Fábio Ramos e a música que corre nas veias e cheira a terra

April 14, 2025
Fábio Ramos entrevista
BANTUMEN

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Quando Fábio Ramos sobe ao palco, carrega consigo mais do que canções. Carrega ilhas, memórias, ofícios e o sal dos oceanos que já atravessou. No Atlantic Music Expo 2025, o cantor voltou a apresentar-se, agora com um novo fôlego. "É diferente desta vez porque é o meu trabalho, o meu álbum… é a minha bagagem, a minha história", explicou, visivelmente emocionado, depois do ensaio para o concerto que aconteceu no dia 9 de abril, diante de um público que começa finalmente a reconhecê-lo como uma das vozes mais promissoras da nova geração cabo-verdiana.


Natural de São Nicolau, Fábio mudou-se ainda em criança para a cidade do Mindelo, em São Vicente, onde recebeu o "abraço cultural" que, segundo conta, o impulsionou a viver da música. Foi ali que ouviu Cesária Évora pela primeira vez e onde começou a explorar a musicalidade do violão do tio. A música, garante, está-lhe no sangue: “Eu acredito que está a correr nas minhas veias.”


Antes de se assumir como músico profissional, Fábio viveu muitas vidas. Foi barbeiro, rapper e marinheiro — uma profissão profundamente enraizada na sua linhagem familiar. “O meu pai e os meus avós já traziam isso há muito tempo”, recorda. Num certo momento da juventude, decidiu embarcar nessa vida, numa espécie de rito de passagem. “Tive uma conversa com o meu pai. Disse-lhe que queria conhecer esse outro lado do mundo, aventurar-me… mas, lá no fundo, já sabia que aquilo não era vida para mim. E o meu pai também já me tinha dito isso.” Foram anos que moldaram o seu carácter, deram-lhe disciplina e maturidade e que, ironicamente, o levaram de volta à música.


Foi no silêncio das viagens marítimas, longe da família e da sua ilha, que a certeza se instalou. “Cada vez que eu ia dormir, dava aquele clique… tens de fazer aquilo que amas de verdade.” Em 2018, após a última viagem como marinheiro, decidiu regressar ao Mindelo e inscrever-se no concurso Todo Mundo Canta, onde venceu nas fases regional e nacional. Foi o ponto de viragem. “Sem dúvida, foi a alavanca para eu começar a acreditar mais no meu talento.”


Esse regresso às raízes deu origem ao seu primeiro álbum, Um Cálice D'Nha Terra, lançado em dezembro passado. O disco é uma declaração de amor à sua terra e à sua história pessoal. “Esse álbum é a minha corrida até aqui, um bocadinho de tudo o que eu já vivi. Fala da nossa cultura, da imigração, das saudades que temos.” O título remete à ideia de um pequeno gole do que é Cabo Verde, daquilo que permanece mesmo quando se está longe. “Quando ouço essa frase, 'um cálice da minha terra', dá para entender que é de bebida, mas não é só… é um pedacinho de casa.”


Fábio Ramos é um artista versátil. Embora tenha começado no hip-hop, o seu álbum mergulha na tradição musical cabo-verdiana: mornas, coladeiras, batuques, tudo com uma roupagem moderna e uma entrega emotiva. “Acabei por me concentrar um pouco mais na nossa música tradicional, que mexe muito comigo”, explica. O disco contou com colaborações de peso como Hernani Almeida, Amílcar Chantre, Nelly Cruz, Khaly Angel, Ciro e Sivy Gomes.


Numa entrevista anterior, ao Balai CV, o artista partilhou que as suas composições são uma resposta à falta de sentimentos que hoje nos atravessam: “As minhas músicas são uma mensagem sobre o que mais sentimos falta hoje. Compreensão, amor e felicidade.” Canções como Nha Rosa, dedicada à avó, ou Soncen De Otr’hora, uma homenagem ao Mindelo de outros tempos, provam essa busca por afetos perdidos, por um tempo em que as relações humanas eram menos descartáveis.


Atualmente, Fábio Ramos está ligado à produtora LusÁfrica, fundada por José “Djô” da Silva, o histórico produtor de Cesária Évora. “Foi uma bênção para mim. Quando apareceu a proposta, nem pensei duas vezes. O Djô tem uma bagagem que todos os jovens artistas procuram. Eu estou a confiar nos passos dele e a aprender muito com isso”, afirmou.


Com uma voz doce, presença serena e letras que carregam o peso das saudades, Fábio Ramos não tem pressa. Está a construir o seu caminho com os pés fincados na terra, mas com os olhos voltados para o mundo. E, como ele próprio diz, “o que eu quero é elevar mais a minha carreira, o meu conhecimento dentro da música e aprender mais, mais, mais.” Porque quando a música corre nas veias, não há como escapar-lhe. E ainda bem.

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