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MIA 2024

AME, um festival invisível para a CPLP mas apetecível para a comunidade musical internacional

May 19, 2024
AME, um festival invisível para a CPLP mas apetecível para a comunidade musical internacional

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Há dez anos que o Atlantic Music Expo (AME) bombeia a ilha de Santiago, em Cabo Verde, com a cultura de diferentes países banhados pelo oceano Atlântico. É uma década de maturação de um festival que, anualmente, movimenta a economia local e promove internacionalmente o arquipélago como destino turístico-cultural. A 11.ª edição já tem data marcada de 7 a 10 de abril de 2025 e, recentemente, o AME tornou-se num dos membros do European Festivals Association, que conecta mais de 100 festivais em 40 países diferentes.

Por trás da organização do evento está Augusto “Gugas” Veiga, um empresário cultural que não poupa nos esforços para ultrapassar os desafios logísticos, financeiros e locais para a concretização do AME, ano após ano. Reconhecido pelo seu papel fundamental na promoção da música e turismo cabo-verdiano pelo mundo fora, Gugas Veiga é um homem de sete ofícios. É produtor, booker, agente, manager, e diretor-geral do AME, um dos eventos mais impactantes de Cabo-Verde e da África Ocidental.

É hoje um evento cada vez mais segmentado e um exportador da cultura musical cabo-verdiana, e não só, para o mundo. Inicialmente promovido pelo artista e ex-ministro da Cultura, Mário Lúcio, há cinco anos que o AME acontece através de uma associação cultural de dez empresas locais, numa parceria publico-privada com o governo de Cabo Verde. “Não é um festival. É um mercado de várias vertentes, com conferências, workshops sobre a indústria musical e para partilhar conhecimento com os players nacionais e com os que vêm de fora, e os ono-on-one meetings, onde convidamos vários profissionais da área para estarem disponíveis durante duas horas para que as pessoas que estão cá, artistas e managers, possam ter acesso e fazer esse network com eles. Temos também os stands de negócios locais, e ainda a parte musical. Durante o dia há dois shows a que chamamos day cases, no Palácio da Cultura, e há mais shows em dois palcos aqui no Platô, em formato ping pong. É mais do que um festival. É abrangente e social. E é sem fins lucrativos mas ao mesmo tempo é também o negócio da música a ser feito aqui.”

Gugas Veiga
Augusto Jorge De Albuquerque Veiga | Director-geral do Atlantic Music Expo (AME) | BANTUMEN

Sobre a potencialização da cultura local, o AME conta com cerca de 50% de artistas nacionais, residentes e da diáspora. “Este ano, por exemplo, tivemos apenas dois artistas de Cabo Verde que vivem fora”. A plataforma é para os artistas residentes saírem do seu nicho local. Além de aumentar as possibilidades de visibilidade dos artistas nos restantes festivais nacionais, o AME contribui também para a internacionalização desses artistas. “Este ano, tivemos cá pela primeira vez um profissional da Jordânia, com dinheiro pronto a contratar, outros de Toronto e do Quebec, no Canadá… Vamos fazer um acordo com a província do Quebec, em que todos os anos vem um artista deles cá e vai um artista de Cabo Verde para lá. E o artista que veio da parte deles tocou com artistas cabo-verdianos, residentes cá. Também trouxemos, pela primeira vez, um delegado do Chile, da Costa Rica. São delegações que têm festivais de grande dimensão e que podem contratar imediatamente. Sejam artistas cabo-verdianos ou de outras nacionalidades. Ao mesmo tempo, os jornalistas que estão cá, quando fazem as suas peças, o país está a ser falado, como um destino de turismo cultural e sobre os artistas que estão cá”, explicou.

O AME segue a mesma lógica de outros grandes festivais internacionais da indústria da música. É promovida anualmente uma open call, por norma entre junho e setembro, e o júri designado no respetivo ano é que seleciona os 26 artistas e bandas a atuar no evento. Por ano, a organização recebe mais de 500 candidaturas.

Enquanto o AME foi organizado pelo Ministério da Cultura, toda a estrutura do festival era arquitetada por uma empresa alemã, a Piranha Arts. Nessa altura, a participação de delegações e media europeias era a base do festival. “Nós abrimos. Começámos a trazer jornalistas africanos, jornalistas pan-africanos e artistas africanos e cabo-verdianos”, explicou Gugas Veiga.

Nelson Freitas, Manecas Costa, Karyna Gomes, Djodje, Kaysha, Elji Beatzkilla, Youssou N’Dour, Akon, são apenas alguns dos nomes mais sonantes que já passaram pelos palcos, conferências e workshops do AME, com o propósito de partilharem as suas experiências e conhecimento profissional.

Um dos exemplos que o promotor partilhou com a BANTUMEN e que comprovam o impacto do evento é Dino D’Santiago. ”Ele atuou aqui neste palco. Estava cá alguém da Coreia do Sul, contratou-o e foi lá que ele fez network com um produtor e vocês estão a ver o resto da história. Esta é a nossa vertente, de tentar potencializar os talentos cabo-verdianos e africanos.”

Contudo, apesar do visível impacto a nível social e cultural, o impacto financeiro ainda não é medido, por conta dos elevados custos para se conduzir um estudo do género. “Não há um estudo feito, e na abertura do festival pedi ajuda para isso, porque para um estudo em condições tens de ter, pelo menos, dez mil euros. Nós não conseguimos ter isso no nosso orçamento. Mas tu vês a olhos nus. Os hotéis estão cheios, os aviões estão cheios, a cidade está com outros movimentos, bares e restaurantes com outro movimento, não há mais carros para alugar… No ano passado, o SISP (Sociedade Interbancária e Sistemas De Pagamento) fez uma previsão de cerca de 150 mil euros e movimentou-se seis vezes mais nos Caixas 24 durante esta semana do AME e do Kriol Jazz”.

O festival tem um orçamento avaliado em cerca de 16 milhões de escudos (cerca de 150 mil euros) que é praticamente todo desembolsado localmente. “O nosso orçamento é só para prestação de serviços, agências de viagens, hotéis, material de som, palcos, então, o dinheiro fica aqui. Tens um orçamento mas não é dinheiro que vai para fora. É dinheiro que ajuda as empresas locais. Nós trabalhamos com 73 empresas. Empoderas bem a economia mas, como não tens números, és um bocadinho marginalizado”.

Além de toda a movimentação financeira local à volta do AME, uma das principais preocupações do evento atualmente é a formalização do setor cultural em Cabo Verde. Gugas Veiga recorda os parceiros deste ano, como o Instituto Nacional de Previdência Social, que conta apenas com cerca de 33% dos artistas inscritos, o que, por exemplo, pode causar constrangimentos em termos saúde. “O pessoal não tem assistência médica porque não está no INPS”, sublinha. Houve ainda o Instituto de Apoio e Promoção Empresarial, para que os artistas possam ter consciência da sua formalização para, por exemplo, terem acesso a um crédito. “É necessário nós fomentarmos a formalização do sistema, da bolha musical, para termos mais força e sermos mais respeitados”, acrescenta.

O AME olha também para a possibilidade de exportar o seu conhecimento para outros países lusófonos, como a Guiné-Bissau, Angola, Moçambique ou São Tomé. “Os grandes artistas angolanos, por exmeplo, ainda não se deram conta que podem estar cá, mesmo que não façam actuações, para fazerem network. Talvez não precisem, porque há um grande mercado em Angola, assim como em Moçambique, e conseguem sair por expele para Portugal, mas ficam limitados a esses países. Vindo aqui, podem expandir. O ministro da Cultura de Angola esteve cá no ano passado e queria replicar o projeto lá e é possível porque não é preciso muito dinheiro para o fazer e há mercado.”

Gugas termina a entrevista falando no potencial, em termos de recursos naturais, dos restantes países africanos lusófonos, e da falta de investimento na Cultura. “A Guiné tem tudo e Angola então nem se fala.” Em Cabo Verde, apesar da falta de recursos, Augusto Veiga acredita que a democracia e o ambiente político estável são motivadores das movimentações culturais no país.

É também nesse sentido que o promotor acredita num papel preponderante da CPLP. ”Eu peço que CPLP invista na cultura e nas trocas culturais. A CPLP devia estar aqui. Enviámos um convite. Eles deviam ser financiadores de um evento como este, que é único na CPLP. No continente temos em Marrocos, na Costa do Marfim e agora em Dakar (Senegal). Quando tens uma plataforma como esta, tens de aproveitar e mostrar que queres fazer diferente. Enviámos um convite para a CPLP mas nem recebemos resposta. É uma organização política mas não está perto das pessoas. Esse é que é o problema. Eles têm de sair dos gabinetes, onde ganham muito bem e vir ter connosco para fazermos mais intercâmbio”, termina o produtor cultural.

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