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As Gingas do Maculusso são um dos grupos musicais mais relevantes da história recente da música popular de Angola. Num comparativo ocidental, as Spice Girls são, provavelmente, a melhor referência para situar o nível de popularidade do conjunto fundado por Rosa Roque e que integrou, numa primeira fase, Celma Miguel, Gersy Pegado, Georgina Stela, Maria João, Paula Daniela e Patrícia Faria. Agora, apenas com Celma Miguel, Gersy Pegado e Georgina Stela na formação, o grupo tem reavivado a memória das suas canções mais icónicas com diversos shows, um deles a acontecer em Portugal, em abril.
É no Festival das Danças Angolanas, a acontecer de 25 a 28 de abril, no Mercado da Ribeira, em Lisboa, que a diáspora angolana vai poder relembrar e dançar ao som de músicas como “Filha de África” e “Canta Não Chora”.
Com uma carreira com mais de quarenta anos, as Gingas do Maculusso, são conhecidas pelas suas composições de cariz tradicional e atuações envolventes. Em entrevista à BANTUMEN, o coletivo partilhou detalhes sobre a atuação neste festival em Portugal, a visão sobre a atualidade da música em Angola e planos futuros.
As artistas descrevem este convite como um presente. “Sermos nós as escolhidas para estar nesse palco, deste festival, é sem sombra de dúvidas uma grande honra. Temos uma vontade muito grande de voltar e viver um grande momento. Vai ser um encontro maravilhoso porque não há um sentimento de angolanidade mais puro do que aquele que está nas pessoas que estão fora dela. Então, levar para essas pessoas a nossa música, a nossa forma de estar, a nossa essência, a nossa cultura… Acreditamos que vai ser um momento perfeito e que vamos vibrar”. A par das Gingas, o line-up do festival conta outros artistas como Puto Português, Pai Profeta, acompanhados dos DJs Dias Rodrigues, Hapitula e Dibiel.
DR
Durante a conversa com Georgina Stela e Gersy Pegado, as meninas do Maculusso não deixaram de homenagear Rosa Roque, fundadora e principal compositora do grupo. Expressaram a sua gratidão pelo seu olhar atento e pela fé no potencial das integrantes, reconhecendo-a como a força motriz por trás do projeto Gingas, que mais tarde se tornou num verdadeiro símbolo da angolanidade. “Cada um dos elementos que foram escolhidos para este símbolo da música angolana, sente-se agraciado, porque sabemos que em Angola existem artistas com tanto ou mais talento do que nós, mas fomos nós que demos a cara a esse tesouro que é a música”.
Trazer a africanidade em tudo o que fazem é a essência do grupo, que começou de forma despretensiosa, em momentos infantis, como um hobby. No entanto, ao longo dos anos, passou por algumas reestruturações para se adaptar às mudanças no panorama musical.
"Não podemos negar que é um desafio manter essas características, especialmente agora, com tantas vozes novas, grandes presenças e uma produção audiovisual cada vez mais sofisticada. Hoje, os videoclipes dos nossos artistas são tão bonitos e atrativos quanto os internacionais. Nós, Gingas, iniciámos o nosso percurso numa era não digital, mas conseguimos preservar a nossa identidade", explica o coletivo.
Após um interregno de 2007 a 2019, o grupo anunciou um reencontro com todos os ex-elementos no Centro de Conferências de Belas, mas o evento acabou por não se concretizar devido à pandemia da Covid-19 e às restrições sanitárias da época.
Em 2020, marcaram presença no programa televisivo Live no Cúbico, numa atuação de cinco horas, assinalando o regresso à atividade. Desde então, o coletivo tem-se mantido ativo e, em 2024, voltou a destacar-se ao esgotar a sala do Centro de Conferências de Belas (CCB), em Luanda, num concerto que celebrou as suas quatro décadas de existência.
"Não há instituições nem políticas que garantam o respeito pelo nosso estilo"
Gingas do Maculusso
Apesar da paixão pela música, o grupo não esconde as dificuldades que o setor enfrenta, sobretudo devido à ausência de uma indústria musical estruturada em Angola, o que limita as possibilidades de novas produções. “Se houvesse um ambiente, uma indústria, que efetivamente olhasse para a produção musical com outros olhos e, sobretudo, se tivéssemos um ambiente musical que protegesse e defendesse o estilo, poderíamos ter novos trabalhos.” Para o coletivo, o talento evidente no país está em contraponto com a falta de investimento e de uma estratégia bem definida, dificultando a projeção dos músicos angolanos a longo prazo. "Nós vivemos do carinho do público", desabafam, ao refletirem sobre a fragilidade do mercado e o impacto direto da ausência de uma indústria organizada na vida dos artistas. "Não há instituições nem políticas que garantam o respeito pelo nosso estilo. Basta olhar para a quantidade de eventos que acontecem ao longo do ano – e nós simplesmente não estamos lá", lamentam.
Outro ponto que as cantoras chamam atenção é a falta de identidade cultural que se verifica não só nos artistas da nova geração, mas um pouco por toda a sociedade angolana. “Não podemos continuar a ser os africanos, menos africanos do continente. Somos angolanos nalgumas coisas e somos muito únicos, mas há coisas de raiz, que começamos a perder.” E acrescenta que “é preciso haver uma intervenção ao nível mais alto, é preciso criar políticas públicas que defendam a raiz da cultura angolana”.
O grupo reconhece que o problema não reside no consumo assíduo de outras culturas, mas sim na forma como esses países promovem e valorizam as suas expressões culturais. "Começamos a absorver tudo de outras geografias porque há uma força na forma como essas culturas são comunicadas – seja através de filmes, novelas, músicas ou videoclipes. O artista, no fundo, é um embaixador da sua cultura", explica Gersy Pegado.
Para as integrantes, a solução passa por uma maior valorização da cultura em todas as suas vertentes. "Tudo começa pelo reconhecimento dos fazedores de cultura, daqueles que conhecem e têm algo a oferecer. É essencial criar plataformas e espaços onde possam expressar a sua essência de forma autêntica, para que a cultura continue a ser vista, valorizada e respeitada", defendem.
O grupo sublinha ainda a importância da cultura na identidade de um país: "Nenhum país é conhecido pela sua política. Antes disso, é reconhecido pelo seu desporto, pela sua música e pela sua cultura", conclui a artista.
Entre idas e voltas, ao longo destes quarenta anos, as Gingas brindaram os seus fãs com uma discografia que passa pelo álbuns Mbanza Luanda, em 1996, Malanje-Natureza & Ritmos, em 1997, Xiyami, em 1999, Muenhu, em 2003, Luachimo, em 2008, e por último O Melhor das Gingas do Maculusso, lançado em 2021. Em 2020, a banda conquistou a premiação de Melhor Grupo de Música Moderna/Tradicional, na edição dos Prémios Globo Zap.
Para encerrar a entrevista, o coletivo estendeu o convite para os seus admiradores que estiverem pela capital lisboeta e arredores. “Também podem ser os vizinhos em França, Espanha, Itália, que desçam para Lisboa, e venham ouvir música de Angola. Faremos o possível e o impossível para que vocês saiam felizes [do festival]. Venham, vamos fazer a festa e matar as saudades com as Gingas, ouvir as músicas ao vivo… Divertimo-nos juntos e felizes”, finalizaram.
O festival das Danças Angolanas acontece nos dias 26, 27 e 28 de abril, e os bilhetes podem ser encontrados neste link.
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Para sugerir correções ou assuntos que gostarias de ler, ver ou ouvir na BANTUMEN, envia-nos um email para redacao@bantumen.com.
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