"O Entretenimento no Brasil, sobretudo para profissionais negros, exige um esforço dobrado", Robert Nascimento

March 13, 2025
Robert Nascimento entrevista
Robert Nascimento | 📸 DR

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Nos bastidores de grandes eventos, conectando pessoas, produzindo grandes eventos, construindo histórias, colecionando memórias e transformando vidas. Assim vive há mais de 20 anos o brasileiro Robert Nascimento, atualmente como gerente de entretenimento na WTorre - empresa focada no mercado imobiliário que tem o entretenimento como uma de suas áreas de negócio - e traz um slogan sugestivo: “se for empreender, surpreenda”. Robert é um profissional relevante no cenário de grandes eventos, sendo uma das poucas pessoas negras a lidar no nível de gerência com grandes estruturas de shows. 

Nessas duas décadas de experiência, ele atuou nos maiores players do mercado de entretenimento mundial, como: T4F, Live Nation, XYZ Live, Mercury Concerts, Show Time (México). Trabalhou na organização de turnês de renomados artistas internacionais, como Cirque du Soleil, U2, Pearl Jam, Madonna, Beyoncé, AC/DC, Iron Maiden, Metallica, Rolling Stones entre outros. Com entregas em mais de 15 países, as emoções geradas e conexões criadas com seu trabalho, entre pessoas e culturas, por meio de experiências inesquecíveis é seu maior legado. 

Desde a fundação, ele cuida da gestão e produção dos eventos no Allianz Parque, arena multiuso, ícone do entretenimento e do esporte, situada em São Paulo, Brasil e considerada a mais moderna da América Latina. O espaço existe há 10 anos e é conhecido pela sua grandeza e versatilidade de adaptação e eventos, tendo registrado números impressionantes e recordes de público. No Brasil, Robert fez todos os shows do Paul McCartney nos últimos 10 anos no Allianz Parque. “Entre o futebol, grandes shows e eventos inesquecíveis, este é o palco onde minha trajetória profissional e pessoal continua a se transformar. Um espaço que me inspira a crescer todos os dias”, abre a conversa.

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Para Robert, a cultura e o entretenimento são ferramentas poderosas de identidade, pertencimento e transformação, que podem abrir horizontes, resgatar memórias e mudar destinos. “Eu sou prova disso”, afirmou Robert. Oportunamente, vale dizer aqui que eventos pretos não são apenas entretenimento, mas também espaços de resistência, educação e empoderamento. Eles promovem narrativas próprias, descentralizam o protagonismo cultural e incentivam o reconhecimento da riqueza e diversidade da arte negra. A falta de investimento nessas iniciativas, portanto, representa uma tentativa de invisibilizar e deslegitimar essas vozes.



No Brasil, ele diz que há grandes avanços na democratização de algumas experiências culturais, mas ainda há muito o que fazer. Ele acredita que o acesso à cultura e ao entretenimento de qualidade ainda é desigual, e os espaços precisam ser cada vez mais representativos. “Também precisamos ampliar o protagonismo negro nesse setor, tanto na frente dos holofotes quanto nos bastidores, é preciso investir no desenvolvimento e qualificação de profissionais negros para que mais oportunidades sejam geradas, promovendo equidade dentro do setor”, pontuou o gestor cultural.



O argumento de que eventos pretos não recebem investimentos por “falta de mercado” é inconsistente. A cultura negra é um dos maiores motores da indústria do entretenimento e do consumo global, movimentando bilhões de dólares em música, moda e arte. No entanto, quando esses elementos culturais são apropriados por grandes corporações, eles recebem investimentos massivos. Isso evidencia que o problema não é a rentabilidade, mas sim a resistência em financiar e valorizar iniciativas conduzidas por pessoas negras.



O financiamento de eventos culturais não é apenas uma questão mercadológica, mas também de responsabilidade social. Governos e empresas têm o dever de fomentar a diversidade cultural e corrigir desigualdades históricas. Criar políticas de incentivo específicas para eventos pretos e estabelecer compromissos reais de investimento são passos essenciais para garantir que a cultura negra tenha espaço e reconhecimento justos.



Robert Nascimento entrevista

Robert Nascimento | DR

Robert carrega no currículo milhares de eventos para diferentes tipos de públicos, incluindo partidas de futebol, grandes shows nacionais e internacionais, eventos corporativos e convenções. A trajetória profissional reflete aprendizados e experiências da sua infância e adolescência, marcadas por vivências urbana e comunitária muito forte, cercado por música, ancestralidade, cultura e histórias que, de alguma forma, moldaram sua visão do mundo. “O acesso à cultura vinha do convívio, da oralidade da minha família, das festas de rua onde cresci, dos encontros familiares e da importância que minha família dava para a infância bem vivida, seja através da música ou do futebol, duas linguagens que sempre me acompanharam”, comentou.



Ele é um exemplo de que a prática é a melhor formação, aquela aprendida com as vivências e diretamente com as pessoas. “Sempre estive cercado por referências negras, desde grandes artistas da música que meu pai me apresentava na radiola em casa, até figuras anônimas que me ensinaram sobre resistência, resiliência e sensibilidade. Me inspiro em quem transforma, conecta, em quem dá sentido ao que faz e se compromete com o impacto de vida do seu trabalho”, acrescentou. Foi de forma natural, através da música e do futebol, duas paixões que sempre o conectaram com o mundo, que a produção de eventos virou profissão. “Aos poucos, fui entendendo que poderia trabalhar com isso, conectar pessoas, criar experiências e construir caminhos dentro do entretenimento onde se transforma e realiza”, relembrou Robert.



Para contar de sua trajetória profissional, ele lembra dos desafios e das conquistas que foram igualmente importantes. “É um caminho longo, cheio de desafios, mas também de aprendizados imensuráveis. O entretenimento no Brasil, sobretudo para profissionais negros, exige um esforço dobrado, mas me orgulho da trajetória que construí e estou em constante construção. Estar há mais de 20 anos nesse setor, tendo passado por grandes promotores de shows, eventos e feito parte de projetos relevantes, é uma conquista. O maior desafio é garantir que nosso trabalho seja reconhecido, valorizado e que dure”, explicou.



Sobre a importância do seu trabalho para o acesso à cultura no Brasil, Robert comentou que enxerga sua atuação como uma ponte, que permite que pessoas se encontrem, vivenciem momentos únicos e tenham acesso a experiências transformadoras. “Onde trabalho é também um espaço onde sonhos são realizados, onde vidas se conectam e onde o extraordinário acontece. É um lugar onde emoções se transformam em memórias eternas, onde artistas, atletas e público se conectam de forma mágica, onde histórias ganham vida. Sei da importância disso e levo essa responsabilidade com seriedade, buscando sempre formas de ampliar esse alcance”, destacou.



Quando foi perguntado qual evento mais o marcou ao longo desses 20 anos de produção no entretenimento, ele disse que é difícil escolher. “Momentos da minha atuação no Allianz Parque, onde estou há 10 anos em crescimento e os eventos ao lado de gigantes como Lauryn HillColdplay e Phil Collins, entre outros artistas que moldam gerações, marcaram a minha história. Ainda hoje, cada grande evento me emociona como no início. Como não vibrar em noites históricas, com a emoção das torcidas de futebol e com os fãs alucinados de artistas nacionais e internacionais lotando o estádio?  Como não me emocionar com momentos marcantes como o último show do Linkin Park no Brasil ou Kendrick Lamar na arena? São memórias que vão muito além do trabalho, que conectam pessoas, histórias e paixões”, destacou Robert.



Tão apaixonado pelo que faz, ele não vê dia e nem hora. Seja fim de semana, feriado ou madrugada afora. Mas quando não está trabalhando, Robert também tem seus entretenimentos: música, futebol, cozinhar, viagens e boas conversas. Encontrar com amigos, assistir show ou simplesmente caminhar por uma cidade desconhecida são momentos que recarregam sua energia para continuar sendo o ponto de encontro das emoções, dos gritos da torcida e dos aplausos de um show.



Quais são os sonhos do Robert, na vida pessoal e profissional? Ele quer continuar construindo espaços de impacto dentro do entretenimento, fortalecendo a presença negra e promovendo mais acesso e conexões. “O entretenimento tem um poder transformador, e saber que caminhamos para construir espaços mais inclusivos e conscientes me enche de esperança. Na vida pessoal, desejo viver com intensidade, estar cercado de quem amo e continuar trilhando um caminho de significado e ressignificando minha vida e minha história”, confidenciou ele.



E por falar em sonho, ele deixa um recado para os leitores da BANTUMEN: “Sejam firmes no que acreditam e no propósito, porque seu talento e sua história importam. O caminho pode ser desafiador, mas é possível construir espaços e deixar sua marca. Cercar-se de uma rede forte de quem te quer bem e aprender com quem veio antes e manter a confiança no seu valor são passos essenciais. O mundo precisa da sua visão e da sua arte”, encerrou Robert Nascimento.



Eventos pretos enfrentam barreiras para conseguir patrocínios privados e apoio governamental

A cultura negra tem um impacto inegável na sociedade, influenciando a música, a moda, a arte e diversas outras expressões culturais. No entanto, os eventos pretos—espaços fundamentais para a valorização, promoção e fortalecimento dessa cultura—continuam sendo sistematicamente negligenciados quando se trata de investimentos e patrocínios. Essa falta de suporte financeiro não apenas limita o crescimento dessas iniciativas, mas também reforça desigualdades históricas, impedindo que a cultura negra alcance a valorização e o reconhecimento merecidos. Aos produtores negros que atuam nesse mercado, cabe a responsabilidade de fomentar esse debate.

Enquanto festivais e produções culturais brancas recebem investimentos expressivos de grandes marcas e incentivos fiscais, iniciativas negras são frequentemente ignoradas ou recebem valores muito inferiores. Esse cenário reflete um viés estrutural que perpetua a exclusão da cultura negra dos grandes circuitos de entretenimento e da economia criativa.



A falta de investimento em eventos pretos não é fruto do acaso, mas sim um reflexo das estruturas racistas que ainda dominam a sociedade. Corrigir essa disparidade significa reconhecer a importância da cultura negra, apoiar seus protagonistas e garantir que a diversidade cultural seja valorizada de maneira justa. Mais do que um ato de inclusão, investir em eventos pretos é uma necessidade para uma sociedade verdadeiramente plural e equitativa.

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