Arymar e a arte que se faz com verdades

April 18, 2025

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Na Pracinha da Escola Grande, no coração da cidade da Praia, o tempo parou por instantes para escutar Arymar, que até há pouco tempo dava-se a conhecer por Ary Kueka. Foi no dia 8 de abril, na abertura dos showcases do Atlantic Music Expo, que a voz vinda de Santo Antão atravessou a multidão com a força de quem viveu mais do que os seus anos podiam prever. Acompanhado pela sua guitarra e pelas histórias que carrega no peito, Arymar apresentou “Sampadiu”, o disco que lançou em 2021 e que é, mais do que um álbum, uma bússola de sobrevivência.


Arymar é autor, compositor, cantor e dono de um dos espaços culturais mais simbólicos da ilha: o Atelier Bar. Quem já se sentou na sua esplanada sabe que a música não é só o que se ouve, é o que se sente entre uma conversa e um copo, entre a bruma e a luz do entardecer. Ary tem histórias para contar — muitas. Começam com a perda precoce dos pais e com a infância rasgada pelo abandono e pela solidão. Aos sete anos, já conhecia a rua, o álcool, a dor. Mas também a música. E foi esse vazio imenso que, sem aviso, se fez semente de uma sensibilidade invulgar, capaz de escutar a natureza e traduzir em canção o que os olhos vêem e os silêncios dizem.


Há um momento-chave no percurso de Ary: o dia em que ouviu uma das suas músicas tocar na rádio. Embriagado pelo peso de uma vida descompassada, sentiu ali um clarão. Era preciso mudar, ou tudo se perderia. Com o apoio de José da Silva, produtor responsável pelo sucesso de Cesária Évora, encontrou o caminho para transformar dor em arte. Assim nasceu “Sampadiu”, uma viagem sonora que mistura rock, folk, reggae e bossa nova com o ritmo doce e nostálgico da morna. A voz de Ary, carregada de sal e verdade, embala as palavras com a delicadeza de quem nunca esqueceu de onde vem.


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Arymar e a arte que se faz com verdades

Arymar fotografado por @eddiepipocas durante o AME 2025, na cidade da Praia

“Sampadiu” é Santo Antão com guitarra nas mãos. É morabeza em forma de melodia. É resistência doce. É música feita à escala humana. Ary não sabe rotular o seu estilo. Recusa as caixas onde a indústria tenta enfiar os artistas. Ele ouve o que lhe apetece, o que o mood lhe pede, e faz canções com a liberdade de quem não deve nada a ninguém. Mistura a tradição cabo-verdiana com o pop, a coladeira com o reggae, a balada com a tabanka. Tudo com naturalidade, como quem respira.


Não é à toa que já foi reconhecido com quatro prémios pela Sociedade Cabo-verdiana da Música, incluindo melhor autor, compositor, produtor fonográfico e intérprete - este último, graças à canção “Escravatura Moderna”. Nela, Ary questiona se realmente somos livres, ou se apenas trocámos os chicotes por cifrões. “Pamodi, pamodi?" [Porquê, porquê], canta, sobre uma batida que evoca sonoridades árabes, provocando o ouvinte a refletir sobre as novas formas de submissão.


Em temas como “As Água”, mergulha no seu íntimo e expõe a luta interna por um novo e melhor rumo. A sua música é bússola e espelho, mapa e farol. E no palco do AME, foi impossível ignorar a vibração real que o artista partilhou com o público. Não se sabe se as pessoas vieram pelo cartaz ou pelo facto do festival ser gratuito, mas a verdade é que quem ali esteve ficou tocado. A energia era autêntica. E isso não se finge.


Com vivências entre Paul e a Praia, Ary é alma insular. Cabo-verdiano até ao osso, com o coração cheio de memória, sentimento e saudade do que já teve e do que ainda há por vir. Sorriso tímido, palavras medidas, caminha leve, mas a sua arte pesa, no bom sentido. Pesa de verdade, de humanidade, de sentimento.


No palco, levou o país da “raça Sampadiu” às cordas da sua guitarra. Um país onde todos cabem na mesma rima e onde as tristezas são literalmente varridas em palco.


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