Empreendedorismo feminino na Guiné-Bissau, desafios e barreiras no caminho da digitalização

February 5, 2025
kalmasoul transição digital guiné bissau
📷: BANTUMEN

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No final do mês de janeiro, o Governo da Guiné-Bissau lançou a Estratégia Nacional para a Transformação Digital (ENTD.GW), numa cerimónia realizada no Palácio do Governo, onde a BANTUMEN esteve presente. A iniciativa visa, num horizonte de cinco anos, modernizar o país através da digitalização dos serviços públicos e privados, impulsionando a inovação, a inclusão social e a eficiência administrativa.


A estratégia contempla o fortalecimento das infraestruturas tecnológicas, a melhoria do acesso à internet e a criação de condições para a digitalização de setores-chave, como saúde, educação e finanças. No entanto, apesar do seu potencial transformador, enfrenta desafios significativos, como a baixa penetração da internet e a burocracia que dificulta o crescimento dos negócios.


Para compreender melhor o impacto desta iniciativa no setor privado e no quotidiano dos empreendedores, conversámos com Maria Mendes, uma profissional multifacetada com mais de 10 anos de experiência como enfermeira em Portugal e na Arábia Saudita. Em 2017, fundou o Kalmasoul Guiné-Bissau, uma empresa de serviços turísticos que se dedica a promover experiências autênticas no país. Além disso, a plataforma conta com um blog que partilha informações úteis sobre a Guiné-Bissau e dicas para planear a viagem de forma enriquecedora e segura.

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Maria vive em Bissau desde 2020 e, além de gerir o Kalmasoul, atua também como consultora independente em saúde sexual e reprodutiva e comunicação. Em outubro de 2024, assumiu o cargo de diretora de operações da InnovaLab, uma ONG dedicada à transformação digital e à inovação na Guiné-Bissau.


Para a consultora, o ponto de partida para a transformação passa, acima de tudo, pelo acesso à internet e à educação digital. "A base é o acesso. A pessoa ter acesso à educação, consequentemente, vai conseguir mais facilmente funcionar com os telefones digitais. Porque se nós conseguíssemos melhorar as infra-estruturas, isso também poderia, talvez,  permitir que conseguíssemos chegar a mais pessoas. É crucial para que o processo de digitalização alcance as comunidades mais remotas, onde o acesso à internet ainda é um luxo para muitos".

“Além da iliteracia a nível digital, as barreiras culturais e a falta de apoio institucional acentuam as dificuldades que as mulheres enfrentam no mundo dos negócios”

Maria Mendes

Assume que os anos que esteve fora do país foram cruciais para entender a importância da aposta na digitalização e da forma como esta pode funcionar como facilitadora de processos e métodos de trabalho. “Imaginemos que nós somos um país que tem uma taxa de mortalidade materna e infantil muito alta. Se nós conseguirmos de alguma forma digitalizar o trabalho, as pessoas que estão na base do sistema conseguem introduzir dados e partilhar os dados em tempo quase real”, explica, acrescentando que reforçar o investimento em tecnologia pode também contribuir para um melhor tratamento e acompanhamento da saúde pública.


Para a enfermeira e empreendedora, a transformação digital é também uma oportunidade significativa para promover a inclusão financeira no país. Acredita que a modernização do setor não se deve limitar a facilitar pagamentos e transações, pelo contrário, pode também servir para impulsionar o setor privado ao expandir as opções de pagamento. O obstáculo? Parte desse processo envolve recurso a plataformas como Orange Money e Mobile Money, ferramentas com as quais nem todas as pessoas estão familiarizadas. “O número de pessoas que utiliza estas soluções ainda é muito reduzido”, afirma.


Apesar das perspetivas, a empresária reconhece que o processo de transformação digital enfrenta obstáculos significativos. Um dos principais desafios é a falta de acesso da maioria da população guineense à internet, com a dificuldade acrescida que muitos enfrentam para adquirir dados móveis, o que acaba por impactar negativamente a comunicação e o acesso à informação, sobretudo nas regiões mais periféricas do país.


Para que a Estratégia Nacional para a Transformação Digital tenha impacto real, Maria defende que é fundamental um compromisso coletivo entre governo, setor privado e sociedade civil. A melhoria da infraestrutura tecnológica, a redução das barreiras burocráticas e a promoção da inclusão digital serão decisivas para criar um ambiente mais favorável ao crescimento económico e à inovação. 


A enfermeira acredita que, uma vez criadas as condições adequadas, a transformação digital poderá não apenas impulsionar negócios e serviços públicos, mas também melhorar a qualidade de vida e a inclusão social no país.

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📷: BANTUMEN

Para além das barreiras tecnológicas, a burocracia é também apontada como um fator que dificulta o crescimento dos negócios na Guiné-Bissau. “O nosso país também está numa situação complicada de poder ter mais apoios. Existe falta de incentivos e o peso de impostos e taxas [é grande]. Se houvesse uma isenção temporária – de um ou dois anos, por exemplo – aliada a um esquema tributário mais transparente, poderia ser decisiva para que empreendedores se estabelecessem sem o peso excessivo da burocracia. Não faz sentido eu abrir um restaurante, mas ter que garantir que estou a pagar à Câmara, que estou a pagar o Ministério do Turismo, que estou a pagar o Ministério da Cultura, ou que estou a pagar às finanças, por exemplo".


Outro desafio crítico é a falta de apoio ao empreendedorismo feminino, um problema que se agrava com barreiras culturais e sociais. “Conheço muitos casos de muitas mulheres que estão a empreender e que a dificuldade é maior. As mulheres são muito associadas a trabalhos mais de dentro da casa e, quando a pessoa quer ir para fora trabalhar ou ter um negócio na internet, isso às vezes pode criar algum desconforto a nível de casa. Para além da iliteracia a nível digital, as barreiras culturais e a falta de apoio institucional acentuam as dificuldades que as mulheres enfrentam no mundo dos negócios".


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