Marcas por escrever
Contactos
BantuLoja
Pesquisa
Partilhar
X
Rosy Timas é uma bailarina e coreógrafa cabo-verdiana que encontrou na dança a sua linguagem natural. Apesar de ter começado a treinar formalmente aos 23 anos – uma idade que a própria considera tardia –, a relação com o movimento esteve sempre presente. "Lembro-me de jovem ter visto dança clássica na televisão e ficar fascinada. Às vezes parecia que entrava naqueles corpos", recorda.
O primeiro impulso na dança veio em 1991, quando Mano Preto, fundador da companhia Raíz di Polon, um dos mais relevantes grupos de dança contemporânea cabo-verdiana, a convidou para integrar o grupo. "Ele não me conhecia de lado nenhum, eu tinha 16 anos e ele perguntou-me se eu não queria entrar na Raíz di Polon. Fiquei logo assim, uau!". Apesar do contentamento, a resistência da família adiou esse passo. "A minha mãe já tinha emigrado e fui pedir autorização à minha irmã. Ela disse: ‘Não, estás a estudar, não podes dançar’." Mas a paixão falou mais alto, e Rosy acabou por iniciar o percurso que a levaria a tornar-se uma das referências da dança contemporânea cabo-verdiana.
Em 1999, já em Portugal, participou na sua primeira peça profissional e começou a integrar o circuito internacional. "Foi ali que tudo começou realmente". De lá para cá somam-se atuações em mais de 40 países e seis solos.
A obra de Rosy Timas vive do cruzamento entre a tradição e a experimentação. Se, à primeira vista, o ritmo vibrante das danças cabo-verdianas parece opor-se à fluidez da dança contemporânea, a artista vê esta dualidade como natural. "O funaná, o batuco, a morna já têm um ritmo próprio que, por si só, gera movimento contemporâneo. A forma como expressamos as emoções já é, de certa maneira, contemporânea".
Foi com essa consciência que chegou à Escola Superior de Dança de Lisboa. Mas, em vez de se encaixar no modelo académico, percebeu que o seu caminho era outro. "Já vinha com uma bagagem, sentia-me dentro de uma caixa. Os professores perceberam e disseram-me: ‘Isto não é para ti’. Mas foi um período enriquecedor, aprendi muito sobre a estrutura académica da dança".
As colaborações com coreógrafos como Tony Tavares e Vera Mantero acrescentaram camadas ao seu repertório. "Todos os alimentos que vou colhendo fazem parte do que sou hoje e do trabalho que faço. Trabalhei com o Tony já em Cabo Verde, numa peça que ele montou, e depois participei na Ópera Crioulo no CCB".
O seu novo espetáculo, Sacralidade [BANTUMEN: que será apresentado na Gulbenkian 29 de março, às 20 horas] é um mergulho no sagrado. Criado num mundo onde a violência e a desigualdade moldam o quotidiano, o espetáculo procura um refúgio no invisível. "Nos meus processos, começo sempre mentalmente, recorrendo às minhas memórias emocionais e ancestrais", explica.
Mas Sacralidade é também uma homenagem. "Queria trazer algo da Sara [Tavares], uma memória dela, porque a sua presença continua viva". Mais do que uma peça, é um manifesto de resistência e um convite à introspecção.
A sua abordagem à dança recusa enquadramentos rígidos. "Descobri uma técnica muito minha. Não penso nos movimentos, vou com a emoção e a carga daquilo que quero que as pessoas reflitam".
Quando pisa o palco, entrega-se ao instante. "Quero sempre buscar uma outra realidade onde não há defesas, onde não tenho que provar nada. A dança é a minha forma de lembrar o mundo da sua própria beleza".
https://www.instagram.com/p/Ca943gGj3tc/
Com Sacralidade, Rosy Timas leva ao palco essa essência – o corpo, a memória e espiritualidade, algo que está não só no centro do seu trabalho, mas também na sua visão sobre o papel da mulher na sociedade. "Precisamos de nos reconectar com o divino. As mulheres têm o poder de equilibrar o universo, mas estão a cair na armadilha da luta por igualdade com os homens. Devíamos aceitar a nossa essência de nutrir e dar".
Não esconde que o processo criativo é solitário. "Sempre fui uma artista muito solitária. Mesmo dentro de uma companhia, sinto-me só no meio. Quando faço solos, gosto de trabalhar sozinha, não abro mão dessa intimidade".
Mesmo quando estrutura um espetáculo, deixa espaço para o improviso e a entrega total ao momento. "Quando danço, quero sempre procurar uma outra realidade onde não há defesas, onde não tenho que provar nada. A dança é a minha forma de lembrar o mundo da sua própria beleza", assume.
Rosy Timas convida o público a essa mesma reflexão – sobre o divino, o feminino e a necessidade de se reconectar com o essencial. "A mensagem já está dita desde que o mundo é mundo. Nós só precisamos de entender o que já sabemos”, conclui.
Relembramos-te que podes ouvir os nossos podcasts através da Apple Podcasts e Spotify e as entrevistas vídeo estão disponíveis no nosso canal de YouTube.
Para sugerir correções ou assuntos que gostarias de ler, ver ou ouvir na BANTUMEN, envia-nos um email para redacao@bantumen.com.
Recomendações
Marcas por escrever
Contactos
BantuLoja
© BANTUMEN 2024