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Melly disse que não iria ligar a câmera do celular, mas não resistiu. No Rio de Janeiro, a cantora baiana aproveitava a piscina do hotel em que estava hospedada. Antes de ir para o estúdio, ela tirou um tempo da sua pequena folga na agenda para falar via Zoom sobre o seu álbum de estreia, Amaríssima.
Feliz pela repercussão do seu trabalho, a vencedora da categoria Artista Revelação do Prêmio Multishow de 2023, um dos mais importantes do Brasil, estava animada porque logo depois iria para o estúdio gravar um feat e, no dia seguinte, participaria de uma homenagem ao ícone Tim Maia, na cerimônia do Prêmio da Música Brasileira, cantando "Bom Senso", com Raquel Reis e Iza.
“Inacreditável como a vida leva a gente para lugares inimagináveis”, disse. “Estou muito feliz de poder participar desse projeto, principalmente, pelo Tim ser um artista que é minha referência, que eu reverencio desde pequena”.
De voz doce e marcante, Melly ganhou destaque com o single “Azul”, em 2021. Essa carta de apresentação abriu portas e criou oportunidades. Ser premiada confirmou sua potência artística, que é reafirmada neste disco, que para ela “é uma tentativa de evolução, por isso tateia o amargo”. Isso não quer dizer que ele é guiado pela tristeza.
Sendo uma mulher apaixonada, ela trata do amor, mas sem romantizá-lo. Aborda suas belezas e amarguras de uma forma leve. Mesmo na densidade de algumas composições é possível dançar. Outras podem dar gatilhos. Porém, quando você começa a ouvir é impossível desistir no meio do caminho.
Rapaz.. como é que eu posso te dizer isso? Eu nem li os comentários, viu!? Nem li. Eu ganhei meu prêmio, aceitei, peguei... depois eu entendi. É Difícil mesmo a gente ter autoestima pra confiar no trabalho. Mas é tudo um processo... a história e a vida vão mostrando pra você. O tempo mostra o que ele precisa mostrar. Naquele momento, eu recebi aquele prêmio, mas, enfim, a vida não é feita de premiações. Porém, às vezes é bom a gente ter o trabalho reconhecido, né!? É muito esforço que se coloca, e eu amo muito a música. Então, eu só abracei, fiquei extasiada e imensamente feliz por discursar, tendo na minha frente Caetano (Veloso), do outro lado tinha Vanessa da Mata... Podia fazer mais o quê? Estava no céu! Voltei pra casa, levei o prêmio pra minha família. A gente ficou lá, dando risada e abraçando aquilo tudo. E de resto, eu nem ouvi, véi. Não faz sentido pra mim escutar besteira.
Na maioria das vezes a gente dá muita importância para aquele único comentário negativo e desconsidera todos os outros que são positivos…
É, velho... tanta gente que eu gosto. Tanta gente que não me conhecia e passou a conhecer... fazer o que, né!?
Depois de vários singles, vídeos, participações e prêmios, você estreia com um álbum. Já no título é possível ter uma ideia do que se pode esperar, algo que está relacionado com amargura... Por que intitulá-lo de Amaríssima?
Eu sempre fui uma pessoa muito melancólica, e apesar de parecer doce, eu gosto muito mais do amargo. Eu não como doce. Eu não gosto muito de nada que seja tão adocicado assim. Aí eu tive uma epifania um dia de querer falar sobre esses processos de como é que eu me reconheço... Enfim, a música sempre foi muito pessoal pra mim. A música é o meu diário, a minha válvula de escape, é o jeito que eu entendo e conheço o mundo. Por isso, achei que no meu primeiro disco tinha que falar sobre o que tenho aprendido até agora. Eu me vejo muito no amargo, me vejo muito no que o amargo proporciona, apesar de ser desconfortável, eu estou sempre tentando me colocar fora da minha zona de conforto para evoluir. E esse disco é uma tentativa de evolução, por isso fala que está tateia o amargo.
Depende do compositor, do artista. Eu não tenho muito isso não. Acho que tanto na dor quanto no amor, eu gosto de compor.
"A gente precisa sentir saudade pra, quando encontrar com alguém, aquele abraço ser sensacional"
Melly
Depois que eu entendi sobre o que eu queria falar, qual a mensagem que eu queria transmitir pro mundo, eu teci uma história, comecei a pensar como que isso seria contado. Muitas das músicas foram feitas durante o processo do disco. Eu fui escolhendo a dedo as composições que eu tinha. E foi muito fluido. Eu já sabia o que eu queria e aí foram aparecendo as composições... aparecia uma faísca, eu pegava, agarrava e desenvolvia.
Ele é totalmente amaríssimo, licença poética para virar feminino: amaríssima, completamente amargo.
O amargo, não necessariamente precisa machucar, precisa ser triste, algo de baixa energia. Só porque não é tão agradável assim de primeira, não significa que a gente deva descartar ou então achar que aquilo ali é uma coisa a se evitar. Eu tentei tirar o amargo desta caixa... no meu pensamento, a gente precisa passar por certas coisas para poder evoluir a outras. A gente precisa sentir saudade, pra quando encontrar com alguém aquele abraço ser sensacional... a gente precisa terminar um ciclo pra poder iniciar um outro, que talvez seja muito melhor ou muito pior. Nessa abordagem do amargo, eu não queria entristecer. Acho que ele não precisa ser mais triste, né!? Por isso que eu persegui essas nuances que as músicas acabaram se encaixando. De fato, elas não são tão tristes em ritmo, em gênero. Elas passeiam mais ali para algo que até pode transmitir certa doçura, até pode enganar... um agridocezinho ali.
Mais ou menos isso. A gente precisa sair da zona de conforto, experimentar coisas novas, misturar alguns ingredientes pra ver o que dá. Qual é a receita que vai dar? Amaríssima também é isso.
Todas as produções foram iniciadas por mim. Eu queria muito, por ser meu primeiro disco, o meu primeiro filho quase, eu cuidei com cuidado (um pleonasmo aí). Eu queria participar de todos os processos. Eu sempre participei na verdade de todos os processos, desde "Azul", eu já tinha participado da produção, da direção... e em Amaríssima não queria que fosse diferente, porque precisava ter o meu pensamento inicial. Depois eu chamei alguns colegas. A vida foi acontecendo, foi fluindo, e acabou surgindo Theo Zagrae, que é um parceiro, um amigo, um produtor excelentíssimo, Deekaps também descolaram para fazer "Bandida" e falar de amor junto comigo. Marcelo Delamare, Ícaro Santiago, que surgiu ao longo do projeto. Mas, inicialmente, sou sempre eu que pego as faixas, penso, e aí eu falo: "ó gente, será que a gente segue nesse caminho, o que vocês acham?" Se gostarem, a gente desenvolve. Mas sobre a diversidade de gêneros, eu sou uma pessoa muito eclética. Não consigo restringir minha musicalidade tanto assim. E eu queria que esse disco fosse pop, popular. Também pintasse um pouquinho para a Música Popular Brasileira (MPB). E aí, foi surgindo essa diversidade de ritmos. Eu nunca deixo a Bahia de lado, né!? Então, claro que apareceu o Pagodão, claro que ia ter a percussividade baiana também, que passei ali no samba reggae, no ijexá, nessas linguagens... também rolou um pouquinho de influência internacional, porque o R&B é o meu rio, né!? É de onde eu tiro minha inspiração, minha fonte.
Direcionar o disco ouvindo alguém, eu não fiz não... pegar um artista específico e ficar matutando na linguagem dele... isso aí, eu não fiz não, porque eu queria mesmo que fosse algo meu próprio, mas de influência da vida, eu falo sempre que Amy Winehouse é a minha fonte primeira... é a melancólica que eu mais gosto. Aí tem quem mais? Aqui no Brasil tem (Gilberto) Gil Caetano (Veloso), Elza (Soares), Tim (Maia), Djavan, Novos baianos, Os Tincoãs. Enfim, é uma galera... mas se a gente for falar de artistas atuais, gosto muito de Luedji, Liniker, Yoún, Os Garotin, Flora Matos, Filipe Ret, Karol Conká, Anitta…
Se você pega meu spotify tem uma playlist pra cada coisa.
É uma música triste. É uma música me mate, mas você está cantando feliz. É tão amargo que é feliz, saudoso. (canta) "Gostava tanto de vocêêê".
Tem que ser um pouco dos dois, na medida do possível, né!?
Foram amigos que a vida me deu. Não foi algo combinado para acontecer, foi acontecendo. Russo se tornou um grande parceiro, lá na minha cidade, Salvador, a gente se conectou... E aí, ele gostou muito de mim, eu gostei muito dele e a gente começou a trocar muita ideia. Ele me deu a chave do estúdio dele, do nada, pra produzir, fazer o disco, abraçou a ideia mesmo. Eu peguei e fiquei lá, a gente convivia. Ele escutou o disco, foi também meu conselheiro, meu parceiro. Antes de todo mundo, dava opinião, falava de tudo. E aí, acabou surgindo a produção de uma das músicas do disco, "Rio Vermelho", que antes se chamava "Deixa"... eu tinha composto no violão, Comecei a produzir, ele viu, ouviu no estúdio, passou, gostou, fez um verso, gravou. Então, falei: Russo, vou lançar essa mesmo, tudo bem? Ele disse tudo bem, bola pra frente. Foi foda, obrigada Russo, sempre... ainda bem que a vida me apresentou a ele, viu!? Liniker, eu não lembro como a gente se aproximou. Eu acho que ela postou "Azul" no Instagram, alguma coisa assim. E eu, né, sempre fui muito fã dela. Inacreditável. Mandei uma mensagem, falando: "Mas rapaz, que desgrama, cantando "Azul". Obrigada, eu fico muito feliz. Você é foda". Aí, ela falou que eu era foda também. Assim nos conectamos, fomos vivendo... Teve um dia, que eu estava tocando violão e saiu uma música chamada "Dez Minutos. Eu peguei, gravei e postei no Instagram despretensiosamente, porque às vezes quando eu tô querendo desabafar, eu posto no Instagram (risadas)... Ela viu esse story, respondeu dizendo que tinha gostado e pediu para enviar o áudio no WhatsApp. Daqui a pouco, quando eu penso que não, ela me mandou um áudio cantando uma letra que ela tinha feito à capella por cima da minha gravação. Respondi falando: "foda. Vou gravar, de boa? De boa! Produzi, ela colocou a voz e lancei também.O disco todo foi todo muito fluido. Não foi algo armado. Foi bem a vida mesmo acontecendo.
Oxi, tá rolando hoje. Tipo assim, imagine uma pessoa que você admira muito, chegar pra você e dizer que você é bom, que você é legal. Dá até uma confiança, né!? Você até começa a acreditar que é bom mesmo, que está fazendo alguma coisa certa. Eu sinto agora que estou fazendo alguma coisa certa, porque aqueles que eu gosto, aqueles que eu admiro também estão gostando de mim de volta. Algo está acontecendo. Num ensaio, encontrei com Xande de Pilares, aí ele falou assim: "Melly, né? Você é foda". Começou a conversar comigo e eu falei: "O quê, você me conhece?" Ele respondeu: "como não". Aí, começamos a conversar. Eu fiquei conversando com Xande de Pilares, tomando vinho, eu falando Besteira...estava eu, ele, Márcio Victor (Psirico), Pedro Sampaio... Não entendi nada, sabe!? É a vida, meu Deus, o que é a vida agora.
Tomara que eu conheça muito mais gente.
Velho, eu nunca tinha feito um disco e esse meu primeiro foi uma prova. Meu Deus, foi um teste. Foi como se eu tivesse fazendo o Enem, estudando pra alguma coisa muito importante na vida. É difícil você consolidar um trabalho com fluidez, com pensamento, com estética, com conceito. Quando você quer fazer algo bem feito tem que demorar um pouco. Fazer disco é foda, é massa. O mercado hoje não abraça muito, porque a gente é muito essa geração (a minha geração, que é essa geração desgraçada) é muito imediatista. Então, a gente quer tudo sempre rápido. Lançar um disco, às vezes,
tem gente que pensa que é desperdício, porque às vezes a pessoa entra no Spotify e escuta a primeira e a segunda, mas não escuta o resto. E aí, quando você lança um single é mais fácil de entrar na cabeça de alguém, porque é uma só coisa para a pessoa ouvir, clicar, né!? Mas eu acho Eu gosto mais de disco, EP... eu entendo o pensamento do mercado, eu entendo também o imediatismo dessa nova geração e do mundo, mas eu sou meio velha, minha alma é meio antiquada eu acho, meio ultrajada.
Às vezes tem singles que marcam, né? Eu não tiro a beleza dele não. Se for um single que tenha poesia, ele vai ficar pra sempre ali na história, assim como um disco com poesia vai ser relevante pra sempre. Mas enfim, eu gosto mais de disco... eu tô doida pra fazer o outro. Já estou fazendo outro... na verdade, seja um EP para o final do ano com algumas músicas que eu não consegui colocar nesse por falta de tempo. Mas não sei se pode falar isso não viu...
Ah, pode falar. Enfim, talvez eu lance.. bote assim: talvez ela lance, para galera não ficar achando que eu vou lançar e ficar me cobrando. (risadas)
Às vezes é o que eu vivo, e às vezes é o que eu vejo. Mas criar a partir de uma situação assim de um mundo inteligível não. Eu sou muito tátil, aquilo que eu vivencio e experiencio, eu falo sobre porque aí eu tenho ciência, eu consigo falar. Mas se for alguma coisa assim que eu nunca vi, eu prefiro não falar.
Você me pegou, hein!? Peraí... eu acho que "Gaveta", é um poema com minha letra... porque ela é meio que um sonho. Um dos meus sonhos na vida, além da música, é ter uma família. Eu quero muito ter uma família. Eu sou uma mulher apaixonada. Aí eu compus essa música mirando nesse sonho. Eu fiquei muito feliz que eu consegui falar sobre isso. É difícil para mim admitir certas coisas, mas quando eu escrevi essa e vi que consegui colocar pra fora, eu fiquei muito feliz. Eu gosto dessa música.
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