Nelson Saúte apresenta poesia e memória moçambicana na livraria SNOB

O jornalista, escritor e editor moçambicano Nelson Saúte marcou presença na última edição do evento literário Poéticas Afro-Atlânticas, que decorreu a 26 de fevereiro na livraria SNOB, em Lisboa. Natural de Maputo, onde nasceu em 1967, Saúte tem explorado na sua obra temas como a memória coletiva e a identidade africana, sendo uma das figuras centrais da literatura moçambicana contemporânea.

Autor de livros como Ilha de Moçambique pela Voz dos Poetas e As Mãos dos Pretos, apresentou excertos da sua produção literária, que abrange poesia, crónica e romance. A sua escrita, marcada pelo equilíbrio entre ficção e realidade, reflete experiências individuais e coletivas de Moçambique, onde a cidade e os seus habitantes assumem papel central em narrativas de resistência, identidade e sobrevivência. No evento, Saúte leu Cidade em Transe, poema que retrata o quotidiano moçambicano:

"Os carros ladram entre vielas sem nome,
o asfalto ferve promessas por cumprir,
As sombras das mangueiras desenham histórias na calçada.
No silêncio das esquinas,
a cidade engole os passos de quem parte sem bilhete de regresso.
O vento sussurra segredos antigos
nas janelas que nunca se fecham por completo."

Para o escritor, a literatura vai além do papel. "A palavra não se esgota no papel, ela transborda, transforma-se, ganha corpo na voz e no olhar de quem a recebe", afirmou. Defende que a memória desempenha um papel essencial na construção de narrativas e sublinha a importância dos autores que considera fundadores da literatura moçambicana. Entre os nomes citados, destacam-se José Craveirinha, primeiro africano a vencer o Prémio Camões e uma das vozes do surrealismo poético, e Noémia de Sousa, frequentemente referida como a “mãe dos poetas moçambicanos”.

“As nossas literaturas sempre foram um fruto de cruzamento. Os poetas fundadores beberam muito da literatura brasileira, da literatura americana e daquele movimento cívico que existiu nos anos 40/50. A literatura moçambicana é um caldeirão de influências e culturas”, acrescentou.

O projeto Poéticas Afro-Atlânticas promove encontros mensais que dão voz à poesia africana e a outras literaturas ligadas pelo Atlântico. O evento acontece na última quarta-feira de cada mês e é aberto a poetas, leitores e curiosos interessados em explorar a diversidade literária do espaço afro-atlântico.