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Mafalda Fernandes é uma mulher portuguesa, negra e ativista. Mestre em Psicologia e atualmente a tirar uma pós-graduação em Direitos Humanos, ganhou notoriedade ao criar a @quotidianodeumanegra, perfil onde partilha a sua experiência pessoal na luta antirracista.
Em conversa com a BANTUMEN, Mafalda Fernandes diz-nos que a ideia de criar a página no Instagram surgiu em 2021, enquanto estudava Psicologia. Durante uma aula sobre o ativismo nas redes sociais, onde foi pedido aos alunos para trazer o exemplo de um ativista, Mafalda apercebeu-se que havia falta de pessoas que partilhassem a sua experiência. Ao expressar a sua indignação à turma, conta-nos que foi o professor que perguntou: “mas se estás tão indignada porque é que não crias? Porque é que não fazes? E eu fiz”. Hoje em dia, a página conta com 9.200 seguidores.
Fernandes sentiu que, na altura, o racismo ainda era abordado de maneira superficial ou que só era debatido após algum acontecimento, por isso tinha como objetivo discuti-lo numa perspetiva mais educacional. Tenta sempre publicar numa perspetiva académica e científica ao invés de partilhar a sua opinião. No entanto confessou que “é muito bom quando tenho oportunidade de partilhar alguma coisa que aconteceu comigo, não só porque sei que há outras pessoas que se vão identificar e vão sentir que também já tiveram nessa situação, como há pessoas que vão sentir: “ok, eu nem sequer sabia que isto acontecia, que incomodava tanto, deixa-me descobrir mais sobre este tema” e perceber como é que as pessoas que saem afetadas com o racismo se sentem”.
Sem ideia do sucesso que teria em tão pouco tempo, admitiu que o crescimento rápido permitiu-lhe “ter espaço também para falar sobre estes temas”. Além de que, “o feedback que tenho recebido, das pessoas que me seguem na página, é que realmente há uma constante aprendizagem e isso é exatamente o que eu queria”.
Com dois anos de idade, Mafalda foi adotada por uma família branca portuguesa, numa altura em que o racismo ainda não era tema de discussão em Portugal. Durante a entrevista, diz que ter nascido e criada numa família branca foi um “privilégio” em muitas situações, principalmente para falar de questões raciais. E sublinhou a humildade e mentalidade aberta dos pais: “os meus pais sempre foram muito flexíveis e sempre foram pessoas com uma mente até bastante aberta, principalmente para a altura em que eles me adotaram, que foi há vinte e tal anos atrás, que era completamente diferente de hoje em dia e não foi fácil. No entanto, acho que os meus pais fizeram sempre um trabalho muito incrível porque sempre foram pessoas dispostas a ouvir o que é que eu tinha para dizer, dispostas a compreender o que é que eu estava a sentir e mesmo eles não sofrendo com o racismo, acabam por estar sempre muito dentro do tema e estar sempre preocupados em querer saber mais e aprender mais. Portanto, essa humildade da parte deles e essa vontade de aprendizagem acaba por ser uma coisa muito positiva”.
Por outro lado, compreende a falta de ter uma família que a pudesse ensinar sobre estes assuntos e que “me mostrasse um caminho para eu encontrar a minha identidade”, diz-nos. No entanto, considera positivo o facto de ter tido o seu espaço para descobrir-se e envolver-se mais com a comunidade negra.
Depois de @oquotidianodeumanegra, Mafalda sentiu vontade de apoiar ainda mais a comunidade negra, nomeadamente na cidade do Porto. Tendo trabalhado numa empresa de turismo, decidiu criar uma excursão pelo Porto que explora a história e negócios negros, nascendo assim a African Tour Porto. Contudo, confessa que no início não foi fácil, pois implicou uma pesquisa bastante profunda, uma vez que não há muita informação. Foi necessário “encontrar espaços que efetivamente falem um bocadinho daquilo que é a história de Portugal relacionada com o continente africano, mas há também uma necessidade de tentar perceber o que é que esses espaços representam na nossa sociedade hoje em dia”.
A caminho de completar um ano deste negócio, a Mafalda conta-nos que o feedback tem sido “extremamente positivo”, como também, que a maioria dos seus clientes são norte-americanos, uma vez que é um país que aborda questões raciais e onde as pessoas já se sentem mais confortáveis a envolverem-se em atividades relacionadas ao racismo. Porém, também existe a aderência de portugueses, principalmente de pessoas que a seguem e acompanham o seu trabalho nas redes sociais. A tour tem uma duração de três horas e pode ser realizada no turno da manhã ou da tarde, de segunda-feira a sábado, de acordo com a disponibilidade apresentada no website. Dependendo das reservas, os passeios podem ser guiados em português ou inglês.
Ao exprimir a sua vontade de contribuir mais à comunidade aos negócios negros em Portugal, Mafalda falou sobre a falta de união na comunidade negra no país. “Eu não acredito que exista propriamente uma comunidade negra em Portugal, eu acho que existem pequenas comunidades que se ligam por identidades que têm semelhantes. Agora a ideia de identidade em Portugal só porque somos negros eu não a vejo e ela é muito difícil de ser conquistada, principalmente porque, apesar de todos nós sofrermos pelo racismo, nós não vimos todos dos mesmos sítios e não temos todos a mesma história, e não temos todos a mesma cultura e portanto isso muitas vezes cria choque entre nós. Agora é interessante ver também como para a comunidade branca é indiferente se nós somos angolanos, cabo-verdianos ou moçambicanos. Para a comunidade branca nós somos todos negros e ponto final”.
E voltando a refletir no apoio à comunidade negra, lamenta a falta de apoio e exposição que os negócios negros têm no Porto, nomeadamente pela parte da mesma comunidade. “Eu acho que a representatividade é importante. Acho que é um marco que nós temos que conseguir atingir nas mais diversas áreas da nossa vida, que é a única forma de os miúdos mais pequenos, negros, terem uma visão do que é que eles podem vir a ser no futuro. Sem ser sempre aquela ideia de que o negro que tem sucesso é o negro que é jogador de futebol ou é cantor. Não. O negro que tem sucesso é o negro que tal como as pessoas brancas lutou a vida toda para conquistar alguma coisa, e quando conquistou é também valorizado pela pela sua própria comunidade. Agora, se nós vamos conseguir criar esta representatividade sem a tal união necessária à comunidade, não sei. Isso já é um ponto difícil de discussão até porque muitas vezes aqui, no Porto, o que acontece é que existem situações em que a comunidade negra está-se a expor e está a tentar trazer alguma visibilidade, seja aos seus negócios seja o que for, e muitas vezes não há o apoio exterior”, diz Mafalda Fernandes.
Questionada sobre outros projetos, a formanda em Psicologia confirmou que pretende criar um projeto online para educação antirracista até ao final deste ano. “Não só para pessoas brancas mas também para pessoas negras”, acrescenta. “O meu principal objetivo é conseguir colocar o máximo de conhecimento condensado de forma a que seja de fácil acesso e toda a gente o possa compreender. Eu acho que um dos maiores problemas que temos em Portugal é o facto de não falarmos sobre as coisas e, quando falamos, está tudo muito espalhado e tudo muito confuso. As pessoas têm muita dificuldade em encontrar informação concisa, clara e direta ao assunto. Então, este, para já, é o meu principal projeto. É conseguir criar um curso onde todas as pessoas possam educar sobre estas questões de uma forma simples, didática e que vá direito ao ponto sem grandes confusões”.
Questionada onde se vê daqui a cinco anos, Mafalda acredita que continuará uma pessoa confiante, continuará a acreditar nos seus valores, nas suas crenças e que continuará a criar todo o tipo de projetos que acredite que realmente vão influenciar e impactar a comunidade negra pela forma positiva.
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