altamente competente e credível. Que se crie barulho suficiente para o racismo institucional ser debatido na Assembleia da República. Não nos calemos. Não tenhamos medo de divulgar, de apoiar, de manifestar, de procurar todos os meios possíveis para fazer valer a lei a favor do cidadão.
Que nos apoiemos mais. Que eduquemos os nossos filhos a lutar contra o errado, venha ele de onde vier. É errado bater numa senhora de idade. É errado. Um agente de autoridade está, alegadamente, treinado para imobilizar uma pessoa potencialmente perigosa. Uma senhora de idade não é um alvo a abater. Nenhum cidadão é um saco de boxe. A força pode e deve ser usada quando justificada e não para aliviar a tensão a seu bel prazer.
Ainda em 2017, um Relatório do Comité Europeu Contra a Tortura sobre Portugal falava em “racismo institucional profundamente enraizado”. Vamos continuar a deixar andar?
Não batam na minha mãe!
 
 

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