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Bantuloja

"A minha trajetória de vida se fundamenta na cultura preta popular", Nath Rodrigues

October 20, 2024
Nath Rodrigues entrevista
Nath Rodrigues fotografada por @andregrecoamaral

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Inspiração para artistas negros, a cantora, compositora e multi-instrumentista brasileira Nath Rodrigues esteve na Europa entre 21 de setembro e 4 de outubro com o projeto “MultiEtnia Musical - Fragmentos de Brasil e Outras Escutas”. Com uma sonoridade que define como brasileira-jazzy-pop, a artista oferece ao ouvinte uma imersão poética na canção brasileira contemporânea, passeando por diversas referências culturais. Além de levar a música brasileira para terras europeias, a artista conduziu a oficina “A Experiência Corporal da Voz”, que oferece uma autopesquisa vocal através de ferramentas corporais. O projeto foi viabilizado por meio do edital do Programa Ibermúsicas de Apoio à Circulação. O Ibermúsicas é um programa de cooperação internacional dedicado ao setor musical ibero-americano.


Com a carreira internacional em expansão, Nath promoveu um intercâmbio cultural com o público, levando discussões sociais e artísticas por meio da música. “Este é um projeto que venho alimentando a partir da minha experiência e trajetória na música, na educação musical e na musicoterapia. Se baseia em como minhas observações sobre a sociedade contemporânea e seus atravessamentos em meu fazer artístico fazem nascer uma musicalidade fundamentada em sutilezas, minimalismo e muita poesia. Garimpo referências dos lugares por onde passo e isso me transforma como musicista. Outra base importante deste trabalho são os fundamentos com conhecimentos e práticas ancestrais, como a capoeira e o yoga, que vez ou outra aparecem com mais nitidez, mas mesmo quando estão silenciosos e diluídos na performance, guiam um estado artístico que também utilizo como ferramenta para intermediar a experiência de outras pessoas em oficinas conectadas a estas apresentações”, conta.


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Memu Sunhu

Nath, comece contando do seu passado, desde a infância e como a arte apareceu na sua vida? Quais eram/foram as referências musicais que te influenciaram a formar o seu estilo musical?

Nasci e cresci em Sabará, cidade histórica de Minas Gerais, onde iniciei meus estudos e práticas na música. Meus pais, apesar de não serem músicos, sempre ouviram muita música em casa, principalmente rádio, que me fez crescer com referências muito diversas sobre a música popular brasileira. Tenho outras referências musicais na minha família que também contribuíram para manter e alimentar esse DNA musical. Minha madrinha Alcione é cantora e teve sua formação em coro a 4 vozes, meu tio Almir, irmão caçula da minha mãe, sempre teve um violão à tira-colo e eu estava sempre grudada nele, por isso, minha prima Letícia, que crescemos juntas, também desenvolveu seus estudos no violino no mesmo momento em que eu, na transição da infância para adolescência. Meus irmãos e outros primos mais jovens também têm a música como veia principal de sua formação e, recentemente, descobri que meu avô materno, Jaime, era cantor de seresta [estilo de música brasileira, conhecida pelas letras românticas e sonoridade instrumental] num grupo formado por ele e seus irmãos, que tocavam cada um um instrumento. Tenho honrado cada vez mais essa herança musical que percebo ser o ofício que norteia a minha caminhada ancestral.


A base da minha formação musical é a Sociedade Musical Santa Cecília de Sabará, instituição musical das mais antigas do Brasil, fundada em 1781. A “banda” é uma entidade formadora muito presente na história do estado de Minas Gerais, presente especialmente em cidades que fizeram parte do ciclo de extração de ouro e outros minerais preciosos, no período colonial, e tinha (e em muitos casos ainda tem) grande importância política e cultural nessas cidades, sendo parte importante da formação social desses lugares, o que coloca a música em um lugar de grande destaque, ainda que essas pessoas não vivam especificamente da música. A Santa Cecília tem alguns núcleos formativos, dos quais participei da banda, inicialmente tocando clarineta e depois na orquestra, tocando violino. Minha infância foi permeada por muitas brincadeiras na rua, um convívio com muitas crianças e adolescentes, tanto meus primos (que são muitos) e vizinhos, muitas atividades escolares criativas e alguma liberdade de pensamento, experiências e escolhas que foram nitidamente trazidas pelas presença da música.


Sempre tive um direcionamento artístico, que se conecta tanto à história de aprendizagem formal da música, no período da banda (Santa Cecília), quanto pela própria vivência cotidiana da minha família materna e paterna, que tinham cada uma seus costumes, ligados principalmente à heranças da cultura preta e de interior.


Sobre minha família paterna, que também é parte fundamental na minha formação cultural, considero que somos quilombolas, apesar de não haver uma demarcação institucional sobre isso. Os encontros familiares, a musicalidade, as comidas, a relação íntima com o carnaval, os costumes, a referência matriarcal e de respeito aos mais velhos é uma característica que, anos depois, já na universidade, pude perceber, elaborar e amadurecer sobre como são marcas de resistência cultural e de manutenção de saberes, que sem me dar conta cresci exposta a eles.


Minha mãe é educadora há mais de 35 anos e sempre ofereceu experiências e possibilidades de aprendizagem diversas para mim e meus irmãos. Meus grandes ídolos, mestras e pessoas inspiradoras foram apresentadas a mim por ela, ainda na infância.


Fui uma criança que cresceu ouvindo rádio, ao passo que também estudei música erudita. Isso fez com que eu tivesse em minha formação estilos musicais muito contrastantes, que também escancaram os contrastes sociais aos quais eu estive exposta. Estudava e ouvia Bach, Beethoven, Mozart, Haydn, enquanto ouvia Belo, Os Travessos, Exalta Samba, Mc Marcinho, Mc Leozinho e toda a gama de pagodes e funks [cariocas] dos anos 90, que tocavam nas rádios Extra e BH-FM. Também consumi muita música mineira e MPB em geral através das rádios Guarani e Inconfidência. Gil, Caetano, Milton, Clara Nunes, Elis Regina, João Bosco, além de clássicos do samba e da música romântica como Alcione, Emílio Santiago, Jorge Aragão, Raça Negra, Eliana de Lima, Zeca Pagodinho e outros tantos, que ficavam por conta dos vinis que minha mãe e meus tios colecionavam e dos quais recentemente herdei vários exemplares.


No meio desse processo de formação musical inicial, tive a sorte de acessar um repertório de música instrumental brasileira, principalmente choro, que eram propostos pelo querido professor e maestro Diógenes Nébias, na época da Santa Cecília. Uma introdução importante que conectava de alguma maneira esses dois mundos tão distantes entre a música que eu estudava formalmente e a que eu ouvia com meus familiares e amigos. Foi aí que apareceu Pixinguinha, Villa Lobos e Guerra Peixe para conectar um pouco os parafusos soltos na minha mente (rs). Foi essa iniciativa que com certeza serviu de energia propulsora para eu misturar tantas referências improváveis no futuro que viria.


Através da minha mãe, que frequentemente recebia convites para participar de formações para professores e também de buscas e interesses próprios dela, veio a oportunidade de conhecer, conviver e estudar com várias pessoas que são referências pra mim e que muitos, felizmente, também são meus colegas de profissão atualmente: Sérgio Pererê, Maurício Tizumba, Raquel Coutinho, Serginho Silva e teve também o Marku Ribas, Naná Vasconcelos, Chico Lobo, Almir Sater, Titane, Rubinho do Vale, etc.


Quando migrei do erudito para o popular, me entreguei de vez ao estudo do choro e pude acessar o repertório novamente do Pixinguinha, dessa vez com mais profundidade, e também o Jacob do Bandolim, Waldir Azevedo, Altamiro e Maurício Carrilho e Garoto. Toquei no grupo de choro da Universidade Estadual de Minas Gerais, no Abre a Roda - Mulheres no Choro, grupo formado somente por mulheres, e tive alguns duos de violão e violino sobre esta linguagem, o Corda a Dois e o Pé de Amora.


O teatro negro brasileiro, que apareceu na minha vida trazendo uma experiência cênica que mudou completamente minha forma de conceber a música, vindo através da cia Burlantis, do Grupo dos Dez e do Coletivo Negras Autoras, foi um arremate importante neste ciclo de formação para que eu assumisse de vez toda essa miscelânea que é a minha forma de entender, elaborar e praticar música. Quando essas extremidades de erudito e popular foram enlaçadas pela cena, percebi que poderia criar minha própria forma de me expressar musicalmente. Foi aí que nasceu a Nath Rodrigues compositora. Quando me dei conta, a arte já era minha guia e minha lente de ler o mundo.

Nath Rodrigues entrevista

Nath Rodrigues | 📸 DR 

Nath Rodrigues entrevista

Como tem sido a sua trajetória musicista até aqui? Quais os principais desafios e as principais conquistas? O que mais da cultura negra está presente no seu trabalho e na sua vida?

A trajetória na música é um enorme processo acumulativo de estudos, referências, trocas, sentimentos de estagnação, persistência, amadurecimento e entendimento de que nunca tem fim. Construí e sigo construindo estruturas muito importantes, pessoais e coletivas, compreendendo que minha principal característica nesse processo é a minha habilidade de seguir em processos de aprendizagem. É o grande fetiche da minha vida. Existe um lugar familiar para mim em estar em situações de desconforto e a música me ajuda a conviver com essa característica de maneira amorosa e desafiadora ao mesmo tempo. Seja cantando, tocando, compondo ou performando, a experiência nunca é a mesma e, pra mim, essa é a chave da relação que tenho com a música. Aprender e ter sempre mais o que se saber é angustiante, viciante, poético e esperançoso.


Minha trajetória tem muita gente envolvida, seja na linha de frente dos palcos, seja nos bastidores da construção das estruturas que ninguém vê, mas que dão toda a sustentação para que eu tenha principalmente rede de apoio e estrutura emocional para seguir dando vida às minhas ideias.


O Coletivo Negras Autoras e a Coletiva Lugar de Mulher, dos quais fui co-fundadora e integrei os trabalhos durante um tempo considerável, me trouxeram a importância da construção política, a consciência sobre a estrutura racial e de relações de gênero na música e na sociedade em geral. Foram muito importantes para dar substrato aos meus posicionamentos político-sociais e para entender os enlaces e desenlaces da minha caminhada como mulher-preta-periférica vivendo em contextos que muitas vezes não estavam ligados ao meu lugar de origem social, mas que me deram ferramentas para assumir uma outra importante característica que carrego, a capacidade de me conectar genuinamente com realidades diversas e muitas vezes paradoxais, mantendo uma leitura consciente sobre essas diferenças de contexto.


Mais recentemente, o meu trabalho teve um salto que considero um divisor de águas na minha percepção do meu trabalho na música também como uma empresa, um produto. Percebo que no meu nicho, da música independente e autoral, existem muitos mitos, tabus e fantasias sobre este tema. Acho muito importante essa consciência sobre o diálogo do nosso trabalho criativo, onírico, intangível com o mundo capitalista dos boletos, prazos, instabilidades e projeções. Acho completamente possível associar as duas coisas com honestidade, organização, parceria, confiança e acima de tudo, muito muito muito trabalho.


Essa caminhada começou com a Débora Campos, produtora e empresária que me ajudou a erguer meus primeiros tijolinhos como artista-empreendedora, e atualmente sigo com a Carol de Amar e companhia super queridas, em nome d’ A Macaco Lab, indústria criativa composta de várias mentes potentes e diversas, principalmente mulheres, pessoas pretas e de sexo-gênero dissidentes, que seguem comigo numa construção muito bonita, particular e muitas vezes incompreendidas pelos meus pares e colegas que, durante muito tempo, conviveram comigo atuando em absolutamente todas as frentes. Me sinto muito segura em ter uma rede de apoio técnica e profissional, que constrói com muita transparência e tá junto na abundância, mas principalmente em situações de escassez.


Essencialmente, a minha própria trajetória de vida se fundamenta na cultura preta popular. Famílias grandes, que ainda que estejam em um contexto cultural ocidental branco-dominante, conseguem preservar aspectos que vejo como fundantes das estruturas afro referenciadas: A comida, a música, a maneira de falar e se expressar corporalmente, a abertura para a religiosidade sincrética, os saberes das medicinas naturais, o senso de comunidade e apoio mútuo e sobretudo a consciência sobre ser um corpo preto no mundo e quais atravessamentos emocionais, subjetivos, estéticos, políticos, sociais e culturais isso carrega, ainda que as pessoas que compõem o meu grupo familiar tenham estágios diferentes de percepção, elaboração e consciência de tudo isso.


Acho que uma característica importante do meu contexto de negritude familiar e social que se apresenta na minha realidade criativa, é a capacidade de ser inventiva com as ferramentas que tenho. Caminhei até aqui com a premissa, muitas vezes inconsciente, de que “não PODE dar errado”. Isso pode ser muito violento, como muitas vezes foi, mas também aprendi a tirar lições e algum proveito de situações de opressão e isso me deu coragem pra inventar, compor, criar contextos favoráveis ao meu trabalho, elaborar um senso estético próprio e saber absorver aspectos relevantes de aprendizado de todos os ambientes aos quais estive e estou inserida.


A capoeira, por exemplo, tem sido minha principal referência de comportamento, musicalidade, coletividade e organização neste momento. Sou parte do Coletivo Cultural Angola de Ouro, uma comunidade cultural composta majoritariamente por pessoas pretas e muitas mulheres que tem como ferramenta principal de estudos e práticas a Capoeira Angola, para crianças, jovens e adultos, mas que também se ancora no samba rural e nas tradições de matriz africana, afro pindorâmicas e afro mineiras. Somos “netos” do Mestre João Angoleiro, da ACESA, e também temos como referências outros mestres e mestras da cidade, do estado e do país.


Nossa construção de comunidade envolve estudos e práticas sobre a racialização dos corpos, identidade de gênero, matrilinearidade, feminismos e mulherismos e a circularidade e referência aos ancestrais, mestres e mestras, vindas de referências como a própria capoeira, o candomblé Angola, a umbanda, o congado e a retomada de territórios físicos e ideológicos, tais quais nos ensinam nossos povos originários.


A comunidade cultural Angola de Ouro completa 7 anos de existência em novembro de 2024. Somos um grupo muito jovem perante à todas as nossas referências e todos os nossos desejos de construção, mas temos compromisso, diálogo aberto, disposição e muitas mentes pensantes e disponíveis para construir outras realidades possíveis através de heranças que são nossas e que a sociedade patriarcal-capitalista-racista promove o adoecimento.


Recentemente, a turnê na Europa foi um belo respiro e injeção de energia para seguir fazendo o que acredito. Foi a terceira vez que voltei ao continente, num processo de insistência, desbravamento, curiosidade e abrangência da minha rede de conexões, não só pela música, mas também pela capoeira e pela musicoterapia. Passei por 3 países fazendo shows e ministrando oficinas. A partir do vínculo que criamos com o BOTA Anjos, uma base cultural bastante interessante em Lisboa, aproveitamos a oportunidade para ampliar a rota em outros lugares que eu já tinha relações prévias por já ter ido em outras duas ocasiões no continente: Bari, no sul da Itália, onde tocamos pelo projeto CAFUNÈ Puglia, e Basel e Zurique, na Suíça, onde nos apresentamos na Fundação Brasilea, na Tapiocarhy e no Kasheme, respectivamente.


Fui acompanhada do multi-instrumentista, compositor e arranjador Acauã Ranne, que também é um amigo que me acompanha por diversas andanças musicais há quase uma década. Nossa relação na música (e na vida) é de muita confiança, abertura, criatividade e generosidade. Me sinto muito feliz, tranquila e à vontade dividindo o fazer musical com ele. Apresentamos composições minhas, algumas que já foram lançadas e outras ainda inéditas, junto de algumas referências da música brasileira que tem influência na minha maneira de fazer e sentir música. A instrumentação também tem um formato muito interessante, que constrói uma sonoridade peculiar, minimalista porém muito completa no sentido de parâmetros musicais, como melodia, harmonia e ritmo. Acauã me acompanha no baixo elétrico, enquanto transito entre voz, berimbau, violão e violino.


O público europeu a que tive acesso, e também brasileiros e pessoas de diversas nacionalidades residentes na Europa, foi muito generoso, carinhoso e disponível para a escuta das minhas canções, que são inéditas para eles, e também nos novos formatos que apresentei algumas canções que já são mais conhecidas do repertório da canção brasileira. Não vejo a hora de voltar novamente e de abrir caminhos por lugares onde ainda não estive.

Nath Rodrigues entrevista

Nath Rodrigues | 📸 DR 

De onde vem, ou onde você busca as sutilezas, minimalismo e poesia para o seu trabalho?

Vem principalmente da minha referência em tocar instrumentos melódicos ao longo da minha vida. Me refiro a três grandes grupos que classificam os instrumentos segundo suas funções: Melódicos, que são responsáveis por conduzir uma linha de melodia de notas majoritariamente sequenciadas uma à uma (ex: violino, flauta, saxofone, clarinete, etc); Harmônicos, instrumentos que tem como principal característica fazerem acompanhamentos para instrumentos melódicos ou para si mesmos (ex: violão, guitarra, piano, etc); e os instrumentos percussivos, responsáveis pela condução rítmica e contextualização de paisagem sonora (ex: bateria, pandeiro, tambores, etc). A melodia, por sua característica de notas sequenciadas, já restringe de certa forma a complexidade e quantidade de notas que podem ser executadas por período. Passei anos estudando esses instrumentos e quando apareceu a necessidade de criar acompanhamentos para as canções que eu escrevia, ou mesmo outros repertórios que eu gostaria de tocar, o jeito era usar essa combinação da melodia principal, somada à uma outra melodia de acompanhamento, que também se soma à aspectos rítmicos e ruídos para que eu pudesse criar um contexto de acompanhamento minimamente auto suficiente. É a história que contei lá na outra pergunta, sobre utilizar as ferramentas que tenho para extrair o melhor que posso. Eu não inventei a roda, esse processo já existe de maneiras diferentes na música antiga, por meio do contraponto principalmente, presentes em diversas culturas, não sei se sempre com esse mesmo nome. O que eu fiz foi usar uma tecnologia ancestral a meu favor, mas como cada experiência cria um produto diferente, entendo que essa ferramenta tem sido importante para consolidar uma linguagem musical que tem a ver com a minha trajetória pessoal.


Você diz sobre levar discussões sociais e artísticas por meio da música. Quais recados você consegue dar? Quais mensagens suas músicas reforçam? Pode citar alguns trechos ou alguns nomes de músicas?

A poesia e a subjetividade são minhas guianças em um momento onde a música popular e pop trazem muitos discursos literais. Não tenho um juízo de valor negativo sobre essa tendência, é apenas uma constatação sobre o consumo do ouvinte médio atual. Acho que nós, principalmente a população preta brasileira, foi privada massivamente por muitos séculos de considerar o subjetivo, o íntimo, o inconsciente. Há bem poucos séculos, pessoas como eu nem eram elevadas à categoria de gente. Isso tem marcas profundas no processo de expressão das nossas angústias e outras emoções importantes e fundantes do sujeito. Tive a oportunidade de estudar musicoterapia durante alguns anos e essa percepção da música como ferramenta de saúde reforçou ainda mais esse desejo de dar atenção às nossas profundezas e fantasias. O que também não impede que em algum momento eu recorra à ferramenta direta da literalidade, afinal, outra bandeira que sustento é a de que sejamos livres nos discursos que têm relevância para cada pessoa unicamente, desde que não fira a existência alheia. Gosto de dizer coisas do tipo “foi feito sonho quando apareceu, vestindo cores que cabiam em mim”, ou mesmo “vai, se olha no espelho, vai, se despe sem medo, sai, deságuo esse choro contido e me traço e mim”, e ainda “yo te pienso tener, el corso de mi cuerpo en su caer, el agua que te voy a ser, nunca viste y va a creer” (eu penso em te ter, o curso do meu corpo na sua queda, a água que vou ser pra você, nunca viu mas vai acreditar).

Pode deixar um recado os para empreendedores negros que estão no início da carreira ou para os talentos negros que ainda não encontraram a coragem para empreender seus talentos?

Uma característica importante para pessoas negras que querem empreender e estão no início da carreira, é ter disciplina. A disciplina não é algo engessado, sobre seguir os horários, demandas e maneiras de fazer de outra pessoa, mas sim identificar suas habilidades, seus hábitos, seu tempo e organizar isso de maneira que você possa estabelecer uma rotina própria, que inclua repetição, aprimoramento e amadurecimento das suas atividades e potencialidades. Estudo é essencial. Estudos diversos: línguas, esportes, habilidades criativas. Em geral, nós partimos de um ponto inicial muito mais distante e precário em relação a pessoas não negras. Não é para isso virar uma competição tal qual estimulam os dentes vorazes do capitalismo, mas é pra ser uma potencialização de você em relação à você mesma/me/mo. Agarrar as possibilidades. Fiz vários cursos de formação gratuita e pagas que eu julgava serem interessantes para a minha caminhada, ainda que no momento não parecesse fazer tanto sentido para outros, mas também me atentei aos saberes das pessoas. Instituições antes de serem paredes, são feitas de pessoas. No mais, vejo que ter paciência na persistência não tem erro. O sucesso não é uma coisa estática e unificada. Ser uma pessoa bem sucedida é uma mistura de fatores distintos para cada pessoa. Dinheiro não é tudo, apesar de ser bem importante, e é aí que mora o desafio.

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