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Poucos artistas têm conseguido inovar e reinterpretar os sons tradicionais de Cabo Verde como Dieg. Com o lançamento do single Aldina, o artista volta a surpreender, combinando coladeira com afrobeat e zouk, numa fusão que transcende fronteiras e fala diretamente à nova geração. Esta abordagem singular não só preserva a autenticidade da música do arquipélago, como também a reinventa, criando uma estética contemporânea e apelativa para públicos mais jovens.
Mais do que um músico, Dieg é um criador multifacetado, que utiliza a sua bagagem familiar e cultural para moldar um som único. Nascido numa família de artistas e formado por mestres como Hernani Almeida, Dieg não é apenas intérprete, mas também compositor e produtor das suas próprias obras. Com uma trajetória marcada por sucessos como Mununo e Domani, premiados nos CVMA, Dieg cimenta-se como um dos nomes mais relevantes da música cabo-verdiana contemporânea. Aldina é mais um exemplo da sua capacidade de inovar e de se conectar com o futuro da música das ilhas.
Aproveitamos a breve estadia do artista em Portugal para uma conversa intimista sobre a sua música, as influências que moldam o seu som, a experiência da paternidade e as expectativas que tem para o futuro da sua arte. Num diálogo descontraído, Dieg partilhou connosco os desafios e inspirações que o movem, enquanto refletiu sobre o impacto da sua música no público cabo-verdiano e além.
“Sempre que o processo criativo é muito livre, para mim, é mais fácil fazer música”
Dieg
Dieg, irmão, eu que já te ouço há algum tempo e gosto muito do teu trabalho, acho que quem te ouve e quem percebe o que fazes, consegue perceber que vens de um lugar onde, para ti, é fácil misturar sonoridades. Sempre foi assim ou foi algo que foi acontecendo?
Sinto que cada vez mais é isso que me move [misturar sons]; inclusive estou à procura da minha raiz, inspiro-me muito no que os músicos cabo-verdianos fizeram. Sinto que, com o meu percurso musical e o facto de ter tocado com pessoal mais tradicional, o tradicional, do Zouk ao World Music, deu-me uma bagagem muito importante. Ajudou-me a encontrar uma forma ou fórmula de conseguir misturar, porque, automaticamente, ouço um beat, ou ouço uma música e já começo a pensar como inserir elementos da nossa música [cabo-verdiana], que sinto que é importante e que é única no mundo, e isso sobressai-se. E fico muito contente que as pessoas consigam relacionar-se com essa minha identidade e essa capacidade de fazer música, porque é uma cena boa e natural.
Permite-me a comparação, eu olho muito para ti como se fosses o Anderson Paak de Cabo Verde (risos). Isso por causa da tua versatilidade em fazer música. Tu queres que as pessoas olhem para ti da mesma forma que eu olho, ou como um artista que não se quer pôr em caixas ou géneros musicais?
Sim, mano, sinto que muitas vezes a música é que me leva apenas. Às vezes, tenho um pouco de dificuldade em dizer qual é o meu estilo, porque muitas pessoas perguntam-me isso. Não consigo comparar-me com outra pessoa ou dizer que género faço. Enquanto faço música é muito esse tentar entender - graças a Deus que tenho essa capacidade, essa vontade também -, porque, cada vez mais, investigo sobre música e tento inspirar-me nas variadas ramificações que ela tem.
E essa versatilidade vem dos vários projetos em que trabalhei e pouco a pouco talvez esteja ou estejamos a formar algo que espero que seja também um movimento e que inspire outros. Porque, às vezes, é difícil dentro de um mercado que é um pouco fechado: ou fazes kizomba ou há sempre um rótulo que te querem por. Mas talvez essa seja a minha vantagem ou a minha força, porque estou a fazer música, estou a tentar ser o mais sincero ao meu processo e o resultado está a sair na forma que tem de sair.
O teu projecto #forakaxa vem dessa versatilidade e dessa ideia de ser vivo musicalmente?
Como diz o próprio nome, #forakaxa, para mim é mesmo ser fora da caixa. Porque, sempre que o processo criativo é muito livre, para mim, é mais fácil fazer música. Embora muitas vezes o mercado influencie, mas aí eu tento entender, interpretar a minha maneira. E não existe mal nenhum em fazer algo que o mercado musical queira, até porque estou a fazer um trabalho para ser retribuído também financeiramente (risos). Mas o #forakaxa é mais um conceito geral para seres ousado.
E achas que se não tivesses nascido numa família de músicos, farias música hoje em dia?
Não sei, não. Acho que não seria o Dieg, seria outra pessoa, faria outro caminho. Então, o facto de nascer numa família de música, sempre existiu muito apoio, deram-me os instrumentos necessários para fazer o que quisesse. Há quem me tenha dito que os meus pais não queriam que fosse músico, mas, graças a Deus, nunca senti isso. E acabou por ser uma cena muito intrínseca, e já vejo isso nos meus filhos, eles têm a música por dentro. Vejo como eles já são também influenciados por mim e pela mãe (Fattú Djakité), são movidos pela nossa inspiração, então sinto que foi crucial também ter nascido onde nasci.
Mas quando se nasce num berço musical tão repleto de bons exemplos como o teu, não há uma pressão em fazer as coisas bem?
Eu nunca senti isso, nunca, porque, de certa forma, acho que essa musicalidade ficou muito no subconsciente. Falando de momentos, eu e o meu irmão, quando pequenos, com cinco anos, gravávamos na rádio, cantávamos. E muito do que saía, as melodias por exemplo, eram as mesmas que a minha tia cantava. Ouvia muito o CD dela na casa do meu avô. Ele, que era compositor, o pai também cantor, então, mesmo sem querer, essa musicalidade ficou no subconsciente. Porque, quando produzo, vou ouvir e digo: “Ok, afinal essa cena vem de influências da minha tia ou do meu pai, ou mesmo das músicas de Cabo Verde, que às vezes nem sei o nome do artista, ou não conheço a discografia, mas quando vou produzir, sai uma cena.” E quem ouve consegue perceber as referências, e dizem-me, por exemplo, que lhes faz lembrar a música de Cabo Verde ou de artistas como René Cabral.
Além de cantor, és multi-instrumentalista. Compões, produzes, cantas, tocas. Com toda essa essência e bagagem de artista, quando é que realmente percebeste que tinhas capacidades para fazer várias coisas ao mesmo tempo?
Sempre fui um menino muito curioso, já quis ser cientista, maestro de orquestra – isso durante o processo do meu primeiro grupo de flauta. Mas, enquanto aprendia a tocar, já estava de olho na forma como a Nelly Cruz, que é a minha irmã de vida, tocava o baixo, então, assim que terminava o ensaio, ia diretamente ter com a Nelly. Mostrava-me umas coisas relacionadas ao baixo, e passava dias ali na escola de música. Experimentava guitarra, experimentava teclados, mas as pessoas à minha volta diziam que devia focar-me apenas num instrumento, e dominar um instrumento.
Até fazia sentido fazer isso, mas sinto que, se uma criança manifesta a sua curiosidade perante variadas coisas, nós só temos de conseguir direcionar, porque é uma vantagem. No meu caso, mesmo que não domine um instrumento, já consigo facilmente comunicar com um instrumentista; posso explicar o que quero que seja feito. Isso é fruto da curiosidade. A guitarra dá-me uma inspiração completamente diferente de um piano, ou completamente diferente de um cavaquinho. Então é isso, continuo com essa paixão, essa vontade de experimentar, e se estou no meio de instrumentos, estou no meu playground (parque de diversões).
DR
E quem é o Hernani Almeida na tua vida?
Hernani Almeida foi um mentor muito importante, agora estamos um pouco mais afastados, por causa das andanças da vida, mas ele acreditou em mim, num momento que simplesmente estava à procura de um emprego. Só queria fazer um casting de voz na altura. E agora o instrumento que é o meu instrumento principal, o teclado, foi por causa dele.
Não tinham lugar para voz, mas tinham lugar para um teclista. E ele perguntou-me se queria ser teclista. Disse que sim, ia receber 20 mil escudos, que são 200 euros, na altura estudava na secundária, era muito dinheiro, então foi um momento importante mesmo, para ter a minha independência financeira. Lembro na escola, pedia às vezes dinheiro, cantava em troca de uns trocos, muitos colegas lembram-me dessa cena, e às vezes era só para comprar um rebuçado.
O facto do Hernani ter-me dado essa oportunidade, senti que mudei também como pessoa, agarrei essa oportunidade, tive essa independência financeira muito cedo, e pude assumir os meus cursos de escola. Ele foi realmente um mentor, gostava do que fazia, estava sempre disponível para ensinar e aberto para ver, ouvir e experimentar. Tanto o Hernani ou o Adriano Cabral, que foi o meu primeiro professor, foram pessoas muito importantes no meu caminho.
E qual é o lugar que tem o teu grupo Azagua no teu coração?
Azagua é o grupo que vou tatuar (risos). Porque é mais que um grupo, nós o criamos para nos apoiarmos uns aos outros, porque estava a começar a minha carreira a solo, como cantor, e tive um excelente impacto quando lancei. A Fattú também tinha a carreira dela, então decidimos fazer acontecer. Aprendemos muito a nível de performance, a Fattú foi uma excelente inspiração, o Alberto Koenig (outro membro do grupo) foi muito importante na questão de escrita. Ainda somos os Azagua, mas, neste momento, está de férias: é o que digo às pessoas quando perguntam sobre nós, mas continuamos a ser a mesma família de sempre.
Antes de iniciarmos a entrevista, comentamos sobre como os prémios servem para reconhecer o trabalho das pessoas. Em 2018, lançaste o “Nka Kre” e, em 2020, o “Mununo”, que teve um impacto significativo em Cabo Verde e valeu-te o prémio de Videoclipe do Ano, nos CVMA. Quando recebes este tipo de distinção, sentes que é uma validação do teu trabalho como artista?
Sinto que o trabalho de artista vem de muitos anos atrás e tudo isso conta. Os prémios devem ser vistos como uma plataforma. São importantes para ti, para entenderes que as pessoas também estão a ver o que estás a fazer e, como por exemplo, com o “Nka Kre”, não recebi nenhum prémio e muitas pessoas chegavam a mim e diziam que devia ser nomeado por ser um artista revelação. Mas, para mim, sinceramente, estava longe disso, estava tranquilo. No momento em que fui nomeado fiquei feliz mas, se não aproveitar esse embalo e não continuar o meu trabalho, o prémio fica apenas em casa, porque, na verdade, depois a euforia baixa. Fica tipo uma decoração em casa e pronto, e até esqueces, às vezes. Então, tento primeiro sentir bem o que estou a fazer e, se for reconhecido, bom; se não for reconhecido, talvez vá ser reconhecido num lugar ainda mais distante, que nem estás à espera. Mas é sempre importante.
Com o “Mununo, ganhei um prémio, mas o maior prémio que ganhei foi ter colocado o Iraque - que é a zona onde filmei, em São Vicente - no mapa. Desde então, as pessoas direcionam a sua ajuda para lá. É uma zona sensível onde fizeram jardins de infância, entre outras coisas boas. Essa música é muito especial, não por causa do prémio, mas por causa desse impacto.
Estás mais focado em cativar um público jovem, em fazer com que mais jovens se conectem e compreendam a tua música? Senti isso com “Aldina”, não apenas pela música, mas também pelo videoclipe. Esse é o teu propósito agora?
Sim, muitas pessoas abordam-me dizendo que conheceram o meu trabalho através dos seus pais. Embora "Aldina" tenha um forte impacto junto dos jovens, muitas pessoas com idades entre os 50 e 60 anos apreciam a minha música e fazem questão de me dizer isso pessoalmente.
Por exemplo, na gala da BANTUMEN, um senhor com os seus mais ou menos 60 anos, veio falar comigo sobre a minha música. Então, sinto que consigo fazer uma ponte, porque, de certa forma, esse é o objetivo da música, ser algo intemporal, ser algo que faz sentido hoje. Este 2024 foi um bom ano, porque consegui vir para cá [Portugal], fazer um espetáculo numa casa mítica da música cabo-verdiana e africana no geral.
Vieste ao B.Leza apresentar músicas novas e outras do teu repertório.
O B.Leza é uma sala icónica, então, para mim, é um grande prazer fazer parte dessa lista de todos os artistas que já passaram por lá. Está a ser muito especial, porque vi que as pessoas também estavam à espera desse show e, para mim, é um momento também para entender onde é que eu estou a nível do mercado. É muito importante entender onde é que estás, o que é que podes fazer com isso, e como é que eu devo continuar esse processo. E, claro, também foi um momento de estudo para saber como é que vai ser o meu álbum, ou como é que as pessoas talvez estejam à espera de mim, porque, mesmo que faça isso de forma muito instintiva, é importante desenvolver essa parte do que o mercado precisa e até a parte de business, porque são ativos que estamos a produzir, músicas levam tempo. Então, é importante entender essa parte e potencializar isso e chegar O mais longe possível.
Se fizeres uma retrospectiva e olhares para o artista que lançou o “Nka Kre”, em 2018, e agora para o artista que lançou a Aldina, em 2024, quais são as maiores diferenças que encontras entre essas duas pessoas?
Quando lancei o “Nka Kre” foi um impacto forte e eu estava a vir do anonimato completamente. O primeiro dia, quando saí de casa, foi algo estranho. Já tinha começado a sentir algum reconhecimento na rua. O maior ensinamento que tirei dessa altura é que as coisas levam o seu tempo e tem de ser passo a passo, mas eu não estava preparado para dar continuidade. E o que quis trabalhar foi em ser constante musicalmente. A “Aldina” já vem de um lugar mais maduro e consciente. E, neste momento, já tenho dez músicas que estão prontas para serem lançadas. Mas a maior diferença é a evolução como artista, e procuro evoluir mais, dentro do estúdio, no palco e estar mais à vontade.
E de que forma é que a paternidade molda-te como artista e também como pessoa?
Claramente que a responsabilidade fica outra, porque vejo o movimento corporal dos meus filhos; é muito inspirado em mim e na mãe. Eles questionam as mensagens que queremos transmitir nas músicas. “O que é que ele está a falar na música? Por que é que ela faz só músicas de namorado?”, por exemplo. E tenho que conseguir extrair o melhor de mim. Tenho de conseguir fazer uma filtragem, porque sou humano também, e tenho as minhas falhas, não sou melhor que ninguém, nem quero parecer melhor que ninguém. Mas, quando fazes uma música, tu tens consciência que queres atingir um público, para estimular alguma coisa. Então é isso que quero conseguir, ter esse discernimento para conseguir lançar o melhor de mim, dar o meu melhor e ser um jovem exemplo, também.
Há pouco disseste que tens músicas para lançar. Podemos ter no próximo ano um EP, um álbum?
O sonho é o álbum, mas estou a apalpar ainda o terreno. Já fiz as músicas, estão lá, escrevo e desenho o que imagino para o meu álbum, o que é que gostaria de transmitir, mas, como já mudei as datas (risos), só te sei confirmar que vem aí um álbum. Sinto que as pessoas precisam também mais de mim, para também poderem continuar a consumir.
Relembramos-te que podes ouvir os nossos podcasts através da Apple Podcasts e Spotify e as entrevistas vídeo estão disponíveis no nosso canal de YouTube.
Para sugerir correções ou assuntos que gostarias de ler, ver ou ouvir na BANTUMEN, envia-nos um email para redacao@bantumen.com.
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