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Num mundo onde a música serve tanto de refúgio quanto de expressão, Fattu Djakité emerge como uma voz poderosa que entrelaça as ricas sonoridades de Cabo Verde e Guiné-Bissau. Nascida na Guiné-Bissau e tendo se mudado para Cabo Verde aos cinco anos, Fattú não só adotou Cabo Verde como lar, mas também como um palco principal, onde a sua carreira musical floresceu.
Reconhecida em 2023 como uma das personalidades mais influentes da Lusofonia, pela PowerList 100, e com uma trajetória que reflete a paixão, resiliência e um profundo amor pelas suas raízes, a música de Fattú Djakité tornou-se um símbolo de união, tradição e inovação.
Conversámos com a artista e mergulhámos profundamente no seu mundo, explorámos a sua jornada desde os primeiros momentos de inspiração até se tornar numa das estrelas musicais mais promissoras de Cabo Verde. Através dos seus olhos, descobrimos o poder transformador da música, a importância da identidade cultural e o caminho incessante de aprendizagem e autoexpressão que define a sua carreira.
Questionada sobre o que representa para si a música, a artista responde reflexiva: “Poderia dar imensas respostas mas, neste momento, sustento . Porque é algo que me acompanha em tudo. Sustento porque alimento-me da música, alimento a minha alma com música. Quer esteja feliz, triste ou chateada, a música tem o poder de amenizar todos os meus sentimentos.”
Refletindo sobre as múltiplas facetas do seu ser, Fattú revela-se como um polvo que assume vários papéis ao mesmo tempo. “: “Comparo-me a um polvo, dado que assumo diversos papéis numa única existência. “Encarno a mulher, mãe, companheira, artista de múltiplas disciplinas, ativista, e ainda, uma força da natureza, uma vez que é ela que impulsiona e possibilita a concretização de tudo o que idealizo.”
Mesmo após uma longa jornada no mundo da música, que se iniciou bem antes das suas primeiras memórias, conforme descrito pela sua avó, foi para as artes que Fattú veio ao mundo.“ Fosse música, dança, pinturas ou até mesmo ficar sentada horas a fio em frente à televisão, a ver as publicidades. No final do dia, eu queria fazer parte daquele momento à minha frente. Ou seja, a parte mais nova de mim nunca hesitou em querer estar em frente ”, partilha.
Esses momentos que a avó carinhosamente a fez questão de lembrar, remetem-na à Guiné, de onde saiu com cinco. “Viemos para Cabo Verde com a minha avó e ela é o nosso elo conector a esta terra. A minha avó adotou a minha mãe e, após criá-la desde os seus seis anos de idade, ela voltou para Cabo Verde depois da morte do marido. Depois de ter assentado (na Guiné), ela sentiu que faltava algo e foi aí que ela decidiu voltar por todas nós: eu, a minha mãe e a minha irmã. Mesmo tendo sido um processo muito longo, ela estava determinada a ter-nos todas juntas.”
Já em Cabo Verde, a vontade de fazer parte das artes esteve sempre presente. Mesmo não sendo escolhida para determinados projetos na escola, Fattú conta-nos que, com muita persistência, arranjava sempre forma de fazer parte e participar. Ao longo do tempo, também foi investindo na escrita e aos 11 anos já escrevia poemas. Teve vários diários e não se ficou por aí. “Aos 13, gravei a minha primeira cassete, num home studio, onde não faltavam caixas de ovos”, diz às gargalhadas.
“Daí adiante, fui-me familiarizando lentamente com o mundo da música e o que era requerido de mim como cantora. Tanto que acabei por ir à Rádio Comercial, sem ideia nenhuma de como era o processo de seleção e aventurei-me. Ao chegar, deparei-me com o Princezito, um dos maiores compositores de Cabo Verde, e isso foi um grande marco na minha vida porque ele tornou-se um orador para mim. Mesmo achando era horrível, o Princezito decidiu tocar a minha música na rádio. Ao ver a minha motivação, entrevistou-me e cantámos umas músicas.” Depois daquele momento glorioso, que iria ficar para sempre na sua memória, Fattú menciona que, mais tarde, Princezito deu-lhe aval para que pudesse alcançá-lo sempre que quisesse. E com muita conversa motivacional, foi aperfeiçoando a técnica, levando-a assim a outros patamares, como o Quintal da Música, na Praia, um espaço bastante respeitado no mundo das artes locais. Foi o primeiro show de Fattú Djakité. “Muito nervosa, com a mão a suar e assim cantei três mornas, um estilo de música que fazia parte do meu dia a dia. E o feedback do público foi muito bom, o que me encheu o coração.”
Sem pensar duas vezes, a cantora foi tirando vantagem de todas as oportunidades que foram aparecendo, até que apareceu a possibilidade de passar de amadora a profissional, aos 18, com o Projeto Verão. Um projeto com grandes nomes cabo-verdianos que incluíam Djodje, Paulino Vieira, entre outros. Ao compreender o significado da frase “precisamos de amigos que mencionam os nossos nomes em salas onde não estamos presentes”, Fattú teve a oportunidade de se envolver no projeto e, em pouco tempo, participar de uma série de concertos como corista, tanto em Santiago quanto na Europa. Esse período não apenas consolidou, mas também intensificou o amor que ela própria nutria pela música e elevou as suas expectativas pessoais.
No que toca às suas raízes, a artista afirma que hoje em dia estão mais presentes e sólidas na sua arte, porque agora é muito mais consciente da força da música da Guiné-Bissau. E mesmo tendo essa consciência enraizada desde criança, enquanto a música guineense a acompanhava através da sua mãe e a convivência que tinha com a comunidade guineense em Cabo Verde, Fattú experienciou um longo processo de familiarização que acredita ter sido necessário para o seu talento hoje. De Tabanka Djazz, Manecas Costa, Ineida Marta, Dulce Neves a Justino Delgado, Fattú teve uma infância repleta de conexões e memórias de Bissau.
Apesar de o Crioulo de Cabo Verde se sobrepor ao da Guiné, uma vez que era a língua que utilizava no dia-a-dia, a pouco e pouco foi aperfeiçoando ambas. “Hoje, reconheço que a convivência com o crioulo da Guiné, em momentos com pessoas chegadas ou família, deu-me a habilidade de poder comunicar fluentemente. Sendo que um dos meus maiores orgulhos é poder ter a mesma fluência a falar crioulo como se tivesse vivido lá a minha vida toda, mesmo estando em Cabo Verde desde os cinco”, afirmou. A sua música é reflexo disso, sendo que escreve mais em crioulo guineense. “E quero poder chegar a um nível em que ambas as línguas estejam perfeitamente balanceadas na minha música e equilibradas porque ambas fazem parte de mim. Sou guineense e também cabo-verdiana, com muito orgulho”, sublinha a artista.
Em relação ao seu processo criativo, a cantora e autora explica que não acredita que exista uma fórmula exata para desenvolver o que quer que seja, porque há músicas que emergem do nada. “Às vezes, começa tudo por um instrumental que te traz mil ideias ou, às vezes, tens de te dar um puxão porque, no final do dia, isto também é o teu ganha-pão. Não existe uma fórmula exata mas existem incentivos.” Ademais, a artista também realça que é necessário estar num meio criativo, porque a inspiração flui naturalmente. “E sinto que aqui em casa, essa inspiração reside em cada canto, especialmente quando tenho amigos ao meu redor. Por exemplo, recentemente encontrei-me num autocarro com um barulho tremendo e mesmo assim veio-me uma melodia e fui escrevendo e focando-me no que me vinha à cabeça. E hoje, acidentalmente, temos aqui o ‘Papia Ku Mi’ como resultado.”
Consequentemente, como uma artista que não hesita em investir na diferença, ao apostar em looks ousados e além do padrão de beleza eurocêntrico, Fattú confessa que a sua história é a maior inspiração para as suas escolhas estéticas e visuais. Não só como mulher mas como mulher africana rodeada de outras mulheres africanas. A sua beleza é automaticamente uma inspiração. “Quando penso no meu visual, penso na realeza porque é assim que vejo mulheres africanas e a ideia é poder transmitir isso da melhor maneira possível, não só para mulheres mas também para meninas. Quando virem uma mulher com um certo tipo de cabelo, traje ou o que quer que seja, destemida e sem medo de sair dos padrões de beleza ou explorar a sua realeza, quero que elas se possam rever e não hesitem em querer estar ali um dia. Eu não tive muitas referências nesse campo, quando era mais nova, e espero poder ser essa referência para elas”, confessa. Fruto dessa forma de ver e pensar na sociedade é o projeto “Badjuda Bonita”, uma campanha lançada nas redes sociais pela artista no dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher. O objetivo é celebrar a diversidade, o empoderamento e autocuidado feminino.
Sem surpresa alguma, mesmo depois de vários anos na indústria musical, a cantora ainda é uma crente firme de que há sempre espaço para aperfeiçoar qualquer talento. “Nunca é tarde para aprender e não me sinto uma especialista no que faço. Sou uma eterna aprendiz no que toca à música e à vida. Então, estou sempre a moldar-me também conforme as minhas crenças, o que vejo e com o que me identifico. Somos todos eternos aprendizes no mundo da música, por mais que as pessoas nos vejam num certo patamar que acreditam ser o ideal. Ainda quero aprender mais e quero poder dominar mais cada aspecto da minha carreira”, garante-nos. E assim, Fattú encontra-se constantemente a estudar, quer seja instrumentos, presença no palco, movimento ou interação com o público.
No que diz respeito às suas conquistas, Fattú nunca classificou os seus feitos por maior ou menor porque valoriza todos, independentemente do seu tamanho. No entanto, esclarece que ser reconhecida pelo seu trabalho tem sido muito valioso porque já se encontra na indústria há muito tempo, a tentar conquistar o seu espaço, especialmente num país que não é o seu . “Ser reconhecida como guineense, num país em que não nasceste mas cresceste e tendo que lutar pelo teu lugar, acaba por não ter preço. E agora sinto que tenho esse respeito aqui em Cabo Verde e para mim isso é fazer história. Cabo Verde e Guiné tiveram uma história que hoje em dia chamo de ‘história de amor’ mal resolvida, porque ainda existem e se vêem mágoas. E, às vezes, na posição de artista guineense e cabo-verdiana, temos pessoas que simultaneamente amam-te e odeiam-te. Essas reflexões que geram divisões de identidade emergem por vezes de seguidores e aí é necessário relembrar-me que tive que criar um equilíbrio para que, naturalmente, nenhuma das minhas identidades fosse ignorada. Daí juntar ambos os crioulos e ser eu mesma, sem ter a necessidade de estar a agradar a todos porque simplesmente não o consigo fazer”, afirma confiantemente.
Secretamente, se pudesse mudar algo na indústria musical, Fattú mudaria o impacto que as músicas têm hoje em dia, particularmente as letras. “Optaria por mais canções que vêm da alma e requerem uma introspectiva para que estejamos mais atentos ao que transmitimos ao próximo, algo mais íntimo porque acredito que os nossos ouvintes o merecem.”
De modo geral, Fattú partilha que a sua vontade de explorar além das fronteiras de Cabo Verde está bastante presente e isso será visto na sua arte. Apesar de ter várias colaborações com diferentes rappers em Cabo Verde, a cantora menciona que, em relação a colaborações com outros artistas, já existem vários duetos de sonho que se concretizaram. Porém, ao contemplar a posição em que está agora, Fattú admite que além de idealizar duetos com Dino D’Santiago, Mayra Andrade e muitos dos seus amigos chegados, também pretende entrar na Guiné “com força”, este ano. “Quero explorar e dar-me a conhecer, não só a mim mesma mas também ao nosso talento, especialmente artistas locais. Se pensar na velha guarda, poderia dizer Manecas Costa seria uma colaboração e tanto, sendo alguém que respeito imenso e da nova geração diria o Flav Nais, porque parabenizo bastante o trabalho árduo desta geração.”
Após uma recente visita à Guiné, a artista sentiu uma urgência em estabelecer uma conexão mais forte entre os dois países, reconhecendo o potencial colaborativo: “Estamos a fazer coisas excelentes. E sendo a música algo que nos une muito e não tem fronteiras, acredito que seria uma mais-valia para as duas comunidades.”
Apesar de não poder detalhar todos os projetos nos quais está envolvida atualmente, Fattú assegura que tem se dedicado intensamente no estúdio, empenhando-se nas suas conexões com outros artistas por meio de colaborações, sejam elas escritas ou musicais, incluindo trabalhos com nomes como Alberto Koenig. “Estejam atentos às novidades que estão por vir, mas, por enquanto, convido todos a conhecerem ‘Praia-Bissau’, o meu último projeto, que ainda está à espera de ser descoberto por muitos.”
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