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Aos 28 anos, a cantora, compositora e modelo Majur é berço de resiliência e determinação, que, além do talento, a levou a tornar-se numa das maiores referências da atualidade da Música Popular Brasileira (MPB) e do R&B, no Brasil.
Prestes a atuar no festival dinamarquês Roskilde, a 4 de julho, a artista, que teve Caetano Veloso como mentor no início da sua carreira, concedeu-nos uma entrevista para falarmos sobre a música, enquanto ferramenta de libertação, as suas referências baianas enquanto potências do seu próprio talento e dos próximos passos.
Para entender a fibra de que Majur é feita, é preciso conhecer a sua história. Nasceu em 1995, no bairro Uruguai, em Salvador, no estado da Bahia. Quando tinha apenas três anos, o pai abandonou a família. Ajudar a mãe a recolher lixo reciclável nas ruas foi a única opção viável, na altura, para garantir algum sustento. Aos seis, depois de cantar durante um ano na Orquestra Sinfônica da Juventude de Salvador, Majur chegou à final do concurso Festival Anual de Canção Estudantil, promovido pelo Ministério da Educação. De lá para cá, montou uma banda, cantou em bares e restaurantes e lançou vários singles soltos, até chegar à participação num show de Liniker e Os Caramelos, em 2018. Um ano mais tarde, partilhava o microfone com Pabllo Vittar no single “AmarElo”, de Emicida. “Eu acho que precisava muito de ter coragem para ser quem eu sou no Brasil - um país extremamente violento quando se trata da população LGBTQIAP+. Simultaneamente, eu precisava dessa mesma coragem para ver se existiam oportunidades para além do bairro Uruguai, na periferia de Salvador, Bahia. E a música é uma representação exacta disso mesmo, da coragem”, explica-nos a artista sobre a importância que a música tem para si. “Essa coragem só vem através da música porque ela é um mecanismo de libertação para muitas pessoas. A música motiva e traz-nos também a consciência e momentos de reflexão. Já escrevi muitas canções e, após escrever, deparei-me em várias ocasiões a lê-las e observá-las horas a fio. E enquanto as lia e cantava, aquele momento tinha um efeito em mim. Era um momento de clareza para que me apercebesse do poder transformativo da música”, continuou.
Nos bastidores, Majur admite que a fé é outro dos seus motores. Considerando-se um ser xamânico ou espiritualizado, a libriana [de signo Libra ou Balança] partilha que tem um ouvido e poder de análise como poucos. É amiga do seu amigo e adora estar por perto quando dela precisam. E, se nos palcos ostenta roupas luxuosas e extravagantes, no seu dia a dia vive de top cropped e short curto. “Apesar de me verem sempre elegante e em grandes marcas, essa é a artista porque eu, como pessoa, dou tudo por um short e um cropped, faça chuva ou faça sol”, garante.
Como artista nascida e criada na Bahia, com sua rica cultura afro-brasileira, Majur realça a influência inevitável que se reflete na sua música e identidade. “Salvador respira afrocentrismo, uma reflexão do fato de que se trata da maior população negra no mundo fora de África. É uma cidade riquíssima a nível cultural. Sendo Salvador o berço da cultura africana no país, o ambiente em que eu cresci moldou bastante a minha música e o meu ser”, relata a cantora que não se acanha a exprimir o amor e carinho que tem pela cidade-natal. “A cidade em si tem uma força muito grande e é devido a isso que eu aprendi a tocar instrumentos, cantar e tudo no mesmo período, tão cedo quanto os cinco anos de idade”.
Graças ao envolvimento da mãe em trabalhos sociais e no coro da igreja, a música sempre foi uma parte significativa, moldando a sua abordagem à música como uma ferramenta para aceitação pessoal, identidade e envolvimento social. “A igreja tem um exercício incrível com a fé. Ela junta as pessoas, fala a mesma coisa para todas elas, fala para que elas entendam juntas e a força desse entendimento começa a agir naquele espaço ao lado da música que é o instrumento principal, facilitando essa ligação entre as pessoas”, reflete Majur. “E eu aprendi a cantar na igreja. Eu até fui ministra de louvor. Eu cantava no louvor da igreja, depois de várias fases redescobrindo a minha voz na igreja. Ao crescer, eu levava esse entendimento a que me referi anteriormente e compartilhava isso com elas. E isso foi um grande princípio para mim. Muitos artistas e grandes cantores começaram ou passaram pela igreja antes de estarem nesta caminhada artística. E, pessoalmente, passar pela igreja é equivalente a entendermos o que a música faz com o ser humano e onde ela nos toca. De fazer chorar, rir ou refletir, proporciona-se a realização de que este é um grande poder”.
Nasci para ser uma cantora e escritora consciente, que iria utilizar o seu dom para muita coisa, incluindo no lado social da vida
Majur
Com o passar do tempo, foi-se descobrindo cada vez mais como músico, o que gostava de fazer e como gostava de fazer. Expressou a sua dor na pandemia, em Dor d’um Kriolu, com Nelson Freitas, música que fez que fosse notado pelos cabo-verdianos e pela lusofonia. Nessa mesma altura decidiu fazer um álbum, Anchor Baby, que escrevemos aqui ser uma viajem musical eclética, entre o passado e o presente, que comporta elementos das suas origens, como o Batuco [batuque] de Cabo Verde, misturando a Kizomba de Angola e os internacionalizados Pop, Zouk, e Worldbeat. Nesta mistura sonora homogeneamente perfeita, o elo de ligação é o afrobeat das terras de Wizkid e Burna Boy.
Além de a certa altura ter entendido o seu dom, percebeu também que ele tinha um propósito. “Nasci para ser uma cantora e escritora consciente, que iria utilizar o seu dom para muita coisa, incluindo no lado social da vida”, desabafa. “A minha conscientização não vem somente do lado social mas também dum modo interseccional, com a minha identidade, as minhas experiências e o meu lugar no mundo como uma mulher trans. Daí se elevam as palavras de afeto, amor, troca e carinho que estão presentes em todas as canções e se fazem conexões positivas e energéticas com as pessoas. E é assim que vejo os meus shows – uma transição de energia com o público que espera elevar positivamente os seus espíritos e astrais”.
No que toca ao seu processo criativo, com influências de grandes nomes como Beyoncé e Grace Jones, a compositora esclarece que o auto-amor é um dos temas mais presentes. “Da mesma forma que olhamos para nós mesmos, eu coloco a minha vida no centro de tudo e todas as coisas que acontecem ao redor são observadas juntamente com isso”, descreve. “Ao colocar a minha vida na canção, eu automaticamente também coloco a minha vida numa balança, como todas as outras pessoas. Eu não vou falar somente o que acho mas também o que preciso ouvir e não consigo mudar ou está fora do meu controle. Eu sou apenas um ser humano e acho que é uma coisa importante. Desenvolve-se então uma ligação e uma história que me une a todas as outras pessoas, enquanto uma resposta emerge através duma canção e essa resposta serve tanto para mim quanto para a pessoa”.
Hoje consolidada no mercado musical e com mais de 397 mil ouvintes frequentes no Spotify, Majur junta fãs de todo o mundo e marca presença em breve, pela primeira vez na Europa, no Festival Roskilde, um dos maiores eventos de música e cultura do Norte da Europa. Além disso, a artista também estará presente em um dos maiores palcos do Brasil, o Palco Mundo, no Rock in Rio, no final de setembro.
📸 Caia Ramalho
Quando questionada pela BANTUMEN, em relação ao que sentiu ao descobrir que estaria em ambos os palcos este ano, Majur não admite falsa modéstia. Apesar de explicar que o primeiro sentimento que surgiu foi gratidão, a cantora também menciona que não foi uma surpresa ou sorte, mas sim coragem e uma devoção incalculável aos seus sonhos. “Eu agradeci muito a versão mais nova de mim mesma porque aos quatro anos eu já sabia que eu era diferente. Não desisti de ir atrás do que queria, fui corajosa durante este processo e não desisti de nenhum dos meus sonhos. E tem algo muito bonito e importante nisso”, enfatiza a artista. “Durante este processo, houve um retorno consistente à essência daquela criança e foi um exercício e tanto para chegar até aqui hoje. Por isso, quando eu vejo esta surpresa que na verdade não é surpresa nenhuma, porque eu sei o caminho que eu trilhei para chegar até aqui, tenho o desejo e sonho de ir muito mais longe e para além de fronteiras brasileiras. Conhecer realidades, países e pessoas novas. Estive fora do Brasil pela primeira vez o ano passado e não imaginei que voltaria nove meses depois para atuar e fazer um show, com a minha banda, num festival tão grande quanto o Roskilde ou RR aqui no Rio. A realização de que também faço parte da MPB, deixa-me muito feliz”.
Com plena consciência do que foi e é o seu percurso, Majur assegura-nos com uma voz doce que está numa fase da sua vida em que pode dizer que a felicidade está bastante presente. Além do sentimento de gratidão em relação aos fãs, Majur esclarece que tem recebido um outro apoio fundamental. “O amor é um sentimento maior, que está presente em toda a sua magnitude nas coisas mais pequenas e nas coisas grandes da nossa vida. Eu tive a sorte de ter encontrado alguém que consegue canalizar esse amor comigo e ao meu lado”, declarou.
Sobre futuro, os planos são infindáveis. “Agora estou pronta para muito mais e sei que uma apresentação no Roskilde abrirá portas para muito mais e para que outras pessoas saibam o que significa Majur”, explica a artista. “Tenho 28 anos, a minha vida ainda é bastante gigante e tenho muito mais para viver. Estou vivendo intensamente, dia após dias, abraçando todas ideias que surgem e tudo que gostaria de fazer como se fosse o meu último dia”, acrescenta.
A música é o seu passaporte para descobrir vários Estados do Brasil, outros países, paladares, sons, artistas e outras pessoas no geral, e a forma de retribuir o que tem recebido é de passar amor através da arte que cria. ”Por exemplo, ‘Andarilho’ já teve várias funções para além do que eu imaginei porque várias pessoas começaram a cantá-la enquanto motivação, enquanto vivem sem algo que nós julgamos necessário para viver e realizar sonhos, como é o caso das pessoas em situação de rua. A música acaba por fazer essa ligação entre as experiências das pessoas e as realidades que vivem. O mesmo se aplica às pessoas LGBTQIAP+ que vivem em constante medo e com poucos direitos na sociedade. A música tem essa ligação com as pessoas, que surge sem que eu esperasse”, conclui.
Ainda que não fosse esse o propósito, Majur tornou-se organicamente uma referência que inspira a comunidade LGBTQIAP+, e não só. Nesse espectro, além de todo o seu repertório que aconselhamos a ouvir, destacamos as músicas “AmarElo”, “Andarilho”, “Oxum” e o álbum Ojunifé, que são perfeitas representações da potência que o trabalho da artista cria.
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